Dois imunizantes na fase final dos estudos se mostraram ineficazes; todas as outras doses estão em estágios iniciais de pesquisa

Uma vacina que era considerada a última esperança para um imunizante capaz de prevenir a infecção pelo HIV ainda nesta década se mostrou ineficaz na última etapa dos testes clínicos – que foram encerrados um ano antes do previsto. Com isso, não há, no momento, outras aplicações na fase 3 dos ensaios clínicos, a última antes de uma aprovação para uso.

O estudo, chamado PrEPVacc, testava duas formulações de vacinas e estava em andamento em três países africanos, Uganda, Tanzânia e África do Sul. Participavam cerca de 1,5 mil voluntários, de 18 a 40 anos, que foram recrutados entre dezembro de 2020 e março deste ano.

O encerramento imediato, que inicialmente estava previsto para 2024, foi orientado após uma análise dos dados coletados até outubro deste ano. Embora os pesquisadores não tenham encontrado problemas relacionados à segurança das doses, não houve indicação de que elas estavam barrando o vírus.

“As vacinações dos participantes do ensaio PrEPVacc foram interrompidas porque uma análise dos dados recolhidos até agora pelo nosso Comitê Independente de Monitorização de Dados os levou a concluir que há pouca ou nenhuma hipótese de demonstrar que as vacinas que estamos testando estão reduzindo o risco de contrair o HIV”, diz em comunicado o diretor dos testes, Eugene Ruzagira, pesquisador do Instituto de Pesquisa de Vírus de Uganda (UVRI).

A decisão foi comunicada em nota pela organização do estudo e anunciada na Conferência Internacional sobre Aids e IST na África (ICASA 2023), que é realizada em Harare, capital do Zimbabwe, nesta semana. Os resultados completos sobre os testes serão publicados no ano que vem.

As duas vacinas, chamadas AIDSVAX e CN54gp140, eram feitas à base de proteína. Nesse caso, pesquisadores selecionam uma partícula do vírus que, em tese, é suficiente para induzir uma resposta imune contra ele inteiro. As formulações envolviam ainda pedaços do DNA do HIV para aumentar esse potencial.

A CN54gp140 tinha o diferencial de contar ainda com um MVA (um vírus da varíola enfraquecido) na composição para auxiliar no processo de despertar o sistema imunológico. Ambas as aplicações, porém, não eram novas. Elas estavam em desenvolvimento há mais de duas décadas e, por isso, cientistas já estavam reticentes sobre a eficácia, já que vacinas semelhantes também falharam.

“Fazemos ensaios clínicos porque não sabemos as respostas às perguntas. Era importante descobrir se os regimes de vacinas combinadas na PrEPVacc, desenvolvidos ao longo de 20 anos, deveriam ser excluídos ou desenvolvidos para prevenir o HIV. Enquanto aguardamos os resultados finais e a análise de produtos individuais, acredito que o nosso resultado provisório já deixa esta geração de supostas vacinas contra o HIV de lado”, diz Jonathan Weber, professor do Imperial College London, no Reino Unido.

Por que uma vacina contra o HIV é tão difícil?

Foi Weber que, em agosto, disse que o estudo era “the last roll of the dice” (expressão em inglês que se refere a algo como “a última chance”) de conseguir uma vacina eficaz contra o HIV ainda nesta década. Isso porque todas as outras doses avançadas falharam, e os demais imunizantes em testes ainda estão longe do final dos ensaios clínicos.

“O desenvolvimento de uma vacina que previna o HIV é um objetivo fundamental para África. É um objetivo que deve ter ainda maior urgência agora que nenhuma vacina contra o HIV está sendo testada em relação à eficácia em qualquer parte do mundo”, diz o pesquisador-chefe da PrEPVacc, professor Pontiano Kaleebu, também do UVRI.

Nos últimos quatro anos, três vacinas que estavam na terceira das três etapas dos ensaios clínicos se mostraram ineficazes: Huambo (em 2020); Imbokodo (em 2021) e, mais recentemente, a Mosaico, no ano passado. A última, desenvolvida pela farmacêutica Janssen, era uma aposta alta, mas não demonstrou proteção contra o vírus.

Até hoje, apenas um imunizante indicou alguma eficácia para barrar a infecção pelo HIV, o RV144, testado na Tailândia entre 2003 e 2006. A redução, porém, foi de apenas 31,5% nos casos, segundo um relatório preliminar, abaixo dos 50% necessários para a aprovação de uma vacina. Além disso, os dados são questionados pela comunidade científica, e o mesmo imunizante falhou em testes anteriores.

Uma das principais dificuldades para conseguir uma dose que impeça a contaminação pelo vírus é a grande diversidade genética do patógeno. Como ele tem uma mutação muito acelerada, a resposta imune precisa ser muito ampla para conseguir barrar todas as versões que surgem do HIV.

Além disso, em entrevista ao GLOBO, o professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Jorge Andrade Pinto, que participou dos testes da vacina Mosaico, explica que o vírus tem uma capacidade de se alojar em células para escapar do sistema imune, o que também dificulta o desenvolvimento de uma vacina, assim como de um tratamento que leve o paciente à cura.

Para Kaleebu, é precido “olhar para uma nova geração de abordagens e tecnologias de vacinas para nos levar novamente em frente.” Ele destaca que há vacinas em estágios iniciais de estudos, como a da farmacêutica americana Moderna, que no momento conduz a fase 1 dos testes de um imunizante de RNA mensageiro, mesma plataforma utilizada na vacina contra a Covid-19 e que ganhou o Prêmio Nobel deste ano.

Mas, ele defende uma “maior urgência” agora que todas as doses mais avançadas falharam para que essas vacinas avancem no desenvolvimento. Ainda assim, Ruzagira, diretor do PrEPVacc é otimista:

“Os obstáculos científicos são elevados, mas tenho igualmente grandes esperanças de que um dia seja desenvolvida uma vacina contra o HIV. Todos os dias, em todo o mundo, pesquisas importantes como a PrEPVacc estão nos fazendo avançar, e os participantes estão dispostos a avançar connosco e a fazer a diferença na saúde das suas comunidades.”

Fonte: O Globo