Performance “Cura” e debate sobre sorofobia marcaram a abertura da quinta edição da Mostra de Arte e Diversidade Todos os Gêneros, no Itaú Cultural.

A Mostra Todos os Gêneros de Arte e Diversidade, do Itaú Cultural, começou a todo vapor na noite dessa quinta-feira (10), em São Paulo. A artista e educadora Micaela Cyrino emocionou a todos com sua performance “Cura”, sobre corpos negros femininos e a epidemia de aids. Militante dos direitos humanos e do movimento negro, a jovem chamou atenção para o avanço da doença entre os negros e o aumento do preconceito e estigma que atinge diariamente quem vive com HIV/aids. “A população que mais morre em decorrência da aids é a população negra. Há um silenciamento sobre o assunto, mas não podemos deixar de dizer que a aids é um viés do genocídio da população negra”, afirmou Micaela, que nasceu com HIV e desde a adolescência é engajada nesta causa.

Segundo ela, a performance nasceu da necessidade de expor a situação de corpos negros durante sua residência artística no Centro de Arte Contemporânea da Cidade de Quito. “É uma reflexão profunda sobre o preconceito que sofro diariamente por ser mulher e negra. Se eu não contar que tenho HIV, as pessoas não vão saber, mas todos me olham e sabem que sobre preta. As mulheres negras morrem mais em decorrência da aids porque muitos direitos são negados a elas, inclusive o acesso à saúde integral.”

Sorofobia, onde se esconde o preconceito

Além da Performance, quem esteve no Itaú Cultural pôde acompanhar o primeiro debate da Mostra, que abordou o tema sorofobia. “Quando falamos em sorofobia estamos denunciado a estigmatização da pessoa vivendo com HIV ou aids, baseada em ideias sobre perigo e desvio de caráter, gerando culpa e vergonha indevidas”, explicou o médico sanitarista e ativista Carué Contreiras.

Segundo ele, com o avanço da tecnologia, o HIV se tornou uma infecção crônica e as pessoas estão vivendo mais. Do ponto de vista dos direitos humanos, porém, a história do HIV é de violência e resistência. “Nós pessoas com HIV e aids somos silenciadas. A sorofobia isola, afasta do teste e do tratamento e é a grande responsável pelas 15 mil mortes evitáveis por aids todo ano no país.”

Carué defendeu ainda que seja usado cada vez mais o termo ‘sorofobia’. “A exemplo da homofobia e da transfobia, a gente só conhece os preconceitos quando eles passam a ser denominados. Temos que ter um sujeito.”

O ativista falou sobre o tabu do HIV na comunidade LGBT. “20% dos gays têm HIV ou aids. A marginalização pela LGBTfobia é a principal razão para os altos índices do vírus em LGBTs. Ainda assim existe um tabu em relação ao tema dentro da própria comunidade LGBT+. Por terem sido associados à ideia  de “grupo de risco” durante anos, há quem prefira não associar o HIV.”

Carué acredita que a evolução da linguagem ou a clareza dos termos podem ajudar na luta contra a sorofobia. “Já falamos em ‘comportamento de risco’, que amplia o risco de infecção para toda a população. Depois começamos a dizer ‘vulnerabilidade’ ou ’populações vulneráveis’. A expressão mais recente da ONU é ‘populações-chave’, que traz o envolvimento significativo dos movimentos sociais das populações afetadas nas decisões sobre a resposta à aids. Não refleti ainda se este é o melhor termo, mas estamos mudando.”

Do Rio, o poeta Ramon Nunes Mello, da equipe de curadoria da mostra, relembrou que a falta de informação contribui para o preconceito. “Antes de receber o diagnóstico me perguntava se ficaria com uma pessoa com HIV. A resposta era não. Ao receber o diagnóstico e abrir para algumas pessoas percebi o afastamento. Hoje, resignifiquei o HIV e defendo que cada um aprenda a lidar com o seu preconceito. Ao tornar público o meu HIV tirei um peso da minha vida.”

Ramon, assim como Carué, defendeu a corporificação das palavras para dizer que não aceita mais o preconceito. “Não queremos mais viver no armário.”

A Mostra Todos os Gêneros acontece até o 20 de maio no Itaú Cultural reúne em sua programação debates, palestras, shows, exibição de filmes e apresentações de teatro, dança e performance, sempre com entrada gratuita.

Confira a programação completa aqui.