Em seu novo Relatório Global, o Unaids (Programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids) mostra que existe um caminho para o fim da Aids como ameaça à saúde pública, o qual também ajudará o mundo a enfrentar futuras pandemias e a avançar no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Os dados e exemplos do mundo real apresentados no relatório deixam muito claro qual é esse caminho, que não é misterioso, mas fruto de escolha política e financeira. As respostas bem-sucedidas ao HIV estão baseadas em uma liderança política sólida que segue a ciência e as evidências, combate as desigualdades que impedem o acesso de todas as pessoas aos serviços e ferramentas para o HIV, fortalece as comunidades e organizações da sociedade civil, e garante o financiamento suficiente e sustentável.
Vários países já estão no caminho certo. Botsuana, Essuatíni, Ruanda, República Unida da Tanzânia e Zimbábue já alcançaram as metas 95-95-95. Nesses países, 95% das pessoas que vivem com HIV conhecem seu status sorológico; 95% das pessoas que sabem que vivem com HIV estão em tratamento antirretroviral salvador de vidas; e 95% das pessoas em tratamento estão com a carga viral suprimida. Outros 16 estão próximos de fazê-lo.
No caso do Brasil, segundo os dados do Ministério da Saúde para 2022, a proporção estava em 88-83-95. Ou seja, é preciso fazer mais para ampliar os diagnósticos e o acesso e permanência no tratamento antirretroviral.
O progresso rumo ao fim da aids como ameaça à saúde pública tem sido mais forte nos países e regiões que têm maiores investimentos financeiros, como na África Oriental e Austral, e é fortalecido onde os marcos legais e políticos não prejudicam os direitos humanos, mas os protegem.
Nesse sentido é preocupante que no Brasil, um país com um ambiente legal em geral respeitoso dos direitos humanos, comecem a surgir iniciativas legislativas de teor discriminatório contra a comunidade LGBTQIAP+. Essas legislações criam empecilhos a que determinados seguimentos mais vulneráveis da população tenham pleno acesso aos serviços de saúde e acompanhamento psicológico, além de aumentar a carga de estigma e discriminação, o que acaba, na verdade, aumentando risco de infecção pelo HIV.
O relatório do Unaids traz exemplos de como a priorização de pessoas e comunidades é um elemento fundamental para acabar com a aids, mas deixa claro que isso não acontecerá automaticamente. Embora o acesso ao tratamento contra o HIV tenha ajudado a salvar 20,8 milhões de vidas, esses avanços ainda estão sendo negados a milhões de pessoas que precisam urgentemente deles. Desigualdades sociais e econômicas dentro e entre os países estão exacerbando e prolongando pandemias e amplificando seu impacto entre os mais pobres e vulneráveis.
A aids ceifou uma vida por minuto em todo o mundo em 2022. Houve 1,3 milhão de novas infecções pelo HIV e 9,2 milhões de pessoas ainda estão sem acesso ao tratamento, incluindo 43% das crianças vivendo com HIV.
Globalmente, 4.000 adolescentes e jovens mulheres com idades entre 15 e 24 anos são infectadas pelo HIV a cada semana. Desigualdades de gênero profundamente arraigadas e discriminação, muitas vezes combinadas com níveis significativos de pobreza, aumentam seu risco de infecção pelo HIV, especialmente na África subsaariana, onde a incidência de HIV entre adolescentes e jovens mulheres é mais de três vezes maior do que entre seus pares masculinos.
Os obstáculos existentes no caminho para acabar com a Aids não são insuperáveis. Pelo contrário. O caminho que põe fim à Aids requer colaboração – entre o Sul e o Norte globais, governos e comunidades, ONU e Estados-membros – todos atuando de forma conjunta e em coordenação. Requer, sobretudo, liderança corajosa.
O caminho apresentado no novo relatório do Unaids para o fim da Aids como ameaça à saúde pública mostra como o sucesso é possível ainda nesta década. Mas temos de agir juntos e com urgência.
Fonte: Folha de S. Paulo