Uma recente pesquisa realizada na cidade de Chicago, nos Estados Unidos, evidenciou a falta de conhecimento a respeito da PrEP por parte de mulheres cisgênero e descobriu que o desconhecimento sobre a profilaxia não era por falta de interesse. Embora menos de um terço das mulheres tivessem ouvido falar da PrEP, uma vez informadas, mais de um quarto delas anunciou a intenção de iniciar a PrEP. Muitas expressaram surpresa e até raiva por não terem sido informadas sobre isso antes e ficaram surpresas ao saber que a PrEP estava disponível já em 2012.

A Agência de Notícias da Aids conversou com mulheres do movimento de aids e com o infectologista Ricardo Vasconcelos para entender melhor esse cenário, confira.

 

Ricardo Vasconcelos, infectolgista e pesquisador sobre PrEP:  “A relação entre PrEP e mulhes cis são um problema no mundo todo. No Brasil identifico que, em primeiro lugar, as mulheres cis heterossexuais acreditam que HIV é um problema de gays e pessoas trans. Ouço muito elas falarem que se preocupam com ter um filho, mas não se preocupam com o vírus. Outra questão é a comunicação com esse público. Tudo o que a gente tem do Ministério da Saúde em termos de comunicação para prevenção é meio genérico, é algo que se esgosta em “use camisinha”, não é direcionada para públicos específicos e não consegue colocar na cabeça das pessoas que elas estão ou podem estar vulneráveis ao HIV. Não consegue colocar na cabeça das pessoas redução de risco. Isso é ruim tanto para a população que tem uma prevalência mais alta, como é o caso dos homens gays e mulheres trans, porque uma mensagem genérica dizendo ‘use casminha’ com um menino e uma menina enquanto casal não vai surtir impacto nesses dois grupos, e é ruim também para as populações com baixa prevalência, como é o caso das pessoas heterossexuais. Porque no fim das contas essa informação passada pelas campanhas oficiais, é como se entrasse por um ouvido e saísse pelo outro sem gerar impacto na vida de uma quantidade enorme de pessoas porque não conseguem aplicar a prevenção na vida delas. Elas sentem que o HIV é um problema dos outros, não é um problema delas. Se é assim que o Ministério se comunica, quando que uma pessoa cis heterossexual vai se preocupar em buscar PrEP? As mulheres precisam sim de uma abordagem direcionada.”

 

Jenice Pizão, Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas: “Olha que interessante, mesmo nos Estados Unidos, veja a pesquisa e observe que a maioria das mulheres desconheciam a PrEP. Imagine no Brasil onde nós não estamos incluídas no hall da população vulnerável ao HIV. Os responsáveis pelo programa de PrEP no estado de São Paulo afirmam que é porque as mulheres cis não aparecem de forma crescente. Ué, vão esperar que a gente apareça e que a gente se infecte cada vez mais para depois falarem ‘opa, vamos oferecer a PrEP para as mulheres cis!’ Não é um abusrdo? E não é só mulher heterossexual não, porque mulheres lésbicas também não são consideradas vulneráveis. A gente entende a prevenção combinada como um dos pilares do conceito de prevenção atual e como política de saúde, e a PrEP é uma coisa que é pra ser usada não toda hora, isso depende do momento de vulnerabilidade de cada pessoa. É interessante que a mulher tenha mais essa opção de prevenção entendendo também que uma pessoa que vive com HIV e está indetectável não transmite. É importante lembrar que as mulheres tem como ferramenta de prevenção os preservativos que estão com uma série de problemas, nos deram aqueles horroros de látex, ou seja, de novo a gente se torna vulnerável. Precisamos garantir as diferentes formas de prevenção. O grande problema da PrEP no Brasil é divulgação, acesso e oferta. A população mais pobre tem dificuldade de acessar o serviço e quando chega lá, não consegue que o atendimento seja humanizado, principalmente entre negras e pobres. As mulheres precisam entrar nas estatísticas para se tornarem visíveis?”

Silvia Almeida, Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas: “Da minha parte sempre acho que as mulheres têm muita dificuldade em acessar os seus benefícios de saúde sexual e reprodutiva. Sejam as questões de anticoncepcionais ou de autonomia sobre o preservativo. A gente teve o preservativo do governo comprado com material que não é agradável às mulheres, por exemplo, e acredito que com a PrEP acontece o mesmo. A gente precisa entrar nessa luta porque a autonomia da mulher é que vai direcionar a escolha do que ela deve fazer. Ela precisa ter autonomia para escolher o que é melhor pra ela.”

 

 

Vanessa Campos, Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids – RNP+Brasil: “Falamos sobre o acesso das mulheres cis à PrEP no encontro nacional da RNP+Brasil em setembro/2019. Infelizmente as mulheres cis não são consideradas população-chave (dentro da Política Brasileira de Aids) apesar das gritantes vulnerabilidades que enfrentam devido ao machismo estrutural. No geral, as mulheres cis heterossexuais e bissexuais não conseguem negociar o uso de preservativos com seus parceiros. Com acesso garantido à PrEP teriam liberdade na decisão da prevenção ao HIV. Assim como usam anticoncepcionais para prevenir uma gravidez indesejada, também poderiam aderir à PrEP independentemente de seus parceiros. No pré-natal não há uma efetiva prevenção ao HIV já que a eliminação da transmissão vertical só é uma realidade em 3 cidades brasileiras. Esta questão, por si só, já deveria ser suficiente para que as mulheres cis fossem incluídas como população-chave na mandala de prevenção combinada ao HIV/aids do Ministério da Saúde. Mas se não há nenhuma campanha para que as mulheres conheçam e se sintam incluídas na PrEP como poderão exercer seu poder de escolha?”

 

Silvia Aloia, Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas: “Há muito tempo as mulheres são invisibilizadas por não estarem dentre a população com maior prevalência e incidência de HIV e aids. Quando se pensa na mulher e HIV, se pensa na maternidade, mesmo estas estratégias em gestantes e diminuição de transmissão vertical, não são efetivas. Não se pensa em insumos de qualidade como o preservativo feminino (com a devida promoção). Não se pensa estratégias levando em conta o contexto da desigualdade, da diferença na suscetibilidade maior ao adoecimento (físico e mental), nas maiores dificuldades de acesso aos serviços por conta das desigualdades de gênero, na violência. A PrEP deve ser ofertada e disponibilizada sim às mulheres que queiram e precisem utilizar, sempre respeitando sua autonomia. Temos que prevenir. O HIV e os antiretrohurais (outro sobre o qual inexistem pesquisas em nossos corpos) causam diferentes efeitos, precisa-se investir na prevenção já!”

 

Jéssica Paula (jessica@agenciaaids.com.br)