Se você acha que a aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para a vacina contra covid-19 foi demorada ou é a solução dos nossos problemas, eu preciso contar uma história.
No ano de 2012, o primeiro país do mundo a aprovar o uso da Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) como estratégia de prevenção foi os Estados Unidos. O aval do FDA, versão norte-americana da Anvisa, foi dado assim que os primeiros ensaios clínicos demonstraram que homens e mulheres, homo ou heterossexuais, poderiam se proteger de forma bastante eficaz do HIV se tomassem os comprimidos da PrEP com boa adesão.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) demorou um pouco mais e só passou a recomendar o uso da PrEP em 2015. No Brasil, a aprovação da Anvisa foi dada apenas em 2017, permitindo então que a PrEP chegasse ao SUS (Sistema Único de Saúde) no início de 2018.
De 2012 pra cá, além dos entraves regulatórios, um dos maiores obstáculos para a expansão do acesso à PrEP no Brasil e no mundo tem sido a sua rejeição pela população. É bastante comum observar uma reação negativa a esse método de prevenção depois de conhecê-lo.
A rejeição é automática em grande parte porque, por quase 4 décadas, toda e qualquer comunicação sobre sexualidade e prevenção repetiu exaustivamente a ideia de que o único sexo “permitido” era aquele feito com camisinha. Assim, a PrEP funciona como uma lembrança de que pessoas que transam sem preservativo sempre existiram e sempre vão existir. Pessoas que não poderiam jamais ser ignoradas.
Segundo a Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas (PCAP), realizada pelo Ministério da Saúde e publicada em 2016, apenas 54% dos mais de 12 mil entrevistados afirmaram ter usado a camisinha em todas as suas relações sexuais com parcerias casuais nos 12 meses anteriores à entrevista. E mesmo assim, por quase 4 décadas todos fingiram acreditar que bastava uma campanha na televisão para fazer com que 100% das pessoas mudassem seu comportamento e passassem a gostar de usar o preservativo.
Quando a PrEP aterrissou no Brasil em 2014, ainda por meio apenas de projetos de pesquisa, era comum ouvir relatos de participantes que não revelavam aos amigos, parceiros e familiares que estavam em PrEP, para evitar brigas e agressões. Eram chamados de promíscuos e inconsequentes com sua saúde por estarem tomando antirretrovirais para se protegerem do HIV.
Com o tempo, a compreensão de que a melhor prevenção é aquela que é usada com boa adesão, seja ela a camisinha ou a PrEP, começou a se espalhar pelo mundo e o assunto tem assustado cada vez menos.
Em um estudo publicado recentemente na revista científica PLOS One, 624 homens gays e bissexuais de 16 a 60 anos foram entrevistados em 3 ocasiões diferentes entre 2016 e 2018. Entre outras coisas, foram avaliadas a opinião dos entrevistados sobre a PrEP e o seu uso ao longo do tempo.
Durante o período avaliado, a percentagem de pessoas que já tinham ouvido falar de PrEP aumentou de 60 para 92%, enquanto a proporção daqueles que se diziam contra a ideia de alguém usar PrEP para se prevenir do HIV caiu de 32 para 27%. A proporção de pessoas em PrEP aumentou de 4 para 8% dos respondentes, e 33% dos que estiveram em PrEP em algum momento descontinuaram o seu uso durante o seguimento.
Menos de 10% da comunidade gay nos Estados Unidos estarem em PrEP é certamente bem menos do que o ideal, se considerarmos a frequência do uso do preservativo no mundo real.
No Brasil, de acordo com os dados mais recentes do Ministério da Saúde, apenas 29.467 pessoas iniciaram o uso da PrEP até o final de dezembro/2020. E de todos os que entraram em PrEP até agora, apenas 57% dos usuários continuam em acompanhamento até hoje.
A rejeição da população pela PrEP tem um impacto direto tanto na busca pelo início do método de prevenção quanto na persistência do seu uso, e assim, pode minar significativamente o controle da epidemia de HIV no Brasil.
A aprovação da Anvisa para uma intervenção de prevenção é somente o primeiro passo de uma maratona. Ao invés de gastar dinheiro público com campanhas de comunicação que repetem o mantra “use camisinha”, poderíamos estar usando-as para aumentar o conhecimento e reduzir a rejeição à PrEP, se quiséssemos de verdade acabar com a epidemia de HIV/aids no Brasil.
Fonte: Viva Bem (UOL) / Coluna Rico Vasconcelos