Este é o primeiro serviço de aids sob gestão da Prefeitura de São Paulo

São Paulo, também conhecida como Terra da Garoa, a cidade que não dorme e a maior metrópole da América do Sul está em festa! Nesta quarta-feira, 25 de janeiro, Sampa completa 469 anos. Se aproximando dos cinco séculos de existência, a cidade dos mil povos e da diversidade é pioneira em várias frentes, inclusive na área da saúde pública e na luta contra aids.

Em São Paulo, já foram registrados desde 1980 105.912 casos de aids, segundo dados do último Boletim Epidemiológico. Foi também nesta metrópole, os sete primeiros diagnósticos de aids do país e onde, três anos depois, em 27 de abril de 1985, um grupo de pessoas pensando no que poderia ser feito para conter a epidemia, se reuniu para criar a primeira organização não governamental dedicada à doença no Brasil, o Gapa São Paulo. Hoje, para dar conta dos mais de 57.244 pacientes vivendo com HIV/aids, a cidade conta uma Rede Municipal Especializada em ISTs/Aids, composta por 27 serviços, que incluem 10 Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA), sendo um itinerante, e 17 Serviços de Atenção Especializada (SAE).

Neste ano, em homenagem à cidade, a Agência Aids conta a história do primeiro Serviços de Atenção Especializada (SAE) em IST/Aids sob gestão da prefeitura, o SAE Hebert de Souza (SAE Betinho).

O serviço, que leva o nome do saudoso sociólogo Hebert de Souza – ícone na luta contra à fome e a favor dos direitos humanos, nasceu em outubro de 1990, auge da epidemia de aids no Brasil e no mundo, com a missão de suprir as demandas da comunidade.

Antes chamado de Unidade de Assistência em DST/Aids, o SAE está localizado no bairro de Sapopemba, na periferia da zona leste de São Paulo, e há mais de 30 anos tem apostado no acolhimento e assistência as pessoas vivendo com HIV/aids na região. A iniciativa surgiu a partir da indignação de servidores públicos da saúde, movimento social e apelo popular, já que, naquele contexto histórico, doentes de aids da região atravessavam a cidade para receberem atendimento médico.

Além das tecnologias de prevenção já ofertadas pelos Centros de Testagem e Aconselhamento em ISTs/aids (CTA), o SAE Betinho também oferece consultas e tratamento para HIV/aids e coinfecções, inclusive hepatites virais e tuberculose.

Hoje, os mais de 2.688 pacientes atendidos neste SAE têm à disposição uma equipe multidisciplinar que conta com um farmacêutico, três técnicos de farmácia, três enfermeiros, três assistentes sociais, um psicólogo, uma terapeuta ocupacional, uma educadora física, três médicos infectologistas, uma ginecologista obstetra, uma pediatra, 19 auxiliares de enfermagem, duas recepcionistas, dois profissionais administrativos e dois profissionais de apoio.

A Agência Aids esteve na unidade e conversou com parte da equipe. Membro da equipe do SAE Betinho, Rosana Kafka, que trabalha no serviço há cerca de 27 anos, relembrou que na época em que o SAE foi inaugurado em Sapopemba, o acesso físico aos serviços de saúde especializados em HIV/aids era muito complicado, pois existia apenas o CRT/Aids e o Hospital Emílio Ribas, ambos na região central. “Foi daí que surgiu a ideia de criar um Hospital Dia dentro do SAE, a fim de minimizar a necessidade de internação”.

“Não tínhamos nem metrô na Vila Prudente”, acrescentou a gerente Ana Chong, ao frisar a importância do acesso facilitado para melhor adesão ao tratamento de pacientes que vivem com HIV. Ana compartilhou ainda que nos primeiros anos da epidemia, marcado por dúvidas por parte da comunidade científica e ausência dos medicamentos antirretrovirais que dispomos hoje, os profissionais da saúde concentravam os cuidados em medidas paliativas para contenção dos sintomas.

Em alguns casos, em razão de prognóstico ruim, quadros já avançados, com a presença até mesmo de doenças oportunistas, muitos não resistiam.

