“Chemsex”, sexo químico, party and play, são vários termos para a mesma prática: o uso de substâncias psicoativas ligadas ao ato sexual. Mas não é algo acidental, como uma relação que tem início durante uma festa sob a influência de drogas e termina no quarto. É intencional, quando pessoas, ao saberem que vão transar, buscam os entorpecentes com o intuito de tornar a experiência supostamente mais satisfatória.

“É um comportamento que tem como denominador o uso imediatamente antes ou durante o ato sexual para iniciar, melhorar, manter ou prolongar a relação. Existe também o sexo químico solitário, que é o uso durante a masturbação. É uma busca incessante pelo prazer, a pessoa quer o máximo possível e busca isso no “chemsex”. Mas isso pode virar um descontrole, com diversos riscos, e se tornar um grave problema”, explica Danilo Baltieri, professor de Psiquiatria da USP e da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), de onde é coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade.

A prática não é nova, o uso de drogas associado a relações sexuais é relatado de forma mais consistente desde os anos 80, e o termo “chemsex” foi na realidade cunhado ainda em 2000. Mas, tem voltado a repercutir com a introdução de novas drogas no mercado e uma menor percepção de risco em relação à mistura, diz Baltieri.

Para Nicolas (nome fictício), de 19 anos, recorrer a entorpecentes para ter uma experiência segundo ele melhorada durante o sexo é algo relativamente comum. Entre as substâncias que costuma utilizar estão a maconha e o MDMA, um psicotrópico derivado da anfetamina popularmente conhecido como ecstasy.

“Com o MDMA, tenho uma sensação apaixonante e fervorosa pela pessoa, fica tudo mais intenso e mais físico. Já com a maconha é como se o mundo ficasse mais lento, e eu sentisse cada sensação no corpo de forma mais apurada. Acredito que as pessoas buscam isso pela curiosidade, por querer experiências novas”, conta.

Além dessas, as drogas mais utilizadas para o sexo químico são a metanfetamina, conhecida como crystal; o GHB (ácido gama-hidroxibutírico), popularmente chamado de gi; a ketamina, chamada de key, e a cocaína. No entanto, ainda que de forma menos alarmante, esse uso pode envolver também entorpecentes lícitos, como o álcool.

“No momento, não existe uma definição consensual do termo “chemsex” na literatura, mas substâncias legalizadas, como o álcool, também podem ser usadas com esse propósito. Há indicativos de que a combinação de álcool com sexo tem se tornado mais comum, especialmente entre jovens. Pode ser uma maneira de diminuir inibições e relaxar durante o ato, mas aumenta a probabilidade de práticas sexuais arriscadas, com menor proteção, além de dificultar a comunicação consensual entre os parceiros”, destaca Olivia Pozzolo, psiquiatra e pesquisadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa).

O problema mais grave, porém, e que tem crescido é quando essa combinação de drogas com sexo deixa de ser habitual e cria uma relação de dependência, ou seja, o indivíduo não consegue mais sentir excitação sexual se não estiver sob o efeito de substâncias.

“São pessoas que ficam três, quatro dias tendo relações sexuais e, no final, quando já houve uma certa exaustão do sistema cerebral que regula onde a droga atua, elas não se reconhecem mais e não conseguem mais ter sexo sem o consumo da droga”, diz Baltieri.

Ele conta que isso pode se desenrolar em uma série de prejuízos na vida pessoal, financeira e profissional, com pacientes enfrentando dificuldades devido a gastos altos com as drogas, demissões pela incapacidade de manter o trabalho e até mesmo processos pela ocorrência de atos ilegais sob a influência das substâncias.

Maior risco de ISTs e volta de injetáveis

Demetrius Montenegro, chefe do setor de infectologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, em Recife, e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), cita outros riscos envolvidos que têm preocupado a comunidade médica frente ao aumento dos relatos.

