Responsável por vídeos da turnê, ucraniano Sasha Kasiuha afirma que equipe da cantora está trabalhando em adaptações para a apresentação em Copacabana

O ucraniano radicado nos Estados Unidos Sasha Kasiuha, 29, ainda não sabe se poderá estar no Brasil em 4 de maio, quando Madonna fará o último show da sua mais recente turnê, a Celebration Tour, na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Mas uma coisa é certa. Mesmo que a distância, ele vai acompanhar a performance da cantora.

Sasha é o responsável por cuidar de todos os efeitos visuais e vídeos da série de apresentações, que comemora os 40 anos de carreira da artista.

De Nova York, onde conversou com a coluna por Zoom, ele diz que é “angustiante” saber que se trata do derradeiro show. Por outro lado, afirma que tem sido “emocionante” observar como seus amigos brasileiros estão animados com o evento.

Espécie de diretor de conteúdo da turnê, Sasha começou a trabalhar no projeto há cerca de um ano. Ele já tinha atuado em outras produções de Madonna, como no documentário “Madame X”, ao lado do diretor português Nuno Xico, que mostra os bastidores da criação do álbum de mesmo nome da artista, lançado em 2019.

“Trabalhar ao lado dela é nada menos que inspirador. Ela traz uma criatividade e dedicação infinitas para cada projeto”, afirma.

Na Celebration Tour, Sasha diz que, embora as pessoas não percebam, há muita tecnologia empregada —inclusive novas ferramentas de inteligência artificial. O objetivo, segundo ele, é garantir que o público tenha uma experiência imersiva, única e “memorável”.

Para o show brasileiro, ele adianta que são preparadas novidades e adaptações. A performance na praia de Copacabana será, de fato, uma produção maior do que a apresentada em outros locais por onde a turnê passou, o que vai exigir, segundo ele, “ajustes significativos para acomodar os telões adicionais e as especificidades do local”.

Além de mudanças técnicas, há outras que são planejadas especialmente para o público brasileiro. Um exemplo se refere a um dos pontos emocionantes do show, quando Madonna faz uma homenagem às vítimas da Aids.

Enquanto ela canta “Live to Tell”, uma mosaico de fotos exibe imagens de homens e mulheres que morreram por causa da doença. Sasha e a equipe da turnê querem que rostos de brasileiros sejam incluídos no tributo —o grupo está trabalhando para conseguir que essa ideia se concretize.

Sasha cita como exemplo de um possível homenageado o cantor Cazuza, mas afirma que a proposta é também incluir pessoas anônimas.

“Eu sei que a maioria das pessoas realmente presta atenção às figuras famosas que foram levadas pela doença. Mas acho que é realmente importante para nós enfatizar que a epidemia não estava afetando apenas as celebridades, os atores, pintores e músicos, mas também muitas pessoas comuns, amigos dos amigos e famílias.”

O projeto tem como base o perfil do Instagram @TheAidsMemorial, uma espécie de memorial criado por um homem na Escócia que se dedica a relembrar e contar histórias de pessoas vitimadas pela enfermidade.

Sasha trabalha em conjunto com o fundador da página —que prefere ser identificado apenas como Stuart— na seleção dos brasileiros que poderão ser homenageados, “garantindo que suas trajetórias sejam lembradas e celebradas como parte da narrativa do show”.

No auge da crise da doença, nos anos 1980 e 1990, Madonna se posicionava ao lado das vítimas, visitando hospitais e contribuindo para minimizar o forte preconceito que rondava os infectados pelo vírus HIV. No show, a primeira foto a aparecer é a do artista Martin Burgoyne, que foi um amigo muito próximo da cantora e que morreu aos 23 anos de complicações da doença, em 1986.

Essa parte da apresentação, diz Sasha, foi constantemente atualizada porque muitas pessoas pediam para incluir fotos de parentes ou amigos. Ao todo, segundo ele, são mais de 300 rostos de pessoas reais exibidas durante a performance.

Outro destaque do trabalho de Sasha é a aplicação de inteligência artificial (IA) para a criação das imagens que acompanham as apresentações de duas músicas: “La Isla Bonita” e “Take a Bow”.

Ele e sua equipe foram pioneiros ao empregar a IA generativa na criação de vídeos a partir de um texto. Em linhas gerais, a ferramenta funciona assim: escreve-se o que se deseja —nascer do sol surreal em uma praia, por exemplo—, e a tecnologia cria instantaneamente um vídeo.

No caso de “La Isla Bonita”, música lançada pela cantora nos anos 1980, a primeira tentativa deles foi feita com um programa de computação gráfica tradicional. O resultado, porém, não agradou Madonna nem o grupo. “Não ficamos muito felizes e tentamos adotar uma abordagem mais criativa e diferente e usar IA”.

A estratégia deu certo. Quem vai ao show pode até não perceber, mas as imagens abstratas de nuvens sob o efeito do pôr do sol que aparecem ao fundo do telão quando a artista entoa os versos da letra não foram filmadas em um lugar real. Foi a IA que conseguiu criar esse visual abstrato e “quase mágico”, na definição de Sasha.

Ao contrário do que pode parecer, a tecnologia não facilitou o trabalho dele e do grupo. Pelo contrário. Eles fizeram mais de 700 vídeos até escolherem o ideal. “Mesmo com a IA, ainda há muito trabalho para editar e garantir que as imagens funcionem dentro de toda a estrutura e concepção do show”, afirma.

Outro desafio, diz ele, é saber quando parar de testar as infinitas possibilidades de vídeos que podem ser gerados pela IA. “Caso contrário, você pode passar dias fazendo isso porque, todas as vezes, terá algo diferente e interessante.”

Sasha diz ter consciência de que a tecnologia é vista com receio por muitas pessoas que acham que ela pode roubar empregos. “Na minha visão, é apenas uma ferramenta criativa, mais uma dentre outras que já existem. E, para mim, pessoalmente, é uma ferramenta que ajuda a explorar e a impulsionar a criatividade de diferentes maneiras.”

Além de “aprimorar a experiência do público com o show”, Sasha defende que o emprego da IA nesta turnê pode representar uma “mudança na forma como os artistas aproveitam as capacidades” da nova tecnologia.

Todo o conceito desenvolvido por ele para a performance foi também discutido com Madonna, que “deu algumas ideias iniciais do que ela gostaria de ver no show”.

Para celebrar as quatro décadas de trajetória da cantora, a aposta de Sasha foi incluir nos telões fotos e imagens que ajudam a mostrar esse legado. “Tentamos trazer algumas joias escondidas e retratos icônicos.”

Há fotos, por exemplo, bem do início da carreira de Madonna, como a que mostra ela recém-chegada a Nova York em um trem, no começo dos anos 1980. E há ainda referências aos videoclipes. Algumas delas, diz ele, que só os fãs mais “fervorosos” conseguem reconhecer.

O balanço final que Sasha faz de sua participação em uma “turnê tão monumental” é um misto de sentimentos de emoção e também de se manter humilde. “Sou grato pela oportunidade de poder contribuir para o sucesso dos shows.”

Fonte: Folha de S.Paulo