Engajamento social

A psicóloga Cristina Abbate, coordenadora da Coordenadoria Municipal de IST/Aids de São Paulo, tem um carinho muito especial por este serviço, pois foi no SAE Betinho que a gestora deu início a sua trajetória profissional na luta contra aids. Ela lembrou que para além dos quatro muros da instituição, ao longo dos anos, o serviço sempre realizou trabalhos domiciliares e frequentes ações de prevenção junto à comunidade.

“Foi sempre uma história de muito envolvimento. Não só do ponto de vista da resposta técnica, da melhor qualidade da atenção às pessoas, mas sobretudo de uma proximidade afetiva com a comunidade, com os pacientes. Essa é uma marca do SAE Betinho. Não por acaso ele carrega o nome de uma pessoa tão importante na história do nosso país, alguém que lutou tanto no enfrentamento à fome, em prol das pessoas menos favorecidas no Brasil. A unidade SAE Herbert José de Souza carrega esse nome com muito orgulho porque isso remete ao empenho de uma pessoa que lutou no cenário da fome no Brasil, e da fome em todos os sentidos”, destacou Cristina Abbate.

Prova disso foi a criação de uma associação de funcionários, ou seja, uma ONG para viabilizar o que por meio do serviço público não era possível, como por exemplo, financiamento de projetos.

“Se a gente pensar naquele início muito próximo a comunidade, a ONG deu uma aumentada neste vínculo”, celebrou Rosana, que explicou que o objetivo da organização era preparar os pacientes para o mercado de trabalho, ampliar vínculos e romper com o estigma que reduz a pessoa ao vírus. De acordo com ela, a ONG durou 17 anos. Com o fim da associação, mudou-se o perfil do serviço. “A circulação fica muito voltada à doença. Não existe mais essa coisa de qualquer público transitar no serviço”.

Apesar de hoje termos profilaxias pré e pós-exposição ao HIV (PEP e PrEP), mais tecnologias de prevenção, bem como insumos, a gerente, que trabalha no SAE há 30 anos, acredita que não somente o SAE Betinho, mas toda a nação ainda se mantém estagnada na difusão destes recursos para a sociedade, pela perda de engajamento social.

A gestora não deixou de abordar a realidade de empobrecimento das famílias brasileiras, que se acentuou durante a pandemia de Covid-19. “Muitos precisam matar um leão por dia para sobreviver, em relação à desemprego, moradia, alimentação… O empobrecimento das famílias, principalmente pós-pandemia, tem afetado a população majoritária que a gente atende.”

Rosana acrescentou que há também uma desvalorização geral do SUS. “Existe uma desvalorização geral do SUS, dos trabalhos do SUS, de seus funcionários e da filosofia que ele carrega. Precisamos retomar!”

Reconstrução

Doutor Humberto Barjud Onias, médico da equipe de saúde do SAE Betinho, segue a mesma linha de raciocínio de suas colegas e afirma que agora é momento de reconstrução. Ao seu ver, a não realização em massa de trabalhos junto com a comunidade do Sapopemba, como era de cotidiano, é reflexo do que acontece à nível nacional.

“Essa contextualização mais geral é importante e mostra que isso se refletiu no trabalho do Betinho para o bem e para o mal. Quando ele foi criado, em meio aquela explosão de casos, era um momento em que estava se criando o SUS, a partir da nova constituição, e serviços como esse acabaram se tornando espécies de laboratórios do SUS para desenvolvimento de muitas estratégias de atenção à saúde. Depois se tornaram práticas cotidianas nos serviços em geral, mas que muitas delas começaram, ou ao menos, aperfeiçoaram-se nesses serviços. Como por exemplo, a questão de acolhimento, e o aprender a trabalhar em equipe multiprofissional, e a articulação com a sociedade civil, que hoje é tido como algo básico. E os serviços de HIV/Aids, inclusive o SAE Betinho, teve um papel importante nessa história, sendo um desses laboratórios de estratégias e tecnologias naquele momento histórico”, falou Dr. Humberto, destacando, de igual modo, que estes mesmos serviços também sofreram e sofrem os refluxos sociais.

“Há otimismo do ponto de vista de maiores possibilidades de controle da infecção, em termos de garantia de qualidade de vida, pois a aids se cronificou, deixando de ser uma doença mortal. Temos perspectivas nos próximos anos de continuar melhorando os medicamentos, trazendo novos que não exijam a tomada diária e facilitando sua adesão, além da perspectiva da própria erradicação da doença”. Nesse sentido, ele elenca: ampliação de diagnóstico por meio de campanhas em massa; garantia de adesão ao tratamento ao longo do tempo, trabalhando todas as vulnerabilidades do paciente; condições para trabalhar todas as necessidades multifacetadas.

