No último dia 30 de agosto, o seminário “Caminhos para Prevenção: Ampliação do Acesso e Promoção da Equidade”, organizado pelo Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e IST (Dathi), reuniu especialistas de diversas áreas para debater novas estratégias de prevenção ao HIV. O evento, que contou com a participação de importantes vozes do campo da saúde pública, focou em soluções que buscam aumentar o acesso à prevenção combinada, especialmente entre as populações mais vulneráveis.

O debate “Como Inovar no Acesso à Prevenção Combinada do HIV?, mediada por Gabriela Calazans, pesquisadora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP/SP), destacou abordagens inovadoras para ampliar o alcance da prevenção. Entre as iniciativas apresentadas, Ronaldo Zonta e Adriano Queiroz compartilharam estratégias inovadoras, como o uso de teleconsulta e máquinas automáticas de entrega de PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) e PEP (Profilaxia Pós-Exposição). Essas ferramentas tecnológicas prometem facilitar o acesso aos medicamentos, oferecendo alternativas rápidas e discretas para a população.

Além disso, Marcuce Antonio Miranda dos Santos trouxe à discussão os desafios enfrentados nas comunidades ribeirinhas da Amazônia. Segundo ele, barreiras geográficas e culturais dificultam a disseminação de informações e o acesso aos recursos de prevenção. Santos destacou a importância das ações comunitárias como meio de superar esses obstáculos, reforçando a necessidade de adaptação das estratégias de saúde às realidades locais.

Autoteste pela internet e aplicativos

Ronaldo Zonta, médico de família e comunidade da Coordenação Municipal de HIV/Aids de Florianópolis, trouxe à discussão o uso de tecnologias digitais para expandir o acesso a insumos de prevenção como a PrEP e o autoteste de HIV. Ele apresentou iniciativas implementadas em Florianópolis, como o Home Prep e o Tele Prep, que permitem que os usuários realizem consultas remotas e assíncronas via WhatsApp Business, facilitando o acesso contínuo à profilaxia. “Essas tecnologias não apenas ampliam o alcance da PrEP, mas também desmedicalizam o serviço, tornando-o mais acessível para populações itinerantes e jovens que enfrentam barreiras geográficas ou sociais”, disse Zonta.

Ele compartilhou dados importantes, apontando que 82% das consultas de PrEP em Florianópolis já ocorrem de forma remota. Zonta destacou o aumento significativo no número de usuários jovens (15 a 24 anos) desde a implementação dessas estratégias, com crescimento de 80% no total de usuários entre 2020 e 2023. Além disso, a taxa de descontinuação foi reduzida para 24,9%, aproximadamente 10% menor que a média nacional, o que demonstra a eficácia das iniciativas.

Outro ponto de destaque foi a utilização de campanhas em redes sociais e aplicativos de encontros, como o Grindr, para promover o autoteste de HIV e a PrEP, o que tem facilitado o acesso a populações que tradicionalmente evitam os serviços presenciais. “As redes sociais permitem personalizar a comunicação e alcançar quem mais precisa, com sigilo e conveniência”, afirmou Zonta. As iniciativas permitem que o usuário solicite o autoteste para entrega em casa ou em pontos estratégicos, como armários digitais, localizados em áreas de grande circulação.

Zonta também discutiu o impacto positivo dessas ações na comunidade, enfatizando que o uso do autoteste, além de incentivar o diagnóstico precoce, cria uma cultura de autocuidado entre os usuários. “O autoteste se torna uma ferramenta rotineira para muitos, que inclusive compartilham com parceiros e amigos, ampliando o alcance da testagem”, explicou ele, ressaltando que campanhas em cidades como Florianópolis, Porto Alegre e Fortaleza já mostraram resultados promissores.

Zonta concluiu sua fala apontando os desafios futuros, como a expansão dessas tecnologias para regiões com menor acesso à internet, o desenvolvimento de máquinas automáticas de entrega de PrEP e PEP e o uso de inteligência artificial para interpretar autotestes. “A inovação precisa continuar para garantir que a prevenção do HIV chegue a todos, especialmente às populações mais vulneráveis”, finalizou.

Automação e Expansão Digital em São Paulo

Adriano Queiroz, da Coordenadoria Municipal de IST/Aids de São Paulo, relatou os avanços implementados na cidade, como o uso de teleconsulta e máquinas automáticas para entrega de PrEP e PEP. Ele iniciou sua fala ressaltando o crescimento da oferta de PrEP em São Paulo, que passou de cinco unidades, em 2018, para 29 serviços em 2023, incluindo o inovador SPrEP, um serviço de teleconsulta que funciona diariamente, das 18h às 22h. “A teleconsulta tem sido um divisor de águas, permitindo que as pessoas solicitem PrEP e PEP sem sair de casa, por meio de um aplicativo de fácil uso, o e-SaúdeSP”, explicou Queiroz.

