Em clima de resistência e defesa dos direitos humanos, foi encerrada no domingo (9), em Porto Alegre (RS), o 19º Encontro Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids.  Durante três dias, aconteceram mesas, oficinas, grupos de acolhimento e rodas de conversas para discutir questões estratégicas que garantam a mobilização social e sustentabilidade financeira e organizacional das ONGs/aids no país.

O último dia provocou reflexões em torno do tema “Debate e Provocação: Interseccionalidades no contexto da epidemia de HIV/aids: quem vai pagar esta conta?”. Os participantes também recrudesceram a luta pelo acesso universal ao tratamento antirretrovirais e defenderam políticas afirmativas e interseccionais a fim de suprir as desigualdades no acesso as políticas de Saúde.

“Sou usuária do SUS e também mulher trans, negra, periférica e nascida biologicamente homem. Eu preciso que os serviços de saúde considerem todas essas minhas subjetividades para que eu tenha um atendimento integral. Falar em interseccionalidade é entender que todas essas partes que formam o todo que nós somos se cruzam entre si”, disse a assistente social e conselheira de saúde do município de São Borja (RS), Lins Roballo.

Processo de desmoralização

No sábado (008/12), Salvador Correa coordenador da área de treinamento e capacitação da ABIA, participou da mesa “Quem tem aids tem pressa! Desafios para as ONGs /aids e Redes de PVHA”. “Vivemos um processo de desmoralização das organizações sociais no Brasil. Antes estar em um movimento era motivo de prestígio pelo cumprimento da ação social e da solidariedade. Hoje as ONGs foram associadas à corrupção e a ‘pilantropia’ e isto tem sido feito com a legitimidade da mídia”, denunciou.

Corrêa também abordou sobre a tentativa de apagamento da memória e da pauta do HIV/aids pelas gestões municipais e estaduais do Rio de Janeiro. “Quase todos os Serviços de Atenção Especializadas (SEAS) no estado foram fechados. E eram espaços com uma atuação que abarcava não somente o tratamento biomédico mas também o acolhimento, a atenção básica e o cuidado social como pouco visto nos serviços de saúde de maneira geral”.

Ainda no debate da mesa “Quem tem aids tem pressa”, Vanessa Campos, do movimento nacional de Cidadãs Posithivas – cujo foco é o impacto do HIV/aids na população feminina – contou suas experiências enquanto mulher vivendo com HIV há mais de 25 anos: “Eu descobri que era soropositiva em 1992, aos 19 anos. Foi um choque porque até então para mim a aids estava relacionada aos estereótipos da epidemia: gays, travestis e prostitutas. Eu era mulher, jovem e só tinha tido um parceiro sexual, que posteriormente faleceu em decorrência da doença”, contou.

Também presente na mesa, a ativista e psicóloga Rafaela Queiroz, chamou a atenção para as disparidades de gênero e sociais que envolvem o HIV/aids: “Para as mulheres, o diagnóstico positivo para o HIV pesa de uma maneira muito forte. Muitas acabam abrindo mão de ter uma vida sexual e afetiva”, pontuou a jovem. “Quem mais morre por aids hoje? A população pobre e negra, as mulheres trans e travestis, as mulheres negras… Precisamos pautar as políticas para o HIV a partir da experiência desses grupos mais marginalizados, celebrar a nossa e existência, a nossa potencialidade e agir a partir delas”, afirmou.

Publicações da ABIA

O dia foi marcado ainda pela realização de várias oficinas, rodas de conversa e espaços de acolhimento autogestionados (sobre as perspectivas da juventude, prevenção combinada, mídias sociais e mobilização social e coinfecção aids/Tuberculose). Os participantes debateram questões comuns na experiência com o vírus tal como: rejeição social, acolhimento, saúde mental, autoestima, relacionamentos abusivos, relações sorodiscordantes, acolhimento, adesão ao tratamento e rotinas medicamentosas, entre outros assuntos.

Um dos pontos altos foi o lançamento da publicação Dimensões Sociais e Políticas da Prevenção”, fruto de intensos diálogos realizados no “Seminário Dimensões Sociais e Políticas da Prevenção”, organizado pela ABIA em novembro de 2017, em comemoração aos seus 30 anos de atuação. Também foram lançados e distribuídos o Boletim ABIA  nº 63 – Truvada Livre e as versões impressas do Guia do Sexo Mais Seguro para Mulheres e do Guia do Sexo Mais Seguro a Homens que fazem Sexo com Homens (HsH).

“Agradecemos o apoio e o incentivo do Pela Vidda-RJ e da organização do encontro que tão gentilmente abriram esse espaço para ABIA. Este material não é só nosso e sim de todos que constroem o movimento de luta contra a AIDS e em defesa da saúde e dos direitos humanos. A partir da contribuição de especialistas de diversas áreas e das populações afetadas, procuramos reafirmar com essas publicações, a prevenção como um direito”, disse Veriano Terto Jr, vice-presidente da ABIA.

No encerramento do encontro, foi a vez de Márcio Villard, coordenador do Grupo Pela Vidda-RJ, celebrar os três dias de reflexões e lembrar o legado deixado por Herbert Daniel.  “Quando o Herbert Daniel quando fundou o Pela Vidda, já estava muito debilitado, mas ele queria deixar esse legado de fortalecimento e acolhimento para as pessoas vivendo com HIV/aids. E plantou essa sementinha que é o Vivendo e que resultou hoje em muitas arvores frondosas que seguem aí atuando seja em ONGs mais estruturadas ou no cotidiano”, afirmou o coordenador do Grupo Pela Vidda-RJ.

“O espirito do Vivendo foi reacendido aqui no Rio de grande do Sul, através de cada um que se emocionou, lutou, acolheu e foi acolhido. Nós vamos superar e vamos lutar. Levando a energia daqui não só para o Rio mas para cada lugar do Brasil, resistindo e lutando juntos!”, concluiu Villard.

Fonte: ABIA