No lançamento, com uma ponta de orgulho misturado com admiração, o pai, Pedro Luís Vergueiro, me contou que ela escreve “desde pequenininha”. A primeira poesia foi feita para a irmã Camila. O avô paterno levou os dois irmãos para Orlando. Marina, que era a mais jovem dos três, acabou não indo ao passeio. Fez uma poesia para a irmã, que ela chamava de Cã. Além de abrir o sarau com a leitura de uma poesia dedicada a mãe que faleceu há 9 anos, Camila trouxe a poesia que Marina lhe dedicou, ainda menina. Plastificada para se manter mesmo com a passagem do tempo a lembrança foi mostrada aos amigos que prestigiaram o evento.

A irmã com a foto da primeira poesia

Estes compareceram em peso. Desde a turma do Palmares, no tempo em que eram adolescentes, até ativistas, amigos mais recentes.

Nossa autora estava muito feliz. Em diferentes momentos limpou o canto do olho, não para disfarçar emoção. Marina não é do tipo de pessoa que se preocupa em disfarçar algo. Talvez para não borrar a maquiagem, talvez para seguir com o ritmo do sarau que fluiu poeticamente.

Um a um os amigos e amigas, também poetas e poetisas se revezaram lendo, interpretando, mostrando seus trabalhos.

 Marina e seus amigos do Colégio Palmares

“Umas das qualidades de minha filha é a determinação. Ela sempre vai atrás do que quer”, me disse o senhor Pedro Luís que sempre que pode prestigia as apresentações e leituras organizados por Marina. “Para mim ela não tem nenhum defeito”. Comentou lembrando que seu pai, Luís Vergueiro gostava de poesia e escrevia sonetos.

Quando Marina soube de seu diagnóstico, em uma internação no hospital Samaritano em São Paulo, o médico chamou o pai e contou para ele antes.” Percebi quando o médico me chamou que ele iria me falar alguma coisa que eu não iria gostar. Logo depois que eu entrei no quarto, assim que ela soube, me disse, muito emocionada, que suspeitava que poderia ser este o diagnóstico. A gente aprende a conviver. Estou feliz porque vejo que ela está realizando o que mais gosta de fazer em sua vida, escrever”.

O pai, Pedro Vergueiro

A seguir a entrevista que a jornalista, poetisa, ativista, concedeu à Agência Aids:

Agência Aids: Conte um pouco de sua história para a gente.

Marina: Sou poeta, jornalista e ativista dos direitos das mulheres. Descobri que vivo com HIV em maio de 2012, quando dei entrada no hospital já completamente debilitada pela aids. Com um CD4 que contava 23 glóbulos brancos por mm3, isto é, quase morta, eu soube imediatamente que não estava pronta para morrer e que ainda tinha muito barulho para fazer no mundo em prol das causas que acredito. O HIV/Aids não era uma delas, mas me transformou e me empoderou para que eu pudesse ser uma pessoa verdadeiramente positiva, que compartilhasse amor e nada mais que amor por onde quer que eu passe. Desde então, vivi um longo processo de aceitação e reconstrução do meu amor por mim mesma para que eu pudesse enfim me libertar daquilo que mais me aterrorizava: ser nada mais que uma “transmissora do vírus do HIV”.

Contraí o HIV numa relação monogâmica de muito amor e, por conta do preconceito, durante anos me julguei, me culpei e me privei da possibilidade de ser leve e feliz, quando finalmente entendi que a aids tem muito mais a ver com amor do que com sexo, mas a hipocrisia da sociedade moralista nos induz a pensar o contrário.

Agência Aids: O que foi mais difícil para você vivenciar depois que recebeu o diagnóstico positivo?

Abrir minha sorologia para as pessoas com quem eu me envolvi emocional e sexualmente foi desesperador durante muitos anos. O medo da rejeição, do preconceito e da agressão foram muito bem costurados no meu imaginário durante os 30 anos de má informação sobre a Aids e me dominavam por completo. Tantas vezes me neguei a possibilidade de amar, trocar afeto, carícias e beijos, porque o estigma da Aids rasgou como uma peixeira a linha tênue entre moralidade e sanidade. Mas, felizmente, ao me expor ao mundo, escolhi ser protagonista de minha própria vida e minha sorologia não passa de um detalhe, importante, mas apenas mais uma faceta de mim. E hoje, mais do que nunca, considero imprescindível me posicionar e defender os valores que acredito, pois está em curso um projeto de poder que visa idiotizar e reprimir os brasileiros através da inversão de valores e exaltação da ignorância e preconceito. – e eu não compactuo com fascistas!

Agência Aids: Como a poesia apareceu em sua vida?

Acho que foi quando minha avó Bida me presenteou com um livro de poesias da Ruth Rocha quando eu tinha uns 7-8 anos. Lembro que fiquei encantada com a brincadeira entre as palavras e as ilustrações, a leitura musicada dos versinhos. Logo em seguida, uns 2 anos depois, meus irmãos mais velhos foram fazer uma viagem longa e eu decidi fazer uma poesia para presenteá-los na volta e foi assim que comecei a escrever.

Agência Aids: Como tem sido para você falar de seu diagnóstico através da poesia?

Revelar meu diagnóstico positivo para o HIV através da poesia foi libertador. O ato de escrever sempre foi para mim uma válvula de escape e poder ser totalmente livre sobre a maneira como eu escolho me expressar é empoderador. Definitivamente os antirretrovirais me ajudam elevando meu CD4, mas a poesia me salva diariamente ao me lembrar que a verdadeira cura está na autoaceitação e no autoafeto.

Agência Aids: Que tipos de trabalhos você gostaria de fazer com seu livro?