Uma das grandes inovações apresentadas foi a instalação de máquinas automáticas de PrEP e PEP em estações de metrô. “Essas máquinas estão localizadas nas movimentadas estações Luz e Vila Sônia, e o usuário pode retirar sua medicação usando um QR Code gerado após a consulta virtual. Em três meses, tivemos 350 retiradas, sendo 232 de PrEP e 105 de PEP”, destacou Adriano. Além da medicação, cada retirada também inclui um autoteste de HIV, incentivando o autocuidado contínuo.

Queiroz também mencionou o impacto positivo do SPrEP, que atendeu mais de 1.100 pessoas em pouco mais de um ano, sendo 765 atendimentos relacionados à PEP. Ele enfatizou que a maioria dos atendimentos de PEP para mulheres cisgênero ocorreu via teleconsulta, o que sugere que essa modalidade pode reduzir o estigma que muitas enfrentam ao buscar serviços presenciais. “Mais de 90% das consultas de mulheres cis foram para PEP. Isso mostra que o acesso remoto pode quebrar barreiras de exposição e estigma”, refletiu.

Com a implementação dessas tecnologias e a ampliação do acesso, São Paulo registrou um avanço importante: quase 50% das pessoas que iniciaram PrEP em 2023 foram pessoas negras, um marco inédito que reflete os esforços de inclusão e equidade. Queiroz encerrou sua apresentação com otimismo: “Acreditamos que, nos próximos anos, podemos eliminar a transmissão horizontal do HIV em São Paulo, assim como já fizemos com a transmissão vertical.”

Barreiras geográficas e religiosas dificultam a ampliação de acesso aos insumos de prevenção

Falando diretamente de Porto Velho, Rondônia, Marcuce destacou a extensão territorial e as dificuldades geográficas que afetam o acesso à prevenção combinada do HIV na região. Ele explicou que Porto Velho, com uma vasta área ribeirinha de mais de 200 km, possui comunidades com acesso limitado a serviços de saúde, dificultado por fatores como as grandes distâncias, condições ambientais adversas e cancelamentos frequentes de voos. “Somos uma grande cidade, com uma área territorial maior que muitos países, e as comunidades ribeirinhas enfrentam um desafio diário para acessar insumos básicos de saúde”, explicou Marcuce.

Um ponto central da fala de Marcuce foi o papel da Associação Beradeiro (@Associacaoberadeiro), que desde 2013 tem sido uma ponte crucial para levar a prevenção combinada a essas comunidades remotas. A estratégia inovadora da associação começou com o projeto “Criança Brincando e Pai Testando”, que integra atividades educativas para crianças com a distribuição de insumos de prevenção para os pais. “Nosso trabalho é baseado na reeducação popular em saúde sexual e reprodutiva, levando insumos como PrEP, PEP, autotestes e preservativos para áreas de difícil acesso”, afirmou ele.

Marcuce também lamentou a fragilidade do sistema de saúde local, agravada pela alta rotatividade das equipes em áreas remotas e pela falta de incentivos para manter profissionais de saúde nessas localidades. “É comum que as equipes mudem a cada três ou quatro meses, o que prejudica a continuidade das ações de prevenção e assistência”, disse o pesquisador. Ele também mencionou as barreiras culturais e religiosas, que muitas vezes dificultam a implementação de políticas de prevenção em um estado conservador como Rondônia.

Uma das soluções encontradas pela Associação Beradeiro é a integração de ações educativas com eventos comunitários. A equipe participa de festivais, torneios de futebol e outros eventos populares, utilizando essas oportunidades para oferecer testagens, vacinas e distribuir insumos de prevenção. “A prevenção precisa estar onde as pessoas estão. Participamos de campeonatos, festas e ações comunitárias para garantir que a informação e os insumos de prevenção cheguem a todos”, destacou Marcuce.

Por fim, ele reforçou a necessidade de apoio local e contínuo para manter essas iniciativas, muitas vezes financiadas por editais nacionais. Marcuce chamou a atenção para a falta de articulação entre a gestão local e as ONGs, o que impede que as ações tenham a consistência necessária. “Sobrevivemos de editais, mas precisamos de apoio local para que as ações sejam contínuas e não esporádicas”, concluiu.

 

Redação da Agência de Notícias da Aids

 

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