Trinta e cinco anos depois, o acesso universal à saúde previsto na Constituição de 1988 ainda está distante da realidade em muitos lugares do nosso país.

Uma distância ainda maior se pensarmos no conceito de equidade em saúde, o que significa não apenas garantir o acesso, mas assegurar a todos a mesma qualidade dos cuidados.

Evidentemente, os recursos orçamentários são limitados, as imensas disparidades socioeconômicas do Brasil não desaparecerão num passe de mágica, as estruturas assistenciais não surgirão do dia para a noite nos locais onde inexistem, nem mudará com a urgência necessária o cenário de concentração de médicos no Sul/Sudeste, para citar apenas alguns dos gigantescos desafios.

São abismos sobre os quais temos de construir pontes que nos levem à equidade em saúde —e muitas delas podem ser edificadas com a aplicação de boas doses de tecnologia digital. Algumas, aliás, já estão sendo.

Um dos recursos mais óbvios é a telemedicina, que vai muito além da explosão dos serviços de teleconsultas a partir da pandemia, ampliando o acesso e derrubando barreiras geográficas.

O tele na saúde é capaz, por exemplo, de ‘levar’ médicos especialistas daquele grupo concentrado no Sudeste aos mais distantes rincões deste país.

Você já imaginou um cardiologista ou um neurologista do Einstein que, sem sair de São Paulo, participa do atendimento de um paciente em Almeirim, um pequeno município às margens do rio Amazonas?

Isso vem acontecendo desde 2020 com o TeleAMES*, implantado em mais de 280 unidades públicas de municípios do Norte onde não existem especialistas. Até então, a consulta com um deles tinha de ser buscada em centros maiores, às vezes exigindo meses de espera, além de horas de viagem de barco até o destino.

No TeleAMES, médicos do Einstein de sete diferentes especialidades participam remotamente das consultas, apoiando o médico local da atenção primária que acompanha o paciente e isso ocorre também na região Centro-oeste, a partir de 2022.

Esse projeto tem feito com que apenas 2% precisem ser encaminhados para um serviço de maior complexidade. Desde o início de 2020, já foram mais de 70 mil pacientes atendidos e mais de 115 mil teleinterconsultas realizadas.

Big data, algoritmos, inteligência artificial, analytics são outros trunfos construtores de equidade.

Múltiplas soluções podem nascer se soubermos construir bancos de dados ou usar os já existentes para extrair deles inteligência.

No primeiro caso, temos como exemplo um projeto focado nas infecções por superbactérias em UTIs* (locais onde os microrganismos multirresistentes costumam surgir por causa da maior necessidade de uso de antibióticos no tratamento de pacientes críticos).

Trata-se de uma plataforma colaborativa que colhe dados dessas ocorrências em 50 UTIs de hospitais públicos. Com recursos de bigdata e analytics é possível avaliar aspectos associados a infecções e estudar soluções, como formas mais eficazes de higienização dos ambientes de UTI ou alternativas para o uso racional e com segurança de antibióticos.

Dados existentes são outra fonte que pode fazer jorrar mais equidade com o uso da tecnologia. Um projeto estruturado pelo Einstein com participação e patrocínio da AWS (Amazon Web Services) vai cruzar dados do DataSUS sobre a história clínica de pacientes com suas informações socioeconômicas para, com a ajuda de inteligência artificial, analisar a influência de determinantes sociais no tratamento de pessoas com diabetes tipo 2, um mal que atinge cerca de 9% da nossa população.

Isso permitirá identificar oportunidades para aprimorar políticas públicas relacionadas à assistência desses pacientes no SUS, incluindo mecanismos de prevenção e tratamento, orientação nutricional e acesso aos medicamentos adequados.

Assim, o projeto mira três frentes de promoção da equidade: aumentar o acesso a serviços de saúde, reduzir disparidades tratando dos determinantes sociais de saúde e utilizar dados para promover sistemas de atendimento igualitários e inclusivos.

Esses projetos são apenas alguns exemplos do que tem sido feito e servem também para dar uma ideia do que ainda pode ser realizado.

A tecnologia impulsionou o desenvolvimento de melhorias para as nossas vidas em setores como varejo, bancário, entretenimento, educação, cultura, mobilidade etc. —em muitos deles promovendo paralelamente a ampliação de acesso e inclusão. A saúde ainda tem muito a aproveitar.

É verdade que a equidade em saúde não virá apenas das ferramentas digitais. Mas também é verdade que sem elas andaremos pouco e a passos de tartaruga, com o risco de vermos se avolumarem as carências e desigualdades.

Tecnologias digitais têm um papel importantíssimo para a construção de pontes sobre os abismos da saúde. Têm o poder de nos ajudar a chegar mais rápido ao sistema de saúde que abre suas portas e cuida de todos com padrões de qualidade da maneira mais igualitária possível.

*Projetos realizados em parceria com o Ministério da Saúde no âmbito do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS). Participam do Proadi-SUS seis hospitais classificados como de excelência, o Einstein entre eles.

Fonte: Viva Bem UOL