Gostaria que minhas poesias chegassem aos mais longínquos corações e sejam uma faísca de coragem a todas aquelas pessoas que muitas vezes se sentem sufocadas pelos próprios sentimentos, sejam eles incômodos ou alegres. Que Exposta seja um gatilho para a autocura e a solitude de muitas pessoas através da expressão artística, seja ela qual for. A urgência da publicação do livro veio junto com um projeto social que leva o mesmo nome, que consiste em uma iniciativa para promover a autocura e empoderamento de mulheres (cis e trans) através da poesia. Ao longo de 2020, irei visitar 10 em comunidades vulneráveis na cidade de São Paulo para encontrar mulheres dispostas a conversar sobre saúde e sexualidade.

Amigos e familiares prestigiaram o lançamento de Exposta

Agência Aids: Por que o nome “Exposta” e o desenho de uma vagina na capa do livro?

Exposta é como eu me sinto no momento em que coloco o ponto final num poema. Eu me derramo em cada palavra para poder me libertar de mim mesma e, inevitavelmente, acabo me encarando nua no papel. Estar Exposta me fortalece, em vez de me deixar em situação vulnerável, porque eu escolho a narrativa que dou à minha existência e ela tem a ver com me aceitar e me amar tal qual sou: poeta positHIVa, gorda e bissexual.

A capa foi criada por uma artista plástica talentosíssima que eu admiro demais, minha parceira e irmã Drika Prates. Quando fomos discutir as artes do livro em nossa primeira reunião há cerca de 7 anos, tanto ela quanto eu estávamos vivendo uma imersão profunda no universo feminista, nos entendendo enquanto seres humanas cheias de potência, que era e ainda é constantemente oprimida pelo machismo estrutural – logo entendemos a ppk como um símbolo de libertação do patriarcado e as cores representam as mais diversas maneira de amar. Além disso, estampar a PPK na capa tem a intenção de desobjetificar este órgão, sempre tão sexualizado, mas que é o início da própria vida.

   O ativista Leandro Noronha mostrou seu talento no Sarau

Agência Aids: Você acredita que a arte pode ser um instrumento eficiente para reforçar ações de prevenção?

Definitivamente a arte é um excelente instrumento para comunicar sobre a importância da prevenção e do tratamento contra todas as infecções sexualmente transmissíveis, pois tem a capacidade de chegar no mais íntimo de uma pessoa, onde às vezes nem ela mesma vai, e propor a reflexão. A mudança de atitude e de comportamento para uma vida sexual mais saudável só se dá através da reflexão, que é algo muito íntimo e pessoal, onde a publicidade e as campanhas de saúde pública no geral não conseguem chegar dado ao caráter massivo e superficial.

Eu tive Aids por dois meses.
Há 7 anos, eu tive Aids por dois meses.
AIDS.
AIDS mesmo.
Olha só.
Não morri.
Eu continuo aqui.
A Aids não.
Ela vazou.
Evaporou de mim
E sumiu.
A Aids é coisa do meu passado,
Desde que me tornei indetectável.
Já o HIV sobreviveu
Assim como eu.
O HIV é um vírus que você não vê…
Pois eu pareço tanto a você!
Não é mesmo?
Eu poderia ser você
E você poderia ser eu
O HIV não escolhe bicha, machão, 
santa ou ateu,
tanto faz aonde você se meteu
Ou com quem você meteu.
O HIV é meu E é teu,
É de quem cruzar O caminho,
Seja monogâmica, “fiel”, bolsominion,
Esquerdomacho, idosa, tarado,
Mãe de família, trava, empresário,
O HIV se lixa se você tá no armário!

Quando me encontrou,
O HIV chegou como quem não quer nada,
Me encheu de beijinhos,
E me levou ao orgasmo.
O HIV é um vírus apaixonado
E, não, isso não é um pleonasmo.
Me lembro do meu primeiro namorado
Pera! Pera!
Nananannanana
NAO, ele não é o culpado.
Ou você aponta o dedo na cara de quem te passou um resfriado?
O Fábio foi vítima do estigma,
Tão cruel que dói até na rima.

E Justamente por medo da discriminação,
Por mais de meia década,
me privei de amar e ser amada,
Enclausurei meu tesão
E em vida me fiz sepultada,

Mesmo indetectável e intransmissível,
Eu me sentia des pre-zí-vel
Por causa de um vírus invisível
Que há um quarto de século já não é mais uma sentença de morte
Acorda!
Amar NÃO É brincar com a própria sorte!
Amar é simplesmente amar 
e nos faz mais fortes!

Vírus da Imunodeficiência HUMANA!
Por que você acha que você é diferente, hein boy, hein mana?!
SUA IGNorancia não me engana!
E nem te coloca à margem da epidemia
Pode parar com esta PUTARIA
De me julgar baseada no teu preconceito,
Meu HIV não é um defeito,
É um vírus, uma doença crônica,
Uma falha no sistema,
Definitivamente não é meu maior problema.
Você tem medo de trepar comigo porque vai pegar?
Você tem medo de me amar porque eu vou morrer?
Ou você não sabe por que nunca conheceu ninguém com HIV?
Oi, prazer.

PARA
Respira!

Em que mundo você vive?
Não vamos todos morrer?
Por acaso Você se apresenta aas pessoas
“Oi, prazer, sou fulano
tenho diabetes e enxaqueca”
Pelo amor da buceta,
(Mãe de cada um de nós)

O que é maior pra você
sua ignorância,
seu preconceito
ou o HIV?

Roseli Tardelli (roseli@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista

Marina Vergueiro

E-mail: marinavergueiro@gmail.com