O projeto Cartas do Cárcere mapeou e sistematizou um universo de 8.818 cartas enviadas por pessoas privadas de liberdade no sistema carcerário brasileiro à ONSP (Ouvidoria Nacional dos Serviços Penais) no ano de 2016.

“Não consigo mais conviver com 50 pessoas onde o limite é 12 pessoas, me trazendo muita agonia. Meu bigode está caindo pelo alto estresse que eu passo”, diz o autor de uma das cartas recolhidas pelo projeto, em São Paulo.

“Estou pensando em me isolar no castigo para esperar por algo, pois além da superpopulação e falta do trabalho, tem o racionamento d’água, a muita fumaça de cigarro, o calor sufocante, o barulho enlouquecedor devido à superpopulação na cela”, diz o autor.

A coordenadora do projeto, Thula Rafaela de Oliveira Pires, doutora em direito e professora da PUC Rio, disse ao Nexo que as cartas trazem “demandas políticas que não costumam ser tratadas nesses termos” e oferecem a oportunidade de formar “um diagnóstico geral sobre o sistema punitivo” no Brasil.

As queixas mais recorrentes As cartas são direcionadas a instituições públicas e muitas delas estão relacionadas a solicitações e denúncias. 5.646 das cartas apresentaram apenas solicitações 295 das cartas apresentaram apenas denúncias 2.742 das cartas apresentaram denúncias e solicitações

Entre as solicitações e denúncias mais comuns, aparecem queixas como: não cumprimento da Lei de Execuções Penais falta de assistência jurídica falta de acesso à saúde, educação e assistência social descumprimento do Código de Processo Penal Em 8% das cartas há referência à ocorrência de alguma enfermidade.

São relatados 128 casos de HIV, 46 casos de depressão e 17 casos odontológicos, além de dezenas de relatos de hepatite C, câncer, diabetes, hipertensão, tuberculose e muitos outros problemas de saúde mental. Entre as denúncias, há relatos de violência psicológica (mais de cem cartas), violência psicológica (200), abuso de autoridade e violência policial (quase 400) e queixas sobre superlotação (quase 600).

As dificuldades impostas pelo sistema

Presos não podem se comunicar por telefone. A Lei de Execuções Penais, no artigo 50, inciso VII, considera como falta grave ter em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. Por isso, as cartas são tão importantes. Apesar disso, o projeto Cartas do Cárcere recolheu diversos relatos de situações nas quais profissionais responsáveis pela administração penitenciária tentaram impedir que os presos pudessem obter o material necessário para escrever.

“A petição foi escrita em papel higiênico, pois houve a proibição da entrada de canetas e cadernos no intuito de dificultar socorro”, registrou a pesquisadora Julia Gitirana, sobre uma ocorrência em presídio de Minas Gerais.

“No próprio texto das cartas, encontramos vários registros de que as administrações prisionais dificultam o acesso ao papel, à caneta, e, sobretudo, proíbem a escrita e o envio de cartas, ou, não raras vezes, censuram os conteúdos das correspondências”, disse a coordenadora do projeto. “Em muitas cartas identificamos o carimbo de ‘liberado pela censura’ e em outras o relato cruel de que a história não poderia ser integralmente contada porque a tinta da caneta estava acabando ou porque faltava papel”, afirmou.

Fonte: Jornal Nexo