Neste Dia Mundial de Luta Contra Aids, 1º de dezembro, a Agência de Notícias da Aids realiza o webinário “A pandemia dentro da pandemia”. A ideia é debater os desafios da dupla pandemia. Neste momento, a conversa é sobre “O impacto do novo coronavírus no cotidiano das pessoas que vivem com HIV/aids”. “O imaginário das pessoas em relação ao HIV não avançou, este é o principal problema. Não falamos sobre HIV/aids e sexualidade no nosso dia a dia. São 17 milhões de mulheres que vivem com HIV no mundo”, disse a professora Jenice Pizão, uma das fundadoras do Movimento Nacional da Cidadãs Posithivas.

O ano de 2020, 40 anos após a descoberta do HIV, está sendo atípico porque pessoas com HIV vivem uma pandemia dentro da nova pandemia, a da covid-19. Torna-se fundamental ressignificar a pauta da aids, principalmente porque as populações consideradas mais vulneráveis ao HIV seguem se infectando.

A jornalista e poetisa Marina Vergueiro abriu a conversa dizendo que “precisamos continuar debatendo o tema HIV e aids neste momento, principalmente nós que vivemos com HIV e que temos a imunidade um pouco mais debilitada.”

Do Movimento Paulistano de Luta Contra Aids, Américo Nunes Neto, observou que com a chegada da covid- 19 criou-se de novo o conceito de grupo de risco. “Não podemos ficar nisso. As pessoas correm o risco de achar que não é com elas. Isso não é correto.”

O ator e youtuber Drew Persi também é uma das vozes de discussão nesta manhã. Ele recebeu o diagnóstico positivo para o HIV em 2013 e desde então sentiu vontade de fazer algo para ampliar o acesso as informações corretas sobre HIV/aids. “Recebo mensagens de pessoas que receberam o diagnóstico recente todos os dias. Alguns acham que vão emagrecer porque tem HIV.”

Nesse sentido, Marina comentou sobre o fato de que a aids não tem cara. “Quando eu estava no hospital com pneumonia, mas sem perda de peso, não passou pela cabeça dos profissionais que eu poderia ter aids”, disse ao questionar porque o HIV não teve facilidade de desconstruir a imagem de que ele atinge apenas um grupo de risco.

Jenice Pizão, do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas, respondeu lembrando que 22 mil mulheres de 15 a 24 anos se infectam diariamente no mundo. “Não é um número pequeno e a sociedade precisa parar de ser hipócrita.”

“O imaginário continua fazendo aquele desenho de que a aids não está comigo, o HIV está com o outro. É sempre o outro. Isso porque não se fala sobre aids no dia-a-dia, sobre sexualidade. São temas tabus. A gente não fala na família, na escola, na sociedade. Vira um tema perigoso e as pessoas escondem o diagnóstico. A epidemia de aids faz parte de toda uma geração, temos 17 milhões de mulheres que vivem com HIV no mundo”, disse Jenice.

Américo destacou que aids envolve sentença de morte, estigma, discriminação e lembrou que a doença ficou conhecida como “peste gay”, o que fez com que a aids fosse enxergada através dos grupos de risco. Levar essa discussão é muito importante porque as pessoas que estão fora do que se diz que é o grupo de risco.

 

A pandemia dentro da pandemia

Drew falou sobre como é ser uma pessoa com HIV em meio à pandemia do coronavírus. “Eu escolhi que queria viver, então comecei a tomar algumas decisões. eu cheguei a pensar em abandonar a arte, o teatro. A arte sempre nos salva e sempre vai nos salvar. Hoje os cuidados que eu tomo não são diferentes dos cuidados que qualquer pessoa deveria tomar. A getne teve que reaprender a fazer coisas que sempre deveria ter feito, como lavar as mãos, por exemplo. Eu sempre trabalhei muito em casa, e continuo produzindo em casa. Então acredito que o que mudou é me preocupar mais com meus exames e com a prevenção”

Além disso, Américo pontuou que as medidas adotadas no combate ao coronavírus não são condizentes com a realidade. “Agora, de que adianta voltar do isolamento social, sendo que o transporte coletivo não tem solução. Então algumas normas não estão condizentes com a realidade.”

Ele também reforçou que a população que está na periferia, sem saneamento básico, sem alimentação, que não tem instrução cultural são mais vulneráveis e mais afetadas. “São populações que estão esquecidas.”

Segundo o coordenador do Mopaids, isso acontece porque “a gente não têm uma política de assitência social eficiente. A desigualdade social é muito grande. As primeiras populações afetadas são as papeurizadas. A Covid-19 mostrou pro mundo que o Brasil não tem condições de lidar com pandemias, não tem estratégias eficazes.

Jenice disse que a situação estaria pior se não tivéssemos o SUS. “A gente não tem uma gestão da saúde de qualidade, temos um governante que indica remédios inadequados, que minimiza a pandemia.”

Ela lembrou que a conquista do tratamento gratuito para o HIV é mérito da sociedade civil.  “Não foi o estado que nos deu remédio, foi uma pessoa do nosso movimento social, a Nair Britto, que deu a cara à tapa para mostrar que tínhamos direito ao medicamento. Mas se não tivéssemos um SUS não teríamos estrutura pra isso. Tanto é que depois nos tornamos referência no tratamento contra aids.”