“Existem dois principais, o primeiro é o próprio uso das drogas para o organismo de uma maneira geral, como de intoxicação. O outro é o aumento de vulnerabilidade durante o momento do sexo para a contaminação por infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Essa pessoa precisa ter uma atenção redobrada aos métodos de prevenção”, diz o infectologista.

No mês passado, um levantamento publicado na revista científica Sexually Transmitted Infections, por pesquisadores da Universidade de Manchester, no Reino Unido, analisou registros de uma clínica entre abril de 2021 e 2022. Eles identificaram que, de 107 pacientes adeptos do “chemsex”, 65 (60,7%) haviam contraído uma IST no ano anterior.

Outro estudo, uma revisão sistemática de 38 trabalhos sobre o tema, publicada no periódico International Journal of Drug Policy, mostrou que de fato se observa uma probabilidade menor do uso do preservativo durante o sexo químico. Além disso, a revisão apontou que a prática ocorre em todas as idades, porém de forma mais significativa nos 30 e 40 anos.

“As pessoas precisam conhecer as oportunidades de prevenção para avaliar seu risco e saber os cuidados que podem tomar. Quando falamos sobre o HIV, por exemplo, existem outras formas além do preservativo, como a PrEP e a PEP (comprimidos antes ou depois da exposição que previnem a infecção) que precisam ser informadas, porque nós sabemos que focar apenas no preservativo nem sempre é eficaz”, afirma Montenegro.

Baltieri destaca que a preocupação em relação às ISTs ocorre também devido ao uso de injetáveis. Uma das drogas mais utilizadas, a metanfetamina, ou crystal, pode ser aplicada na veia, no formato que tem sido chamado de “slam”.

“Então nós vemos um retorno ao uso de drogas injetáveis como foi na época pré-pandemia da Aids. É uma prática muito preocupante”, diz.

Existem grupos mais suscetíveis?

É comum ouvir falar sobre a prática do “chemsex” com associações à comunidade LGBTQIAP+ ou , mais especificamente, a homens que fazem sexo com outros homens (HSH). No entanto, os especialistas explicam que é um comportamento polimórfico que, com base nas evidências atuais, não pode ser atribuído a uma determinada população.

“Você não tem como saber a prevalência exata na população, mas é algo que acontece em todos os grupos, independentemente da situação e de com quem a pessoa se relaciona. Só que, para alguns, esse aumento na vulnerabilidade pode ser mais significativo por já ser um grupo vulnerável”, diz Montenegro, citando por exemplo a maior preocupação com mulheres trans profissionais do sexo, que têm um menor acesso aos serviços de saúde devido ao estigma.

Para Baltieri, pela prática em si ser apenas um comportamento, e não propriamente um distúrbio, ela pode ser motivada por características de diversas pessoas que apenas buscam experiências novas ou que têm uma autoestima mais baixa.

“Existe esse aspecto da personalidade que chamamos de “sensation seeking” (caça por sensações). Não é algo patológico, é um traço que leva o indivíduo a ser mais propenso a experimentar situações mais excitantes, provocantes, correr mais riscos. E existem também pessoas com a autoestima muito rasgada que buscam algo para “remendar” isso, para se sentir parte, e podem encontrar isso no “chemsex”. Mas as pessoas são diferentes, são diversas características que contribuem”, afirma.

Já nos casos que se desenvolvem para um cenário de dependência, em que a pessoa não consegue mais desatrelar a vida sexual do uso de entorpecentes, é considerado um problema de saúde e que deve receber um tratamento com profissionais especializados em uso de drogas e sexualidade compulsiva.

“Mas a adesão ao tratamento é muito variada, não costuma ser alta. É um desafio porque você altera todo o seu sistema de recompensa cerebral, então neuroquimicamente é complicado. Já tive pacientes que pararam. Mas tive muitos que sumiram. O prazer que essa pessoa sente no “chemsex” é muito difícil de ser substituído ou superado”, diz o psiquiatra.

Fonte: O Globo