Rosana Garcia Cassanti, mais conhecida por Rosa, nasceu em 1986, vive em Pirituba, zona norte de São Paulo, é terapeuta holística, psicanalista em formação, especialista em ansiedade, depressão, estresses e bebês. Ela vive com HIV e faz parte da primeira geração de pessoas que contraíram o vírus via transmissão vertical. Sua história está entrelaçada com a trajetória do SAE Betinho,  primeiro serviço especializado em HIV/aids da Capital sob gestão da Prefeitura, onde descobriu o diagnóstico e foi paciente por uma década. A reportagem faz parte da série que a Agência Aids publicou em homenagem ao aniversário de 469 anos de São Paulo.

Rosa perdeu a mãe ainda em seus primeiros anos de vida e logo foi adotada. Em entrevista à Agência Aids, ela contou que nunca teve contato com sua família biológica, mas cresceu cercada de amor e cuidados. Ainda bebê,  recorrentemente ficava doente, “A minha família me levava ao médico, eles tratavam as doenças, mas elas voltavam. Eu nunca melhorava”, dividiu.

Um dos seus irmãos, desenhista por hobby, costumava escrever cartas para a televisão. Com o passar dos anos, ele acompanhou de perto o processo doloroso de adoecimento da pequena Rosa. Na época, a família não tinha ideia sobre o diagnóstico positivo para o HIV. Em busca de ajuda, ele escreveu para o Ministério da Saúde. Era meados dos anos 90, o Brasil, que estava sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, acompanhava o crescimentos dos casos de HIV/aids em crianças.

O irmão de Rosa recebeu uma resposta do Ministério da Saúde indicando que a família buscasse ajuda no SAE Betinho, localizado no bairro do Sapopemba, região periférica da capital. E eles foram até o serviço.

“Chegando lá, primeiro a médica conversou com a minha mãe sozinha, fiz exames e já sai tomando muitos remédios. Só pelo fato da adoção e primeiro exame, a médica deduziu que era quadro aids”, contou. Rosa chegou a ter 0 de CD4 e 1 milhão de carga viral a cada vidro coletado de sangue.

“Fui desenganada. Eu tive uma caminhada muito longa no SAE Betinho, de muita dor, de sofrimento…” Mas segundo ela, esse caminho também foi marcado por muito amor e acolhimento por parte dos profissionais do serviço, em especial da médica pediatra já aposentada, a dra. Elsa. “Ela teve um papel muito importante em minha vida! Me salvou”, diz com gratidão.

Hoje, ela não é mais paciente do SAE, mas sua história com a família SAE Betinho, como ela chama, durou uma década o serviço por longos 10 anos, ficando dos 7. “Fui paciente do SAE dos 7 aos 17 anos. Quando decidi mudar de médico, optei por seguir com o tratamento em outro serviço e fio para o CRT, e estou até hoje lá.”

Rosa faz questão de destacar que o papel exercido pela doutora que cuidou da sua saúde nos momentos mais difíceis foi muito significativo, inclusive para Rosa se autoreconhecer enquanto pessoa vivendo com HIV. “Além de me contar sobre a doença, foi a minha médica que me contou que eu era adotada.”

A descoberta

Assim como muitas pessoas que cresceram vivendo com HIV, Rosa foi entendendo com o tempo o significado do diagnóstico. Transitando da infância para a adolescência, Rosa começou a observar seu medicamento na televisão, e a se atentar ao que era dito sobre a doença na mídia. Embora ainda não tivesse dimensão do que se tratava, começou a se questionar.

“A médica conversou com a minha mãe, disse que eu não era boba e entendia as coisas… isso pouco antes de eu menstruar.”

O presente

Hoje, com quase 37 anos, ela diz que vive uma vida plena de saúde e felicidade. Há 7 anos divide a vida com seu companheiro em uma relação sorodiferente. E o pequeno Elohim, de 11 meses, fruto desse amor, chegou para somar ainda mais na felicidade do casal.

“O Eloin foi planejado, mas veio sem avisar. Sou muito feliz de ele ter nascido saudável. Quando meu filho nasceu, eu peguei o exame dele e vi que ele não tinha nada, eu chorei tanto, a médica ainda falou que era um dia para se comemorar!”, trouxe ela à memória.

“Maternidade é um grande desafio, é um aprendizado dia após dia. Eu nunca imaginei que iria precisar de tanta força, acho que tirei de letra muita coisa em relação à saúde, ao HIV, à aids, mas a maternidade é algo muito difícil.”

Ao falar sobre sua experiência na gestação, Rosa reforçou a importância de que mulheres vivendo com HIV realizem devidamente o pré-natal “Hoje só nascem crianças infectadas pela transmissão vertical se mãe não se cuidar mesmo, porque se ela fizer o pré-natal ela vai ser cuidada. O meu eu fiz no CRT e foi maravilhoso!”

A transmissão vertical ocorre quando a criança é infectada por alguma IST durante a gestação, parto, e em alguns casos durante toda amamentação. Todas as gestantes e suas parcerias sexuais devem ser investigadas para IST durante o pré-natal e no momento do parto, especialmente para o HIV, sífilis e hepatites virais B e C. Em 2019, a cidade de São Paulo foi certificada pelo Ministério da Saúde como município que eliminou a transmissão vertical do HIV.

“Estou aqui, vou comemorar um ano sendo mãe e 37 de vida, de vitória, de sobrevivência… Eu, uma criança que foi desenganada, que ia morrer por causa do aids e das doenças oportunistas, hoje está com 37 anos, com um filho de um ano, um companheiro sorodiferente, sem sofrer preconceito nas relações”.

O que não foi sempre assim, já que relata que em relações anteriores foi vítima de muito estigma e preconceito, e isto não só nas relações românticas sexuais, mas até mesmo na escola.

Rosa trabalhou dentro do SAE Betinho como auxiliar de escritório; também por meio do SAE trabalhou em oficinas de prevenção, como agente; e trabalhou no Fórum de ONGs/ Aids de São Paulo. “O HIV tirou muita coisa de mim, mas eu ganhei muita coisa também, conheci muitas pessoas, conquistei e aprendi muito com a vida.”

História eternizada em livro

No final do último ano, Rosana Garcia teve sua história contada no livro “Entre Tantos”, projeto da Coordenadoria de IST/Aids, que reuniu além da Rosa, outras 8 histórias positivas.

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“Hoje posso dizer que eu sou uma guerreira, eu venci a morte, eu sou um milagre vivo e o meu filho é prova disso”, finalizou.

Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)

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Dica de entrevista

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