“O que o estigma no ensinou?” Segundo Richard Parker, da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, responder a essa pergunta é um dos passos fundamentais para guiar os próximos trabalhos na luta contra aids.

Durante o workshop “Conceituação sobre Estigma, Preconceitos e Discriminação”, ele aprofundou as faces do estigma e disse que Direitos Humanos são necessários, mas insuficientes. “Sem projetos políticos que colocam os direitos humanos na prática e enfrentem o estigma e discriminação, não será possível alcançar esse feito.”

Diante disso, Richard explicou que o estima altera diante do contexto, do momento histórico, mas que é colocado estrategicamente para efeitos de poder. “Acima de tudo o estigma produz e reproduz relações sociais e desigualdade. O estigma faz parecer razoável, compreensível de uma maneira bastante problemática.”

“Poder e cultura se juntam na produção do estigma com a finalidade de produzir a conformidade. O Estigma é uma das primeiras armas que o poder utliza para manter suas regras. A produção cultural da diferença e a desvalorização daquilo que não se encaixa nos padrões aceitos pela sociedade. criando e reforçando a exclusão social.”

Segundo Richard, a desigualdade de gênero, pobreza, exclusão econômica, opressão sexual, recismo e discriminação ética, bem como desigualdades por faixa etária são evidentes quando se fala em HIV/aids.

“Essas diversas formas de desigualdades funcionaram como motores da epidemia. São duas dimensões do mesmo problema. Dois lados da mesma moeda.”

De forma didática, ele explicou a diferença entre as terminologias estigma e preconceito,

Estigma:

Condições relativamente ‘incomuns’

  • Desfiguração física
  • Doença mental
  • HIV e Aids
  • Covid

Preconceito:

Condições mais comuns de desigualdade

  • Gênero/ sexualidade
  • Idade
  • Raça/etnia
  • Classe

No entanto, Richard explicou que, quando estigma e discriminação estão atrelados chegam-se à rotulagem, esterotipagem, rejeição opressão, rejeição social.

Princípios éticos chaves

Solidariedade, cidadania e direitos humanos, são os três pontos chaves que Richard coloca como cruciais na chamada bandeira do enfrentamento da aids no Brasil.

“A ideia do vírus ideológico que foi colocado como sendo tão ou mais perigoso do que o vírus biológico, a ideia de viver antes de morrer e a busca da cura da aids, resultaram em intervenções culturais que foram fundamentais para manter a esperança e enfrentar os males simbólicos que faziam mal às pessoas com HIV.”

Como heranças dessa mobilização política, estão as organizações das pessoas com HIV/aids que fazem seus trabalhos para defender os direitos das pessoas que vivem com o vírus. “As redes de direitos humanos foi um fio que nos ajudou a costurar essas relações e as articulações entre o movimento de aids e outros movimentos de solidariedade e justiça social”, defendeu Richard.

Acesso à saúde é vitória

O ativismo cultural para contrapor a violência é, segundo Richard, um dos pontos mais relevantes nessa luta. Ele trouxe, em sua apresentação, fotos marcantes que representam essa luta, como um cartaz colocado no Congresso Nacional com os dizeres “sangue não é mercadoria”.

Já nos anos 90, Richard lembra o surgimento das Paradas LGBTs, e o financiamento do poder público para este evento como uma maneira de lidar contra a discriminação.

Nesse sentido, ele também destacou a luta pelo acesso ao tratamento como um direito de todos. “A saúde deveria ser entendida como um direito fundamental humano e, portanto, tudo o que restringe o acesso ao tratamento também precisa ser enfrentado”, disse ao lembrar que a quebra de patente do antirretroviral efavirenz realizada pelo Brasil

“Aos poucos, no final dos anos 90, redes transnacionais de solidariedade começaram a ganhar a batalha moral. Ainda temos muito o que fazer, mas precisamos entender que essa não é uma vitória técnica apenas, mas contra o estigma e discriminação.”

No entanto, Richard comentou que o movimento acreditava que conseguiria dominar o estigma com o tratamento, o que não aconteceu. “Não avançamos o tanto que gostaríamos. Ainda acho que esse é um campo onde caminhamos bem, mas achávamos que o sucesso nesse caso seria maior.”

Marcadores Sociais

“O espectro político ficou muito esperto na hora de usar os mecanismo digitais e simbólicos de forma eficaz. A extrema direita utiliza a internet e redes sociais com uma sofisticaçào extremamente eficaz. É um momento muito difícil. Quando surgiu a resposta ativista ao HIV/aids, os ativistas utilizavam esses recursos de forma inovadora, como os simbolos da Act Up, por exemplo, que era um triângulo rosa dizendo que silêncio é igual a morte. Hoje as áreas conservadoras utilizam esses recursos com maestria também”, afirmou Richard.

“Hoje existem militantes promovendo estigma e discriminação, fazendo atos simbólicos para avançar com suas ideologias em um movimento que é bastante violento. A solidariedade saiu de moda da mesma forma que a democracia. Começamos nossa luta quando a redemocratização era a ordem do dia, mas agora vemos a ruptura da democracia. Estamos em um momento onde essa luta ainda está em curso.”

“Nada está resolvido, todo o progresso ainda pode ser revertido. Então a luta continua. No campo da aids, nós temos a tendência de pensar que estamos lidando com questões técnicas, mas estamos lidando com questões políticas e não há hegemonia total nunca”, defende.

“Então, nas guerras ideológicas que estão em curso, acho que este momento que estamos vivendo hoje é o mais difícil para enfrentar estigma e discrimação. Mas temos que continuar.”

Jéssica Paula (jessica@agenciaaids.com.br)