As vacinas contra Covid-19 são assunto desde o fim de 2020, pois têm causado grande impacto na prevenção de internações e mortes pela doença. Seria este um indício de que é possível resolvermos os problemas de todas as doenças transmissíveis? Infelizmente, não é bem assim.

Um exemplo desta dificuldade é o caminho tortuoso percorrido pelas vacinas para prevenção do HIV, causador da pandemia de aids, que assola a humanidade há 40 anos.

Quando se descobriu que a aids era causada por um vírus, muitos imaginaram que a doença poderia ser facilmente evitada com o uso de uma vacina. O tempo provou o contrário.

O HIV tem material genético cerca de três vezes menor que o do novo coronavírus. Entretanto, ele muda demais, o que torna a busca pela vacina muito mais complexa. Sua capacidade de mutação é tão grande que uma única pessoa infectada, sem tratamento com o coquetel antirretroviral, pode ter mais variantes de HIV do que todas as variantes encontradas do novo coronavírus pelo mundo, o que atrapalha sobremaneira a descoberta de uma vacina eficaz.

Prova disso foi a desapontadora notícia, publicada nesta segunda (30), de um grande estudo que não mostrou sucesso em mais uma tentativa. Realizado na África, o Imbokodo avaliou se a combinação de duas vacinas contra o HIV seria capaz de prevenir a infecção em mulheres vulneráveis, numa região duramente acometida pela aids. Após analisar os dados, em cerca de 2.600 voluntárias, verificou-se que a proteção não atingiu a meta.

Uma curiosidade é que uma das vacinas utilizadas foi concebida com a mesma plataforma utilizada para criar um produto que se mostrou altamente eficaz para prevenir a Covid-19. Um grupo da Universidade Harvard, em conjunto com a farmacêutica Johnson & Johnson, usou também o adenovírus 26 para produzir uma vacina segura e capaz de ensinar o sistema de defesa a combater o vírus. O que deu muito certo para o novo coronavírus não funcionou para o HIV.

O estudo Mosaico, que emprega uma combinação parecida de vacinas, continua seu curso para avaliar a capacidade de proteção de vulneráveis à infecção pelo HIV em vários países, inclusive no Brasil.

Por ora, sabemos que ainda é preciso aprofundar mais as pesquisas sobre possíveis alternativas para alcançarmos uma vacina eficaz.

Enquanto isso, é preciso investirmos em outras medidas que já se provaram úteis e eficazes na luta contra a pandemia de aids: garantir a quem vive com HIV fácil acesso ao tratamento, para que essas pessoas deixem de transmitir sexualmente o vírus uma vez que tenham a carga viral indetectável; ampliar a aplicação de estratégias conhecidas como profilaxias pré e pós exposição (PrEP e PEP); realizar diagnóstico e tratamento de outras infecções sexualmente transmissíveis, que podem facilitar a transmissão sexual do HIV; e claro, manter o estímulo ao uso de preservativos e à prática do sexo mais seguro.

Aqui cabe um alerta importante. O Brasil, tido como um exemplo no combate ao HIV e aids, vem observando uma diminuição na discussão sobre este tema. O número de campanhas para prevenção e tratamento é escasso e o combate ao preconceito contra pessoas vulneráveis, ou que vivem com o vírus, é um debate que tem perdido espaço.

A pandemia de Covid-19 reacendeu a discussão por mais investimento em ciência da saúde. Esperamos que torne evidente, também, a necessidade de darmos a devida atenção às outras doenças infecciosas, quaisquer que sejam elas.

* Esper Kallás é médico infectologista, professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

Fonte: Folha de S. Paulo