Neste sábado, 29 de janeiro, é comemorado o Dia Nacional da Visibilidade de Travestis e Transexuais, instituído a partir de 2004, tendo como marco a data em que pessoas trans e travestis foram a Brasília pela primeira vez, em ato organizado para lançar a campanha Travesti e Respeito, no Congresso Nacional.

A data simboliza a luta de travestis e de transexuais por direitos e pelo reconhecimento de suas pautas e de suas identidades. É também um momento de reafirmar e somar forças para o combate cotidiano à transfobia (aversão ou discriminação contra a população trans), realidade cruel que muitas vezes afasta pessoas trans do ambiente educacional ou de trabalho, atentando contra o próprio direito à vida.

O Brasil é o país que mais mata trans no mundo. Só em 2020, foram registrados 175 assassinatos. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de 35 anos, número que representa menos da metade da expectativa de vida média da população brasileira, que é de 76 anos. 

Em homenagem ao dia, a Agência Aids publica a partir de hoje uma série de reportagens para marcar a data e para visibilizar essa população tão discriminada e marginalizada.  Conheça a história da ANTRA, organização pioneira na luta pelos direitos dos travestis e transexuais.

CONHEÇA A ANTRA

Jovanna Baby em 2021

A origem da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) tem o seu ponto de partida em 1992, com a fundação da Associação de Travestis e Liberados – ASTRAL, de alcance estadual. “Convocamos toda a mídia televisiva, escrita e falada. Nascia ali a primeira associação de travestis do Brasil e da América Latina, na cidade do Rio de Janeiro, e assim fui a precursora do movimento social organizado de travestis. Tudo graças à insatisfação de apenas sete pessoas”, conta Jovanna Cardoso da Silva, ou Jovanna Baby, mulher negra e travesti liderou os primeiros movimentos transexuais no Brasil e hoje representa o Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros. Além dela, faziam parte desse grupo Elza Lobão, Beatriz Senagal, Raquel Barbosa, Munique do Bovouir, Josi Silva e Cláudia Pierry.

Segundo Keila Simpson, atual presidenta da ANTRA, a partir daí “já se imaginava a estratégia de atuar mais ativamente no cenário nacional. Como as fontes e recursos eram parcos e de difícil acesso para a maioria das ONG existentes no Brasil naquele período – e também pela crescente onda de violências e falta de acesso aos serviços de saúde – foi lançada a ideia de realizar um encontro nacional que fosse facilitar a organização e a articulação de travestis que estavam pelo Brasil afora, na sua grande maioria, atuando nas organizações mistas de gays e lésbicas. Nesse período, não se falava em transexuais ainda. Existiam, é claro, mas não tinham essa visibilidade.”

Esse primeiro encontro – o I Encontro Nacional de Travestis e Liberados que Atuam na Prevenção da Aids  (ENTLAIDS) – foi organizado pelo grupo ASTRAL e realizado também no Rio de Janeiro, em 1993. Inicialmente planejado como estadual, acabou sendo considerado nacional, por ter conseguido trazer ativistas de todo país, que se tornaram lideranças importantes em outros estados. O evento também atraiu aliados, que eram chamados de “liberados” na época.  O encontro objetivou mapear e empoderar essas ativistas para atuar nas questões de segurança pública e saúde.

Nos anos 90, todas as ações em saúde para essa população ainda eram vistas somente a partir da perspectiva da pandemia de aids. Então, quase a totalidade das ações eram desenvolvidas pelos programas existentes nos estados e municípios, que não eram muitos, então.

O encontro torna-se anual e a segunda edição acontece no ano seguinte em Vitória, no Espírito Santo, para dar o caráter nacional que se desejava. 

4º ENTLAIDS – RIO DE JANEIRO – 1996

De volta ao Rio de Janeiro em 1995, o ENTLAIDS é considerado um marco histórico, por ser o primeiro apoiado pelo Governo Federal, por meio do recém-criado Departamento Nacional de DST/Aids, idealizado e coordenado pela Dra. Lair Guerra, na ocasião. O tema foi “Cidadania não tem roupa certa” e reuniu 250 travestis de todo o Brasil no Hotel Guanabara, na Candelária, centro do Rio. Foi nessa edição que surgiu o debate de que era necessária a criação de uma rede que aglutinasse e encaminhasse as demandas, inquietações e propostas da população de travestis e transexuais brasileiras, que se mantivesse articulada o tempo todo e não apenas anualmente durante o encontro. 

