Enfim, 2022, o ano que parecia que não teria fim, chegou à sua última semana. Assim como em todos os encerramentos de ciclos, o mundo todo nesse momento involuntariamente inicia o exercício de avaliar o que passou e planejar o que se inicia.

Foi nesse clima que, com uma pergunta simples no meio de uma consulta, um paciente me deixou pensativo durante todo o resto da semana:

“Rico, o que devemos esperar do mundo da infectologia em 2023?”

A pergunta esperava na verdade uma espécie de adivinhação sobre uma eventual nova pandemia viral no próximo ano, tal como a covid-19 e o monkeypox. No entanto, como não trabalho com previsões, mas com ciência, me pus a refletir sobre aquilo que já foi comprovado em estudos científicos para a prevenção e o tratamento do HIV e outras ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), mas que ainda não foi implementado no Brasil. Afinal, isso sim deveria ser algo para se esperar do próximo ano.

Em pouco tempo consegui fazer uma lista interessante, que resolvi compartilhar aqui.

Medicamentos antirretrovirais de longa duração

Desde que começaram a ser desenvolvidos, na década de 1980, os antirretrovirais melhoraram e muito. Se naquela época, usar esses medicamentos era uma tarefa difícil devido aos muitos comprimidos tomados por dia e aos efeitos colaterais que beiravam o insuportável, hoje o cenário é outro.

Com os antirretrovirais atuais, efeitos colaterais acontecem em uma pequena parcela dos seus usuários e o número de comprimidos se reduziu para poucos por dia.

Nos últimos anos, uma série de ensaios clínicos com medicamentos antirretrovirais injetáveis de longa duração mostrou que esquemas que não utilizam a tomada de nenhum comprimido são bastante eficazes e seguros tanto no tratamento de pessoas que vivem com HIV/Aids, como para prevenção na forma de PrEP (Profilaxia Pré-Exposição).

No resto do mundo, diversos países já aprovaram e recomendam o uso do tratamento e da PrEP com injeções aplicadas a cada 2 meses, mas por aqui ainda aguardamos a aprovação desses medicamentos pelas instâncias regulatórias.

Tanto o tratamento antirretroviral quanto a PrEP injetável de longa duração poderão ajudar de maneira significativa as pessoas que têm dificuldades para manter a boa adesão aos comprimidos diários.

Vacina contra monkeypox

Em maio de 2022, fomos surpreendidos com um surto mundial de monkeypox vírus (ou varíola dos macacos) que, até então, acometia apenas indivíduos que tinham contato com roedores infectados na África Central. No surto atual, esse vírus rapidamente se disseminou por todos os continentes por meio de transmissão predominantemente sexual.

Com baixa letalidade, os casos são quase sempre autolimitados, podendo causar em uma parte dos infectados quadros clínicos mais graves, com dor, sangramento e acometimento ocular. A imunização com a vacina para a varíola humana (smallpox vírus), que faz parte do mesmo gênero viral, se mostrou em estudos eficaz na proteção contra as formas graves da doença causada pelo monkeypox, nos lugares em que foi implementada.

No Brasil, o surto de monkeypox já causou pouco mais de 10 mil casos e a triste marca de 14 óbitos, sendo a maioria deles entre pessoas com HIV/Aids.

Ainda que estejamos num momento de queda consistente da incidência da doença, uma média móvel de pouco mais de uma dezena de casos ainda têm sido registrados diariamente no país. Apesar disso, até o momento não vimos na prática nenhum plano nacional de imunização contra monkeypox.

Comprimido único diário para o tratamento do HIV/Aids

O tratamento antirretroviral das pessoas que vivem com HIV revolucionou a história dessa epidemia e permitiu que um indivíduo infectado com HIV pudesse viver uma vida saudável. Todo esse benefício, no entanto, só pode ser alcançado se houver boa adesão aos comprimidos prescritos ao longo de toda a vida.

Nesse sentido, diversas técnicas foram testadas para tentar facilitar a adesão ao tratamento e uma das que teve maior impacto positivo na adesão foi a combinação de todos os antirretrovirais do esquema em um único comprimido diário.

No Brasil, a maior parte das pessoas que vivem com HIV/Aids está neste momento tomando esquemas que utilizam 2 ou 3 comprimidos tomados diariamente. Enquanto isso, em diversas partes do mundo, os mesmos esquemas já são administrados em comprimidos únicos.

Se o Brasil deseja em 2023 voltar a ser uma referência mundial no enfrentamento do HIV e de outras ISTs, esses são apenas alguns dos pontos em que ficamos para trás nos últimos anos.

O caminho para atingir um controle real dessas epidemias é longo e trabalhoso, mas temos a certeza científica de que ele vai funcionar. Antes de temer futuras pandemias que poderão surgir, temos primeiro que abordar com seriedade e profissionalismo as que já estão entre nós.

Que 2023 seja lembrado como o ano da virada, que colocou o Brasil de novo como protagonista de destaque no controle do HIV/Aids e das outras ISTs.