Segundo especialistas, a alta prevalência está diretamente ligada à baixa adesão à vacinação; atraso no diagnóstico do quadro faz com que a taxa de mortalidade também seja elevada

 

Apesar de o câncer de colo de útero ser uma doença passível de prevenção, a mortalidade pela condição aumentou no Brasil nos últimos dez anos. De acordo com dados do Sistema de Informações da Mortalidade (SIM/SUS), a taxa subiu de 5,2 por 100 mil habitantes em 2012 para 6,4 em 2022, representando uma alta de 23%. Vale lembrar ainda que se trata do terceiro tipo de câncer mais prevalente entre mulheres, excluídos os tumores de pele não melanoma, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca).

Segundo Eduardo Cândido, membro da Comissão de Ginecologia Oncológica da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), mais de 90% dos casos de câncer de colo de útero se desenvolvem a partir da infecção pelo papilomavírus (HPV), sendo que os subtipos 16 e 18 representam a maioria dos casos – no total, são 200 subtipos identificados.

Ele afirma que cerca de 70% a 80% da população entra em contato com o HPV em algum momento da vida, principalmente por meio da atividade sexual. Embora a maioria das infecções pelo vírus seja resolvida pelo sistema imunológico, algumas persistem, o que pode resultar no desenvolvimento de lesões e, eventualmente, no desenvolvimento do câncer.

Diagnóstico precoce

Na avaliação de Angélica Nogueira, oncologista clínica e membro do Comitê de Lideranças Femininas da Sociedade Brasileira Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), a dificuldade para reduzir tanto a prevalência quanto a mortalidade pela doença indica uma necessidade contínua de conscientização sobre a importância dos exames de rastreamento precoce, do uso de preservativos e da vacinação contra o HPV.

Ela explica que as lesões precursoras do HPV, que acometem o colo do útero, são consideradas pré-cancerígenas e não provocam sintomas, sendo visíveis apenas por meio do exame de papanicolau. Agora, quando os sintomas se tornam perceptíveis, como sangramentos, corrimentos com cheiros fortes, dor durante a relação sexual e infecções recorrentes, significa que o problema já evoluiu para o câncer de colo de útero.

No Brasil, a recomendação é de que, entre 25 e 64 anos, mulheres cis, homens trans e pessoas não-binárias identificadas como mulheres ao nascer realizem o papanicolau a cada três anos. O exame, que é oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pode reduzir de 60% a 90% dos casos desse tipo de tumor.

Contudo, 20% do público-alvo das capitais brasileiras nunca chegou a realizar o exame, segundo levantamento do Observatório de Atenção Primária à Saúde da Umane, associação civil dedicada ao apoio às iniciativas de saúde pública. “Esse com certeza é um dos principais indicativos para não termos alcançado uma redução de casos ou mortalidade”, observa Angélica.

Métodos de prevenção

O uso de preservativos e a vacinação são consideradas medidas essenciais para evitar o HPV e, consequentemente, o desenvolvimento do câncer de colo de útero. No Brasil, existem dois tipos de vacina disponíveis até o momento:

  • Vacina quadrivalente: disponível no SUS, é indicada para meninas e meninos de 9 a 14 anos; homens e mulheres transplantados; pacientes oncológicos em uso de quimioterapia e radioterapia; pacientes com HIV/Aids, e vítimas de violência sexual.

Vacina nonavalente: disponível na rede privada, é indicada a crianças e adultos de 9 a 45 anos.
A vacina quadrivalente protege contra os tipos 6, 11, 16 e 18 de HPV, enquanto a nonavalente protege ainda contra os subtipos oncogênicos 31, 33, 45, 52 e 58. Considerando os subtipos 16 e 18, os mais relevantes quando se trata do câncer de colo de útero, o primeiro imunizante oferece 70% de eficácia na prevenção, enquanto o segundo apresenta uma proteção de até 90%.

O problema é que, assim como acontece com as taxas de realização do exame de papanicolau, os índices vacinais contra o HPV também estão abaixo do ideal.

Segundo dados do Ministério da Saúde, 87,08% das meninas brasileiras entre 9 e 14 anos de idade receberam a primeira dose da vacina em 2019. Em 2022, a cobertura caiu para 75,81%. Entre os meninos, os números também são preocupantes: a cobertura vacinal caiu de 61,55%, em 2019, para 52,16%, em 2022.

Vale ressaltar que, além do câncer de colo de útero, o HPV pode causar outros tipos de câncer, como vaginal, anal, peniano e na orofaringe. Por esse motivo, a vacina também é indicada a homens cis, mulheres trans e pessoas não-binárias designadas como homens no nascimento.

“Além disso, é uma forma de quebrar o ciclo de infecção. A partir do momento que você se vacina, também livra seu parceiro do vírus”, ressalta Cândido.

Desafios da cobertura vacinal

Na opinião da pediatra Mônica Levi, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a cobertura vacinal abaixo do ideal está associada a uma falha na comunicação.

Levando em consideração que o público-alvo são meninos e meninas de 9 a 14 anos, a avaliação de Mônica é que deveria haver uma comunicação mais estratégica, que leve em consideração os interesses desse perfil etário, de forma a ressaltar a importância da vacina e sua segurança para adolescentes e pré-adolescentes.

Além disso, para a oncologista Angélica, a cobertura vacinal contra o HPV está aquém do desejado devido ao tabu criado pelos responsáveis de que a vacina pode colaborar para o início da vida sexual precoce.

“Já existem estudos que desmistificam essa ideia. O que os pais precisam ter em mente é que o HPV pode evoluir para diversos tipos de câncer, especialmente na vida adulta. Por isso a vacina é tão necessária”, afirmou a especialista.

Para Mônica, uma forma de driblar o problema seria a união entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação. Essa ideia está atrelada aos índices vacinais atingidos em 2014, primeiro ano da vacinação contra o HPV no Brasil. “Nessa época, a vacina era aplicada nas escolas e atingimos cobertura de 90%. Quando foi retirada das instituições de ensino, em 2015, a cobertura caiu 20%”, descreve.

SUS conta com novo exame para diagnóstico

Considerando os desafios relacionados ao câncer de colo de útero, o Ministério da Saúde adotou, em março deste ano, uma nova abordagem no SUS para a detecção precoce do HPV. A nova tecnologia emprega testes moleculares para identificar o vírus, utilizando coleta de material genético (em algumas situações, diretamente do colo do útero).

Além disso, a tecnologia possibilita a realização do teste a cada cinco anos, em contraste com a recomendação de rastreamento do HPV por meio do papanicolau a cada três anos.

Na visão de Mônica, a testagem molecular pode ser considerada um exame de alta performance, pois o material genético é analisado por máquinas, minimizando a necessidade de intervenção humana. “Apesar da eficácia do papanicolau, ele é sensível à qualidade e técnica utilizadas. Além disso, podem ocorrer problemas como quebra ou extravio das lâminas”, afirma Mônica.

Mas a especialista reforça a importância do papanicolau, já que outros problemas podem ser detectados por meio desse exame. E ela faz questão de lembrar, mais uma vez, do papel da imunização. “O cenário ideal é estarmos protegidos da doença. Portanto a vacinação continua sendo imprescindível, independentemente da qualidade dos exames”, acrescentou.

Fonte: Estadão