O SAE Betinho é um ambiente acolhedor, dispõe de estacionamento, rampa de acessibilidade para pessoas com deficiência, é um espaço arejado e seu prédio é muito semelhante à uma arquitetura residencial. Caminhando pela unidade é possível notar informativos espalhados pelos murais. Os visitantes podem também encontrar displays de distribuição gratuita de camisinhas.

No primeiro andar da unidade encontra-se a farmácia, a enfermaria, a sala de vacinação, a sala de serviço social, ginecologia, pediatria, entre outros. Já no segundo pavimento, está instalado o almoxarifado, o refeitório, sanitários, sala de vigilância epidemiológica…

As responsáveis pelo SAE garantiram que a entrega de diagnóstico é realizada na sala de atendimento do profissional responsável pelo plantão.

8 novos casos de HIV ao mês

A Agência Aids teve acesso aos dados internos do SAE Betinho. Hoje o serviço realiza, em média, 160 atendimentos de primeira vez ao mês; cerca de 8 novos casos de HIV são diagnosticados todos os meses e 18 protocolizações de PrEP são feitas no mesmo período. A taxa de retenção dos pacientes corresponde à 86%.

Apesar de a maior parte das pessoas atendidas no serviço chegarem por meio de encaminhamento, há possibilidade de se testar e tratar no próprio SAE. A questão do estigma e ampliação do diagnóstico tem sido alguns dos maiores desafios atuais do time que vem concentrando os esforços de busca ativa por meio da equipe de prevenção. “Temos tentando através da equipe de prevenção, trabalhar isso nas UBSs, pois não temos mais acesso às escolas como antes, mas temos tentando fazer trabalho de divulgação, principalmente da PrEP. É mais uma parte da prevenção que é muito legal, tecnologia nova, mas que aqui a gente tem muita dificuldade ainda de fazer com que as pessoas abracem essa história”, contou Rosana.

Histórias cruzadas

A empreendedora social e ativista do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas, Silvia Almeida, é uma entre tantas outras pessoas que descobriram e/ou trataram do HIV e da aids no SAE Betinho.

Silvia contou que em 1991, depois da chegada do segundo filho, seu ex-marido adoeceu. Na época, a sogra de Silvia trabalhava no SAE Betinho e percebeu os sintomas da aids no filho. Ela pediu que ele realizasse o teste. O resultado deu positivo. Silvia também fez o exame e foi diagnosticada com HIV. “Minha primeira vitória foi que o meu filho, que nasceu de parto normal e que amamentei, não foi infectado”, falou Silvia.

Foi neste serviço que ela se fortaleceu para seguir na luta social contra a aids. “Conheci a atual coordenadora do antigo Programa Municipal de IST/Aids, Cristina Abbate, no SAE Betinho. Na época do meu diagnóstico ela já trabalhava lá, o doutor Robinson Fernandes, que hoje também faz parte da Coordenadoria Municipal de IST/Aids, era médico do meu ex-marido”.

Anos depois do diagnóstico, Silvia os encontrou em um Congresso de Aids na Paraíba e disse que foi muito especial este reencontro. “Eles ficaram felizes com a minha vitória, com o fato de eu ter vencido a aids. Eu não morri! É muito importante para mim vê-los ainda hoje abraçando a causa da aids… Criei os meus dois filhos e tenho três netos lindos. Tenho muita gratidão à São Paulo, que é pioneira nos programas de IST/Aids do Brasil, e às pessoas que trabalham com aids e que têm amor à esta profissão”, finalizou.

O SAE Betinho está localizado na Avenida Arquiteto Vila Novas Artigas, 515, Conjunto Habitacional Teotônio Vilela, e funciona de segunda à sexta, das 7h às 19h.

 

Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)

Confira a seguir uma galeria de fotos:

Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista:

Assessoria de Imprensa da Coordenação Municipal de IST Aids de São Paulo

E-mail: gcampbell@prefeitura.sp.gov.br ou edmarjunior@prefeitura.sp.gov.br