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Desde que o terceiro estudo científico avaliando o efeito protetor da DoxiPEP contra ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) divulgou seus resultados, em março de 2023, o assunto entrou nos trending topics da prevenção e não parece que vai sair tão cedo.

Com o aumento do interesse e da busca pela estratégia, alguns pontos devem estar bem claros para profissionais que prescrevem a DoxiPEP e para pacientes que a utilizam.

DoxiPEP foi o nome dado para o uso do antibiótico doxiciclina, tomado em dose única depois das relações sexuais como uma Profilaxia Pós-Exposição (cuja sigla em inglês é PEP). O seu objetivo é reduzir a transmissão de ISTs como sífilis, clamídia e gonorreia.

A partir de 2018, três estudos foram realizados avaliando a eficácia e a segurança da DoxiPEP e tiveram seus resultados convergentes, demonstrando uma proteção que é maior contra bactérias como sífilis e clamídia, e menor para a gonorreia.

O principal motivo para o pior desempenho contra a gonorreia é a existência de cepas de gonococos já resistentes à doxiciclina, fato que não é identificado entre as outras duas bactérias.

Apesar de a ideia de tomar comprimidos como prevenção de ISTs causar um certo estranhamento para quem está chegando no assunto, o conceito não é novo. O uso de antirretrovirais para a prevenção do HIV, seja como PrEP ou PEP, na última década obteve resultados excelentes e já se popularizou ao redor do planeta.

Talvez por isso mesmo, antes mesmo que qualquer autoridade de saúde pública recomendasse oficialmente o uso da DoxiPEP, já podemos encontrar por aí pessoas fazendo uso do novo método preventivo, principalmente entre homens gays e bissexuais.

Em uma pesquisa publicada em 2019, 9,9% dos homens gays e bissexuais que frequentavam uma clínica de saúde sexual na cidade de Melbourne, na Austrália, afirmaram ter tomado a DoxiPEP pelo menos uma vez nos últimos 30 dias.

Conforme mais gente for conhecendo a DoxiPEP, certamente o seu uso vai escalar. Assim, nos últimos meses uma série de artigos científicos tem alertado para os riscos do uso indiscriminado e sem acompanhamento da DoxiPEP.

De fato, é possível afirmar que, individualmente, a DoxiPEP parece ser uma potente ferramenta de prevenção contra ISTs bacterianas. No entanto, não se sabe ao certo o que o seu uso ampliado pode provocar populacionalmente.

A grande preocupação está em uma eventual seleção de bactérias resistentes aos antibióticos. E aqui estamos falando de bactérias causadoras de ISTs, como a gonorreia, mas também de bactérias que compõe a flora humana e das que causam outras infecções, como as respiratórias ou urinárias.

Dos três estudos sobre a DoxiPEP divulgados até agora, apenas dois avaliaram o impacto da intervenção na resistência bacteriana ao longo do tempo e nenhum deles observou qualquer mudança significativa e preocupante.

No entanto, estes estudos acompanharam algumas centenas de participantes por um período curto de tempo. Além disso, o número de culturas bacterianas avaliadas foi relativamente pequeno.

Por isso, sabendo que a procura não-oficial por DoxiPEP ainda vai aumentar juntamente com a sua popularidade, algumas recomendações levantadas por artigos recentes se fazem pertinentes nesse momento.

  • Em primeiro lugar, a DoxiPEP não deve ser usada sem o acompanhamento longitudinal por um profissional da saúde.

 

  • Depois, quem opta por usar a DoxiPEP deve ter uma rotina de rastreamento de ISTs bacterianas idealmente incluindo as pesquisas de gonorreia e clamídia.

 

  • E por fim, no caso de ISTs incidentes durante o uso da DoxiPEP, as recomendações oficiais de antibioticoterapia devem ser seguidas rigorosamente, se possível incluindo um controle de cura pós-tratamento. Essas são maneiras de se identificar precocemente cepas bacterianas resistentes.

Além disso, ganha importância a vigilância em saúde pública de cepas bacterianas resistentes para captar novas tendências de mudança nos padrões de resistência da comunidade.

Enquanto isso, continuaremos atentos ao conhecimento que vem sendo produzido e acumulado acerca da DoxiPEP para delinear de maneira mais robusta as melhores maneiras de utilizá-la.

A DoxiPEP, assim como a PrEP para o HIV, é uma intervenção que tem grande potencial de revolucionar o controle das ISTs no planeta, mas seu uso inadequado pode também causar prejuízos para a saúde pública mundial. E por isso deve ser levada a sério.

Fonte: Viva Bem UOL (Coluna Rico Vasconcelos)