Varíola dos Macacos: pacientes publicam relatos e mostram lesões em redes sociais

Quando o ator americano, Matt Ford, testou positivo para varíola em junho, ele postou vídeos no Twitter e no TikTok para mostrar como era. Olhando diretamente para a câmera, ele mostrou aos internautas as marcas por todo o corpo, incluindo rosto, braços e barriga. Ele também falou sobre algumas nas “áreas mais sensíveis, que também tendem a ser as mais dolorosas”.

“É tão doloroso, tive que ir ao meu médico e tomar analgésicos apenas para poder dormir”, acrescentou, antes de listar outros sintomas, como dor de garganta, tosse, febre, calafrios, suores noturnos e linfonodos inchados.

Em uma época em que as pessoas costumam usar as redes sociais para exibir versões idealizadas de si mesmas, exibir erupções cutâneas — ou, no caso de Ford, várias das “mais de 25” feridas escuras em seu corpo — talvez fosse incomum.

“A razão pela qual estou falando, é principalmente porque uma coisa é saber que há um surto de varíola, outra é saber o que isso significa se acontece com um amigo ou com você”, disse.

Silver Steele, 42, é ator de filmes adultos nos Estados Unidos e usou o Twitter para compartilhar um diário altamente gráfico e pessoal sobre a monkeypox.

Também em julho, a caixa de um posto de gasolina, Camille Seaton, 20, acumulou mais de 10 milhões de visualizações em uma série de postagens no TikTok que detalhavam sua luta contra a doença. Uma delas começou com a jovem cobrindo a boca com a mão enquanto dizia: “Aviso de gatilho”. Em seguida, ela revelou a parte inferior do rosto com quase uma dúzia de feridas.

Os seguidores responderam ao vídeo com emojis de coração e agradecimentos, mas as reações nem sempre foram simpáticas. As teorias da conspiração são muitas.

O diretor de elenco Jeffrey Todd, de 44 anos, veio a público com seu diagnóstico de varíola dos macacos, que incluía também um vídeo, no qual ele removeu um curativo do rosto para revelar uma lesão arroxeada. Um internauta o acusou de ser um ator contratado pela Pfizer (que não oferece tratamento contra a doença). Seu vídeo foi retirado momentaneamente do ar pelo TikTok, mas foi restaurado.

De certa forma, esses vídeos lembram os primeiros dias da Aids, quando personalidades se juntaram ao ativista Larry Kramer e ao artista Keith Haring, como porta-vozes daqueles que viviam com o HIV. Mas a capacidade de chamar a atenção para o vírus e trazer humanidade para a doença era limitada por um clima em que a oposição aberta à homossexualidade era mais tolerada do que é agora, e poucas plataformas existiam além da grande mídia.

A velocidade com que as pessoas com varíola dos macacos saíram das sombras é familiar. De fato, como os ativistas da aids antes, muitos dos pacientes hoje dizem que vão a público para aumentar a conscientização e protestar contra a resposta lenta do governo americano.

“Quarenta anos atrás, tivemos um vírus e as pessoas ficaram em silêncio e com medo”, diz Steele “Desta vez, felizmente, não é fatal, mas me recuso a ficar em silêncio. Eu tenho raiva. Sinto que o governo Joe Biden se arrastou.”

A vacinação nos EUA demorou em parte porque o governo esperou semanas para encomendar remessas, da fabricante Bavarian Nordic, da Dinamarca. Algumas venceram. Em 4 de agosto, quase dois meses após o surgimento de casos em Nova York e Massachusetts, o governo americano declarou a varíola dos macacos uma emergência de saúde pública. Isso aconteceu quase duas semanas depois que a Organização Mundial da Saúde fez uma declaração semelhante. No Brasil, ainda não existe previsão de iniciar a vacinação.

“Por que demorou tanto para declarar emergência?”, cobrou Steele. “Poderíamos ter desviado fundos para acelerar a produção e distribuição de vacinas, e não posso deixar de ver paralelos entre a aids e a monkeypox. Os gays são os principais afetados, o mundo arrasta os pés, e então duas crianças pegam e de repente é uma crise. Por que não foi uma crise quando os gays tiveram?”

Todd disse que também se sentiu motivado pelo que ele entende ser a inação do governo. Quando ele se tornou sintomático em julho, foi ao pronto-socorro para fazer o teste. Seis dias depois, ainda estava sem diagnóstico e, após repetidas ligações, foi informado de que o laboratório havia descartado sua amostra de sangue porque foi manuseada incorretamente.

“Senti que a comunidade médica realmente me deixou de fora”, disse.

Sem preconceito

Outras pessoas também querem desfazer o preconceito e a vergonha em torno da doença.

“Quero acabar com o estigma”, diz Maxim Sapozhnikov, de 40 anos, executivo da Fashion to Max, uma empresa de serviços criativos em Milão, que começou a documentar sua jornada de varíola dos macacos no Instagram.

Mas isso não tornou mais fácil para ele dizer à sua família que havia contraído a varíola dos macacos. “Não contei nada a eles até melhorar”, disse Sapozhnikov.

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Seaton, que em julho foi uma das primeiras mulheres na Geórgia a testar positivo para varíola, queria acabar com a ideia de que as mulheres são imunes.

“Sim, são principalmente os homens que têm, mas o contato sexual entre homens não é a única maneira de pegar”, alertou ela, que continua postando vídeos para conscientização.

Incapaz de trabalhar por quase um mês, ela abriu uma conta no GoFunMe, que arrecadou US$ 17 mil, que permitiu que ela pagasse o aluguel e contas médicas, embora muitas delas sejam reembolsadas por seu seguro. “O apoio que recebi supera as ruínas que estão chegando”, disse ela.

Ainda assim, alguns de seus seguidores especularam, sem provas, que a varíola dos macacos é uma farsa ou que ela contraiu a doença porque é transgênero — Seaton não é transgênero; ela apenas tem cabelo curto. Em resposta, ela postou um vídeo de 2019 após o parto em um hospital. “Seja real”, disse ela, enquanto o vídeo voltava para ela nos dias atuais, de pé em sua sala de estar: “Essa é minha filha.”

Hoje, ela continua postando vídeos alertando que se espalhará sem mais testes de vírus e educação. Há evidências de que ela pode estar certa.

Nancy Nydam, diretora de comunicação do Departamento de Saúde Pública da Geórgia, disse que, embora 98% dos 54 casos da semana passada no estado são homens, as seis mulheres que positivaram fizeram o teste nas últimas semanas. “Está vindo em um ritmo muito mais regular”, disse Nydam.

Fonte: O Globo