Alexia nasceu Alexandre. Em 2017, exatamente no dia em que completou 43 anos, ela recebeu, como se fosse um presente de aniversário, a retificação de seu registro civil.

Bibliotecária-chefe de um centro de educação tecnológica em Angra dos Reis (RJ), ela fez recentemente a cirurgia de readequação sexual (popularmente conhecida como mudança de sexo) em uma clínica particular. Também realizou três intervenções no rosto, incluindo a frontoplastia (que remodela crânio e testa).

A busca por atendimento ágil e especializado vem abrindo um filão de mercado na rede particular não apenas para cirurgias de readequação sexual, mas também para lipoesculturas, suavização do pomo-de-adão e até alteração do timbre de voz.

“Nas minhas palestras sobre transgeneridade, recebo diversos relatos de mulheres trans que não conseguem encontrar atendimento adequado nem no SUS [Sistema Único de Saúde] nem em clínicas particulares. Elas tiveram experiências com médicos grosseiros, alguns até se recusaram a atendê-las. Tive sorte”, diz Alexia.

Atualmente, apenas cinco centros públicos estão habilitados para os procedimentos cirúrgicos: os hospitais das clínicas das cidades de São Paulo, Recife, Porto Alegre e Goiânia, e o Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio. O Ministério da Saúde não possui estatísticas sobre quantos são os centros especializados na rede particular.

O processo transexualizador, voltado para o atendimento especializado de transexuais, foi instituído no SUS em 2008. Segundo o Ministério da Saúde, nos últimos dez anos foram feitas 474 procedimentos cirúrgicos.

O ministério não possui dados nacionais sobre o tempo de espera para a cirurgia de readequação sexual no SUS. Hoje, 80 pessoas trans estão “aptas” para cirurgia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, mas a assessoria de imprensa do hospital não informa quanto tempo deve demorar para as operações ocorrerem.

O perfil de seus pacientes é diversificado. Martins já atendeu uma militar sexagenária de São José dos Campos (SP), uma bailarina de Porto Alegre e uma advogada de Curitiba.

“A sociedade ainda é cercada de preconceitos. Entre médicos, muitas vezes ainda há condutas duvidosas e despreparo para tratar essas pacientes”, disse o médico durante um simpósio sobre transgeneridade na Ordem dos Advogados do Brasil de Florianópolis.

Martins defende o atendimento humanizado. “Temos um papel social. Além de médicos, somos ativistas”, define.

Guiada pelas diretrizes da WPATH (Associação Profissional Mundial para Saúde de Transgêneros), a clínica atende pacientes que cumprem critérios como a apresentação de dois laudos (psicológico e psiquiátrico) e acompanhamento endocrinológico por, no mínimo, 12 meses.

Ao todo, o tratamento pode custar cerca de R$ 200 mil.

O recurso a consultórios privados exige alguns cuidados. Buscar informações sobre o médico no CFM (Conselho Federal de Medicina) e indicações e relatos de amigos sobre o atendimento recebido ajudam a fugir de “roubadas”.

Para Keila Simpson, presidente da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), a busca por clínicas particulares também é motivada pela ansiedade de quem busca realizar a intervenção cirúrgica, mas não quer ter de esperar anos para fazer via SUS.

“É preciso que a gente incentive a criação de outros centros públicos para cirurgias a fim de evitar esperas de longos anos”, diz Keila.

O psiquiatra Alexandre Saadeh, 57, coordenador do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria da USP, também destaca a necessidade de ampliar o atendimento e expandir centros públicos para outras cidades.

“Avançamos muito ao ampliar o acesso para a população transexual, mas ainda faltam investimento, interesse e equipes competentes.”

Saadeh frisa a importância de ter profissionais capacitados para o atendimento a trans nas redes particular e pública. Embora envolva cirurgias plásticas, transexualidade não é uma questão estética: “É saúde pública”, destaca.

Fonte: Folha de S. Paulo