Quarenta anos depois que cientistas americanos documentaram os primeiros casos do que mais tarde seria identificado como o vírus HIV, os medicamentos reduziram as taxas de infecção, mas as disparidades raciais são agora mais fortes do que nunca.

Os afro-americanos passaram de 29% das novas infecções em 1981 para 41% em 2019, apesar de serem apenas 13% dos americanos, de acordo com um novo relatório do governo.

No Brasil, o Boletim Epidemiológico do ano de 2020 destacou que 40,1% das infecções por HIV no país ocorreram entre brancos e 50,7% entre negros (pretos e pardos, sendo as proporções estratificadas 10,7% e 40,0%, respectivamente).

No sexo masculino, 41,7% dos casos ocorreram entre brancos e 49,2% entre negros (pretos, 9,8% e pardos, 39,4%); entre as mulheres, 36,6% dos casos se deram entre brancas e 54,3% entre negras (pretas, 12,9% e pardas, 41,4%).

Quando distribuídos proporcionalmente os óbitos notificados no ano de 2019 por raça/cor, observaram-se 61,7% de óbitos entre negros (47,2% pardos e 14,5% pretos), 37,7% entre brancos, 0,3% entre amarelos e 0,3% entre indígenas. A proporção de óbitos entre mulheres negras foi superior à observada em homens negros: 62,1% e 61,4%, respectivamente. Realizando-se uma comparação entre os anos de 2009 e 2019, verificou-se queda de 21,0% na proporção de óbitos de pessoas brancas e crescimento de 19,3% na proporção de óbitos de pessoas negras.

“Importante frisar que cidadania seria a Redução das Desigualdades Sociais. Os negros foram os que mais morreram por Covid no Brasil. O acesso aos serviços de Saúde são mais precários e se faz urgente. Valorização da vida e o enfrentamento ao racismo. O desafio maior é a nossa persistência e resistência na luta por igualdade e todas as formas de opressão. A diferença nos enriquece, o respeito nos engradece”, disse o ativista Ricardo Santos, que vive com HIV há 34 anos.

“Que neste 20 novembro, a celebração da negritude seja com dias de solidariedade sem ferir ninguém na sua raça e cor. Nossos passos vêm de longe, nossos antepassados muito ricos com histórias inspiradoras, que nos deixam motivados a continuar nesta luta. Somos heróis da resistência”

Políticas Públicas

No Brasil, ações de equidade racial em saúde são construídas pelo movimento de mulheres negras, desde a redemocratização. Apesar da legalização da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, essas ações são desconhecidas e ainda recebem resistência dentro do Sistema Único de Saúde.

Durante evento sobre as mulheres negras em temos de pandemia, Lúcia Xavier, ativista da ONG Criola, pontuou as especificidades das mulheres negras no SUS e o exercício do controle social como decisivo para o monitoramento dos atendimentos. “É nesta frente que nós, mulheres negras, sabemos o sentido do racismo patriarcal. É dali que a gente diz que não é o fato de sermos mulheres que produz em nós tantas de violências, mas o fato de sermos negras, porque ali tem o controle da nossa sexualidade, da nossa reprodução, do nosso direito à vida. Nós somos aquelas que pagamos com a vida no melhor momento das nossas vidas, quando escolhemos ser mãe ou não. É neste momento que se produz todo o ódio racial e diz à ela: ‘o seu direito só vai se restabelecer se eu quiser. Se eu desejar, e é também o pior dos momentos. Talvez um momento parecido com a escravidão, quando você não pode agir ou não tem como agir, porque da sua liberdade dependem outros. E é nesse momento de fragilidade que a gente vê o quanto o racismo é cruel em relação às mulheres. Para controlar mulheres negras se controla quase toda a população negra e se controla também a capacidade que nós temos de enfrentar o racismo e promover novas possibilidades de vida”.

A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra define os princípios, a marca, os objetivos, as diretrizes, as estratégias e as responsabilidades de gestão voltados para a melhoria das condições de saúde desse segmento da população. Inclui ações de cuidado, atenção, promoção à saúde e prevenção de doenças, bem como de gestão participativa, participação popular e controle social, produção de conhecimento, formação e educação permanente para trabalhadores de saúde, visando à promoção da equidade em saúde da população negra.

A política foi instituída há 11 anos, em 13 de maio de 2009, pela portaria n. 992 do Ministério da Saúde. Mas a construção do campo da focalização da saúde na população negra teve início nos anos 1980, com protagonismo do movimento de mulheres negras, partícipes na construção de uma proposta de equidade racial junto às burocracias do SUS (Sistema Único de Saúde).

Em abril de 2020, o Conselho Nacional de Saúde, a partir da recomendação n. 29, recomendou ações relativas ao combate ao racismo institucional nos serviços de saúde no contexto da pandemia da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.

A enfermeira e epidemiologista Emanuelle Góes resgatou o empenho da sociedade civil e das comunidades periféricas para organizar a resposta de autoproteção no início da pandemia. “A gente agiu nas comunidades, quando a gente percebeu que o Estado não iria chegar. Agimos na garantia da água, do álcool em gel. A própria comunidade se engajou. Pensar no SUS é pensar com a gente, inclusive”, pontuou.

Góes salientou que “as desigualdades pré-existentes elas se adensam. Em outras situações de crises sanitárias, crises econômicas e guerra, esse cenário se assemelha ao que vemos no mundo: a situação das populações mais vulneráveis, no sentido de ausência de Estado e violação de direitos, piora. Até questões superadas na América Latina, como aumento da malária e do HIV, doenças que mesmo sem cura tinham manejo, redução e certo controle. A dedicação de estudos, serviços, ofertas de insumos para a Covid faz com que outras coisas que não estão solucionadas fica um gap em volta da pandemia”.

 

Saúde Mental

Levantamento sobre a percepção da população paulistana em relação ao racismo e as consequências da discriminação no cotidiano da população negra na cidade, feito pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), mostrou que a desigualdade social é o fator que mais contribui para desencadear ou agravar problemas de saúde mental na população negra para 49% da população.

Segundo a edição de 2021 da pesquisa Viver em São Paulo: Relações Raciais, divulgada nessa quinta-feira (19), o medo constante de sofrer abuso ou violência policial, apontado por 45% dos entrevistados e o medo constante de sofrer discriminação ou preconceito racial e não saber como lidar, citado por 42%, também são fatores que interferem na saúde mental. Outros 47% dos paulistanos disseram que a pandemia também teve impacto maior sobre o trabalho e a capacidade de gerar renda das pessoas negras.

A pesquisa revelou ainda que em seis dos oito locais avaliados prevalece a percepção da maioria dos entrevistados de que há diferença no tratamento de pessoas negras e pessoas brancas, apesar de ter sido registrada uma leve queda nesses itens do ano passado para este ano. Para 78% das pessoas essa diferença de tratamento existe nos shoppings e comércios (81% em 2020). Nas escolas e faculdades, essa percepção foi apontada por 74% (77% em 2020); nas ruas e espaços públicos, 72% (75% no ano passado); no trabalho, 68% (74% em 2020) e no transporte público, 64% (no ano passado eram 70%). Para 57% das pessoas, há diferença nesse tratamento nos hospitais e postos de saúde (65% em 2020) e, no local onde moram, o percentual é de 48% (57% em 2020).

 

Dica de entrevista

Ricardo Santos

E-mail: ricardo_65carioca@hotmail.com

Lúcia Xávier

Telefone: (21) 2518-7964

 

Redação da Agência de Notícias da Aids com informações