Depois de sucessivos relatórios do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) apontando preocupação com o retrocesso que a covid-19 poderia provocar nos avanços de décadas de enfrentamento da epidemia de HIV, o Relatório Global de 2023, divulgado no último dia 13, veio recheado de otimismo e esperança.

Intitulado “O Caminho que Põe Fim à Aids”, o documento se inicia de forma categórica, afirmando já na sua primeira linha que existe um caminho para se eliminar o HIV. Ele só precisa ser colocado em prática em todos os lugares do mundo.

O passo a passo para isso não é nem um pouco difícil de entender. Transcrevo ele do relatório:

1- Fornecer serviços acessíveis de prevenção e tratamento do HIV para proteger a saúde e o bem-estar das pessoas;

2- Priorizar abordagens que reconheçam e protejam direitos humanos;

3- Eliminar desigualdades sociais e estruturais nos serviços, recursos e ferramentas relacionadas ao HIV;

4- Coletar e utilizar dados confiáveis, detalhados e oportunos;

5- Construir e manter um forte compromisso político;

6- Envolver as comunidades afetadas;

7- Garantir acesso equitativo a medicamentos e outras tecnologias de saúde;

8- Financiar integralmente sistemas de saúde pública e comunitária resilientes, integrados e acessíveis;

9- Adaptar abordagens inovadoras com base nos últimos avanços científicos e tecnológicos.

10- Em outras palavras, é preciso eliminar toda e qualquer barreira de acesso à saúde, prevenção, testagem e tratamento do HIV, empregando para isso o orçamento necessário e todas as tecnologias comprovadamente eficazes.

Simples assim. Mas nem um pouco fácil de se colocar em prática.

Segundo o relatório, o empenho global na disponibilização de tratamento antirretroviral para as pessoas diagnosticadas fez com que o mundo chegasse a 2023 com 29,8 das 39 milhões de pessoas vivendo com HIV/Aids do planeta com acesso aos medicamentos.

Com isso, 71% do total de infectados já atingiram a meta do tratamento e hoje mantêm a carga viral sanguínea do HIV indetectável. Garantindo, dessa forma, sua saúde e zerando o risco de transmissão do HIV por via sexual para suas parcerias.

Todo esse sucesso na ampliação do acesso ao tratamento antirretroviral possibilitou que, desde 1996, 20,8 milhões de mortes relacionadas à Aids fossem evitadas no planeta. Além disso, na última década o número de novas infecções anualmente caiu 38%.

Tais resultados são impressionantes, mas não suficientes. Somente no ano de 2022, ainda foram registradas globalmente 1,3 milhão de novas infecções e uma morte por minuto em decorrência da Aids.

A variação nos números de casos e mortes nessa epidemia é totalmente heterogênea entre os diferentes países. Ao longo de todo o extenso relatório, são apresentados os bons resultados de cada uma das localidades que resolveram enfrentar as dificuldades e implementar os passos sugeridos acima pelo Unaids.

São inúmeros os exemplos de países no leste e sul do continente africano, na Ásia e nas Américas. Todos deixando evidente que a melhora nos indicadores da epidemia de HIV/Aids ocorreu onde houve maior investimento, defesa de direitos humanos e equidade de acesso à saúde.

Durante a cerimônia de lançamento do relatório global, o momento que mais me emocionou foi quando a diretora executiva do Unaids, Winnie Byanyima, em uma fala marcante diz que o Brasil é um exemplo para o mundo de enfrentamento da epidemia de HIV/Aids.

No entanto, uma vez que aqui os novos casos da infecção estão em queda somente na população branca, enquanto na negra eles aumentam, somos também um triste exemplo de desigualdade no acesso à saúde.

Felizmente, no último dia 6 de junho, o Brasil foi sede de lançamento do Conselho Global sobre Desigualdades, Aids e Pandemias, órgão que conta com a ministra da saúde Nísia Trindade e pretende subsidiar sociedade civil e governos com a evidência científica necessária para a formulação de políticas públicas que promovam o acesso equitativo à saúde.

Fernanda Rick, diretora médica da Clínica Comunitária de Saúde Sexual da ONG internacional AHF (Aids Healthcare Foundation), resume bem o cenário. “Os dados do Unaids evidenciam a necessidade de enfrentarmos o estigma e a discriminação, garantindo o direito de todas as pessoas a terem acesso a saúde de qualidade. Além disso, é fundamental ampliar a oferta das diversas estratégias de prevenção, como preservativos, gel lubrificante e PrEP, especialmente para as populações mais vulneráveis. Só assim conseguiremos de fato vislumbrar o fim da epidemia de HIV/Aids.”

Como conclusão, cito mais uma vez Winnie Byanyima: “O caminho que põe fim à Aids está aí. O que falta é escolhermos se vamos seguir nele ou não”.

Fonte: Viva Bem UOL (Coluna Rico Vasconcelos)