Entre bate-boca e protestos, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados adiou pela terceira vez a votação do projeto de lei que visa proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. Após longo atraso, a sessão foi iniciada com sala lotada e forte presença de ativistas pelos direitos LGBTQIA+.

Os membros chegaram ao acordo de realizar uma audiência pública na próxima terça-feira, 26, antes da apreciação do PL. A votação deverá ser feita sem obstruções — ou seja, sem novos requerimentos de retirada ou inclusão de pautas e adiamento de votação — na quarta, 27.

Irritado com os gritos e aplausos, o deputado André Fernandes (PL-CE) disse que o presidente, Fernando Rodolfo (PL/PE), estava “sendo muito bonzinho”, e pediu para ele retirar os ativistas presentes no local com auxílio dos seguranças. Já a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) acusou Fernandes de “apontar o dedo para a cara de uma mulher”, fala acompanhada pelo coro de “machista”.
Rodolfo chegou a pedir para a Polícia Legislativa retirar o movimento civil do local, mas reconsiderou a presença após uma conversa com a ala governista. A sessão ficou parada por cinco minutos devido ao ânimo alterado dos parlamentares.

A sessão também foi interrompida por uma briga por cadeiras: deputados federais da oposição ficaram incomodados com o fato de o deputado distrital Fábio Felix (PSOL-DF) estar sentado. Deputados governistas se contrapuseram argumentado que todos os parlamentares já estavam sentados e uma pessoa da sociedade civil ofereceu seu lugar para Felix.

— Não me importo com lugar, estou aqui para lutar pela minha família porque sou casado com um homem — respondeu o deputado distrital.

Com a Bíblia aberta, o deputado Pastor Sargento Isidório (Avante-BA), a favor do projeto, disse que o casamento homoafetivo não é algo do Brasil, mas da Grécia:
— A gente sabe que Deus criou homem e mulher e abençoou. Todavia, o que estamos vendo no Brasil e com direitos constitucionais, do convívio de homem com homem e mulher com mulher, vem de Grécia, vem de Roma. Não é coisa aqui do Brasil.

O mesmo parlamentar está sendo acusado nas redes de agir de forma transfóbica com a colega de comissão deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que é travesti. Após Hilton referir-se à fala de Isidório como “absurdo”, o deputado repete por diversas vezes “a Bíblia não é absurdo, meu amigo”, a chamando no pronome masculino mesmo após ela e outras parlamentares o corrigirem.

O uso da religião para embasar as falas foi criticado pelo deputado Marx Beltrão (PP-AL). Beltrão reforçou ser de direita e católico atuante, contudo, disse que o debate sobre o projeto não deve ser tratado com argumentos cristãos.

— Vejo deputados usando como pano de fundo religião. Não estamos na igreja, estamos no parlamento brasileiro. Todos são iguais perante o parlamento brasileiro — declarou. E ironizou: — Alguns aqui querem ser leões. Entre quatro paredes, mesmo leões fazem sussurros de gatinhos.

Mais de duas horas de atraso
A sessão, prevista para as 12h desta terça-feira, foi iniciada com mais de duas horas de atraso devido à demora do presidente e outros membros. Enquanto aguardavam, pessoas presentes na sala pediram o cancelamento da sessão e protestaram contra o projeto ecoando gritos como “nenhum passo atrás” e “pelo direito de amar quem eu quiser”. Com maioria conservadora, a expectativa é que a comissão aprove o texto de relatoria do deputado Pastor Eurico (PL-PE).

Parlamentares governistas pediram vista para maior ampliação do debate e realização de audiência pública antes da votação do texto. Ela foi adiada nas últimas duas reuniões, em 5 e 13 de setembro, pelo mesmo motivo. O presidente da comissão propôs que a audiência seja realizada nesta quarta, 20, com votação em sequência, mas deputados solicitam mais tempo para organização e convite à sociedade civil.

— Qualquer proposição tem que partir do pressuposto de trazermos audiência que traga discussão com profundidade — defendeu a deputada Erika Kokay (PT-DF).

O texto vai na direção contrária ao projeto original, do ex-deputado Clodovil Hernandez (PTC-SP), que regulamenta o casamento homoafetivo. Ele ainda deve ser analisado nas Comissões dos Direitos Humanos e da Constituição e Justiça para chegar ao plenário da Casa. A expectativa da ala governista é que o projeto não seja pautado nas comissões.

O casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil é permitido desde 2011 por um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao justificar seu relatório, Eurico considerou que o STF “usurpou a competência do Congresso Nacional, exercendo atividade legiferante incompatível com suas funções típicas”. O deputado do PL disse ainda que “a decisão pautou-se em propósitos ideológicos”.
A iniciativa tem sido duramente criticada.

Para virar lei, o texto teria que passar por outras comissões e também pelos plenários de Câmara e Senado. Hoje, as chances de o Congresso levar adiante o tema são remotas.
Mesmo que assim fosse, a legislação poderia ainda ser barrada pelo STF, já que a Corte se pronunciou sobre o tema ao tratar de questão constitucional. O projeto de lei não altera a Carta Magna.

Fonte: O Globo