Jovanna Baby nos anos 90

Surgia a RENTRAL – Rede Nacional de Travestis e Liberados, que posteriormente virou RENATA – Rede Nacional de Travestis – e, logo depois, no ano de 1997, virou ANTRA – Articulação Nacional de Travestis. Até então, essas instituições que atuavam no seio do movimento não tinham conseguido se registrar como personalidade jurídica. Jovanna Baby coordenou a RENTRAL/RENATA de presidiu a ANTRA de 1998 a 2000 e novamente de 2009 a 2001. 

Um episódio que ganhou notoriedade nacional foi quando a então presidente Jovanna Baby conclamou todas as travestis brasileiras a rasgarem seus títulos de eleitores em sinal de protesto ao descaso a que eram relegadas, dizendo: Se somos reconhecidas como cidadãs apenas em épocas de eleição, não queremos! Vamos rasgar o que nos dá essa única oportunidade, pois queremos ser cidadãs todos os dias! “

Em 2000, a ANTRA passa a ter personalidade jurídica com o nome de Associação Nacional de Travestis e Transexuais. 

Keila Simpson, atual presidenta da ANTRA

“E até hoje a gente continua atuando nesses 22 anos sob a égide da ANTRA, atuando no Brasil, fora do Brasil, articulando e buscando cidadania para essa população, que tem se fortalecido muito nos últimos anos com o advento do 29 de janeiro, Dia Nacional da Visibilidade Trans, que fomos nós que pautamos, nós que iniciamos. Foi a ANTRA que deu o pontapé inicial para que essa data se concretizasse e que a gente comemora no Brasil desde 2005, essa visibilidade que a gente precisa todos os dias do ano e não só no dia 29 de janeiro”, ressalta Keila.

 

Com quase duzentos organizações associadas – A ANTRA, como rede nacional, não tem um projeto específico. “Ela atua muito mais fazendo advocacy e fazendo ações que vão reverberar em suas afiliadas. A ANTRA não disputa projetos políticos, institucionais, ela busca apoios, especialmente financeiros, para que as associações que fazem parte dela possam ter esse apoio. Nesses anos de pandemia, a gente focou muito na busca da segurança alimentar da nossa comunidade. A gente orientou, quase como uma diretriz nacional, que as organizações fizessem campanhas para conseguir alimentos para a população em situação de vulnerabilidade.”

A ANTRA lança também todo ano o Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais, elaborado por Bruna Benevides, secretária de articulação política da Associação. O dossiê é uma pesquisa sobre a violência e o assassinato contra travestis, mulheres e homens trans, pessoas transmasculinas e demais pessoas trans brasileiras. Os dados apresentados nessa pesquisa, além de denunciarem a violência, explicitam a necessidade de políticas públicas focadas na redução de homicídios contra pessoas trans, traçando um perfil sobre quem seriam estas pessoas que estão sendo assassinadas a partir dos marcadores de idade, classe e contexto social, raça, gênero, métodos utilizados, além de outros fatores que colocam essa população como o principal grupo vitimado pelas mortes violentas intencionais no Brasil. 

“A ANTRA nunca se desligou de uma de suas principais bandeiras que é a luta contra o HIV/aids. Nós temos uma população muito vitimada por esse vírus por diversas razões. Embora muitas pessoas naturalizem a infecção pelo HIV, nós ainda consideramos uma doença muito séria, que é preciso ter cuidado, ter muitas estratégias de prevenção e indicar caminhos para facilitar o acesso ao tratamento para manter a qualidade de vida das pessoas que se infectaram. A nossa formação política vem muito desse sentido e a gente nunca desgrudou dessa pauta.”

 

Mauricio Barreira

 

Dica de Entrevista

 

Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA)

Presidenta: Keila Simpson

E-mail: presidencia.antra@gmail.com

 

FONATRANS – Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros

Presidente: Jovanna Cardoso da Silva

E-mail: jovannababy1@hotmail.com