Guerra contra os vírus

“Sempre estivemos em guerra. Guerras políticas, guerra de classe. Estamos no mesmo mar, mas não no mesmo barco”, disse Drew ao falar sobre a luta constante contra os fatores que envolvem a epidemia de HIV no Brasil.

Drew afirma que o HIV passou por mutações desde o início da epidemia, “mas o que não mudou até agora é justamente o estigma e o preconceito. Como o HIV foi mostrado na década de 80 , pra mim, foi a maior fakenews antes da internet. Surgiu um vírus desconhecido e a mídia espalhou a notícia da ‘praga gay’. E mesmo depois de perceber o erro, a mídia não desmentiu. É por isso que a gente arrasta esse estigma.”

Para o artista e youtuber, ainda que venha a cura, não vamos acabar com o HIV. “Temos a cura pra tantas doenças e os vírus continuam circulando, como a sífilis, por exemplo. Mas podemos falar sobre o fim da aids, isso sim. É um absurdo que a gente tenha um número tão grande de pessoas morrendo aids se somos um país referência em tratamento. Essas pessoas estão morrendo porque ainda não conseguimos combater a aids. O foco não pode ser combater o HIV.”

Vacina

Marina questionou os convidados sobre a velocidade da vacina para Covid-19 e a ausência de resultados expressivos para vacinas contra HIV.

Para Américo, a diferença é que coronavírus não está relacionado à sexualidade. Já Jenice, afirma que esse fato também tem ligação com o imaginário de que a aids é um problema apenas dos grupos de risco. Ela lembrou que os medicamentos da aids foram jogados rapidamente para comercialização. “Tanto que os antirretrovirais traziam efeitos colaterais catastróficos. Os grandes laboratórios investiram muito no tratamento. E se chegar alguém com vacina, não sei se os laborários aceitariam bem essa questão.”

Sexualidade na pandemia

“As pessoas não vão deixar de fazer sexo. Há até o fetiche em relação à adrenalina em se colocar em risco, isso não só em relação à Covid-19”, afirmou Drew. “Esse período também é interessante porque trouxe a discussão da PrEP. Porque ela foi muito julgada, mas se você se relacionar com alguém que usa a profilaxia, está com alguém que faz exame a cada três meses”, enfatizou.

Ainda falando sobre prevenção, Jenice lembrou que a pílula anticoncepcional surgiu na década de 60 como uma libertação, mas ninguém pensava nos efeitos colaterais disso. E que 20 anos depois, a mulher poeria se infectar com uma doença sexualmente transmissível. “Por isso, não podemos deixar de falar de PrEP e PEP para todo mundo. Ninguém fala que temos 600% de aumentam de infecções e mulheres acima de 60 anos, precisamos falar sobre isso.”

“Não sei se as mulheres vão aderir a essas formas de prevenção, mas temos que ter o direito ao acesso. É urgente publicizar o acesso à PrEP para todo mundo. Mas também tenho que falar de autocuidado, porque não existe só o HIV”, disse ao lembrar de doenças como a sífilis.

Para finalizar, Américo lembrou que as cicatrizes provocadas pelo estigma mostra que a saúde mental também é fundamental para pessoas que vivem com HIV. “E precisamos saber quais são os impactos da Covid-19 na vida dessas pessoas.”

Por fim, Jenice conclui que “se a gente não tivesse solidariedade, se não tiver um olhar sobre direitos humanos, não seremos capazes de vencer nenhuma pandemia.”

 

 

Confira a programação

9h30 – Impacto do Corona vírus no cotidiano das pessoas que vivem com HIV/Aids

Participação:  Américo Nunes (Mopaids); Drew Persi (ator e criador de conteúdo digital); Jenice Pizão (ativista)

Mediação: Marina Vergueiro (jornalista e poeta)

11h30 – Lições aprendidas com a pandemia da Aids/HIV que podem ser utilizadas na nova pandemia da Covid – 19

Participação:  Veriano Terto (ABIA); Alessandra Nilo (Gestos)

Mediação: João Geraldo Netto (youtuber e estrategista de marketing digital)

14h30- Mobilização da Sociedade Civil e apoio às populações vulneráveis

Participação: Marta McBritton (Barong), Jacqueline Côrtes (Cidadãs Posithivas) e Jean Carlos Dantas (CRT – DST/Aids)

Mediação: Juny Kraiczyk (psicóloga)

16h30- Covid 19 e HIV: Impactos globais e nas gestões públicas

Participação: Ariadne Ribeiro (Unaids), Maria Clara Gianna (CRT/ Aids SP), Adele Benzaken (ex- Depto. Nacional de DST/aids)

Mediação: Fabi Mesquita (jornalista)

 

O webinário faz parte de uma série de ações que a Agência Aids vem realizando em homenagem ao Dia Mundial de Luta Contra Aids. O webinário tem o apoio da DKT do Brasil, da GSK/ViiV, da Gilead, da MSD, do Senac São Paulo e do Fundo Positivo.

Acompanhe as discussões ao vivo pela TV Agência Aids, Facebook e Youtube.

Redação da Agência de Notícias da Aids