Estima-se que existam 370 milhões de pessoas indígenas no mundo. Quase 900 mil delas estão no Brasil, onde há o maior número de comunidades da América Latina – 305, segundo o relatório Povos Indígenas na América Latina.

Dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) mostram que o número de casos de aids dobrou do ano de 2015 para o ano de 2016. Eram 6 casos em 2015 e no ano seguinte foram diagnosticadas 12 infecções. Os contágios acontecem nessa populações devido ao desconhecimento sobre as doenças, abuso de álcool, viagem de indígenas a centros urbanos, além de fatores externos, como a ocupação ilegal de não-indígenas, o trabalho de missões religiosas e a presença das Forças Armadas em áreas remotas.

Agora, o Brasil precisa lidar também com a população indígena imigrante, principalmente depois da ascensão da que é hoje a maior crise migratória do ocidente, a venezuelana. Para fugir da miséria, eles se refugiam no estado mais indígena do Brasil, Roraima.

Quem São?

Ofelia é da etnia venezuelana warao. Descobriu o HIV quando estava na segunda gravidez, já próxima ao parto. Há dois anos não toma medicamento. “Não senti nada. Estou bem assim”, conta ela justificando que sofria muitos efeitos com o uso dos antirretrovirais e, por isso, parou de tomá-los.

De fato, eles vêm mais motivados pela crise do que pela busca de tratamento. “No baraya.” Não há comida, justificam no idioma warao. Cuidar da aids se torna uma consequência positiva em meio ao caos instalado na vida dos refugiados.

Ofelia dorme em uma das redes que colorem o grande galpão. No abrigo onde vive, ela é uma das 600 pessoas refugiadas no meio da capital roraimense.

Aos 30 anos tem cinco filhos vivos. Outros dois morreram de “doença desconhecida”. No mês de março deste ano, a barriga onde pulsavam os noves meses de gravidez anunciava a caçula. Ela dormia quando o comunicado chegou. Às 2h da manhã,  sentindo fortes contrações,  levanta-se de maneira vagarosa,  quietinha e calada, que é para não acordar ninguém. Cruza o acampamento pelo campo de areia que circula o galpão, alcança o grande portão que separa a pequena aldeia indígena venezuelana do restante de Roraima e se pôs a chamar os policiais que trabalham logo em frente. Nasceu em Boa Vista, a Warao brasileira, Ofelianni. O parto normal, feito às pressas e sem a informação de que a mãe possuía HIV, não  deixou a pequena escapar. É a única filha de Ofelia que nasceu soropositiva.

O sufixo no nome da filha é somente pra simplificar a diferenciação. “Gosto do meu nome”, justificou a mãe. Ofelianni é fruto da etnia onde a prevalência do HIV chega a 10% em algumas comunidades. “Nas pequenas, quase todos os homens entre 16 e 23 anos têm o vírus”, afirmou o médico holandês Jacobus de Waard, do Instituto de Biomedicina da Universidade Central da Venezuela, que trata dos warao desde 1993, em entrevista para a BBC. Considerando que há de 50 mil pessoas warao, de acordo com um censo de 2011, os efeitos dessa epidemia podem ser devastadores para o futuro do grupo.

As crenças impõem dificuldades na prevenção. Eles acreditam, por exemplo, que “danos” vêm do ar e entram através da boca, informaram os especialistas. “Em algumas comunidades, 35% da população adulta masculina está infectada. Em relação às mulheres, os casos chegam a 2%”.

 

Os desafios

A Federação Farmacêutica Venezuelana calcula que há problemas com 85% dos antirretrovirais. Neste momento, há um desabastecimento de 24 medicamentos e problemas com outros 20. Neste cenário, o Brasil se torna a única alternativa.

O perfil epidemiológico indígena brasileiro é pouco conhecido em virtude da ausência de inquéritos e censos, e da precariedade dos sistemas de informações sobre mortalidade. A dificuldade de levantamento dos dados é explicada pela extensa área geográfica do país, pelo difícil acesso às aldeias, inacessibilidade cultural e mobilidade espacial de alguns grupos.

Rafael Sacramento, médico da Sesai, que atua diretamente nas áreas indígenas, enfatiza que a prevenção combinada é o que deve nortear o trabalhos dos profissionais que atendem essas populações. “Para se ter uma ideia, fomos à comunidades remotas que possuíam apenas 34 pessoas, neste caso introduzir o uso da camisinha poderia trazer consequências horríveis, porque isso impediria também a reprodução, fazendo com que aquela comunidade desaparecesse”. 

Por outro lado, inserir a Profilaxia Pré-Exposição encontra barreiras culturais como a própria dificuldade em convencer essas populações a tomar comprimidos regulamentarmente. O que vale tanto para prevenção, quanto para a tentativa de manter os tratamentos.

Segundo a Sesai, mais de 45 mil pessoas que vivem em aldeias remotas ou em localidades de difícil acesso no Amazonas e Roraima já passaram por testes médicos. No entanto, o número ainda pequeno se comparado ao tamanha da população indígena nacional.

Conheça a história de outros imigrantes indígenas venezuelanos com HIV.