___O plenário do Senado, durante discussão do projeto que regulamenta a Emenda Constitucional 29 (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)

01/01/2011 – 13h

Parece consenso no Brasil que o Sistema Único de Saúde (SUS), com atendimento universal e gratuito, é uma boa ideia, mas que não funciona da forma como deveria. O SUS enfrenta vários problemas – como superlotação e má gestão – e a resolução deles passa, principalmente, pela discussão do financiamento do sistema público. Reportagem da revista ÉPOCA publicada recentemente mostra que a população sabe da necessidade de encontrar formas para sustentar o atendimento médico de qualidade. Apesar dos brasileiros considerarem a carga tributária do país muito alta e repelirem novos impostos, eles aceitariam um novo tributo em uma única situação: se a arrecadação fosse destinada exclusivamente para o financiamento da saúde pública.

O governo também está convencido de que precisa de um novo imposto para financiar o SUS, e o debate esquentou na votação, no Senado, da Emenda Constitucional 29. A emenda define o que pode ser considerado gastos de saúde. O projeto original, do ex-senador Tião Viana (PT-AC), determinava que 10% do orçamento da União fosse para a saúde. O governo mudou o texto, diminuindo a porcentagem, e tentou criar um novo imposto, a Contribuição Social da Saúde (CSS), nos moldes da CPMF. A oposição agiu e a emenda acabou sendo aprovada sem o novo imposto.

Mesmo com a derrota, o discurso do governo é de que é preciso conseguir novos recursos para a saúde, com ou sem CSS. Por isso, na Câmara, os parlamentares das base do governo criaram uma subcomissão no Congresso para estudar novas formas de financiamento. O resultado da subcomissão foi um relatório, de quase 400 páginas, que define a política da Câmara sobre o tema. O relatório compara o atual estado da saúde pública no Brasil com outros países, e chega ao diagnóstico de que o SUS precisa de novas formas de financiamento. "O sistema público [de saúde] precisa de mais dinheiro porque temos insuficiência de oferta. Temos uma população de 190 milhões de habitantes, mas capacidade para atender apenas 75% dessa população. Em determinadas regiões, a capacidade é para apenas 50%", afirma o deputado Rogério Carvalho (PT-SE), relator da subcomissão.

O relatório defende não apenas a CSS, mas também a criação de um imposto sobre grandes fortunas, impostos sobre a compra de iates, jatos, itens de luxo e em remessas de lucro para o exterior. Segundo o deputado, um novo imposto para a saúde deveria incidir apenas nos mais ricos, e seria abatido no Imposto de Renda das pessoas de classe baixa e média. "No Brasil, quem tem perto de R$ 5 milhões praticamente não paga imposto. Quem compra artigos de luxo pode pagar uma taxa para a saúde. Nós apontamos um percentual, uma sugestão, porque precisamos dobrar os recursos para a saúde", diz Carvalho.

Outra proposta do relatório sugere o ressarcimento quando planos de saúde utilizarem o sistema público. Carvalho diz que, atualmente, muitos planos de saúde encaminham pacientes para o SUS, por não conseguir atendê-los. Um exemplo é o caso de tratamentos de câncer: cerca de 75% dos tratamentos são feitos no SUS. A sociedade perde duas vezes, primeiro porque os planos de saúde já são subsidiados pelo Estado, por meio da dedução no Imposto de Renda, e segundo porque aumenta a quantidade de pessoas que dependem da saúde pública. Pela proposta do deputado, quando isso acontecesse, o plano de saúde seria obrigado a ressarcir o SUS pelo tratamento.
O SUS precisa de mais R$ 80 bilhões

Segundo os cálculos do deputado, faltam cerca de R$ 50 bilhões para a saúde pública no Brasil. O economista da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Áquilas Mendes, especialista em financiamento em saúde, faz uma estimativa ainda mais preocupante: R$ 83 bilhões.

A conta foi feita com base na porcentagem do PIB que o país investe em saúde. Outros países que têm um sistema de saúde universal como o do Brasil investem no mínimo 6% do PIB na área. Alguns investem ainda mais, como a França (11% do PIB) e a Inglaterra (8%). No Brasil, apenas 3,5% do PIB vai para a saúde.

Mas, segundo Mendes, o problema vai além de criar novos impostos. Um exemplo é que, diz o economista, o sistema de seguridade social no Brasil aumenta sua arrecadação a cada ano, mas grande parte desses recursos simplesmente não vão para a saúde. "É importante reconhecer que o Orçamento da Seguridade Social é superavitário há anos. Para se ter uma ideia, em 2010 seu superávit alcançou R$ 58,1 bilhões. No entanto, R$ 45,9 bilhões foram retirados pela DRU", afirma.

A DRU é a Desvinculação das Receitas da União (DRU), renovada em dezembro no Congresso, e é uma causa na qual o Planalto não aceita derrota. A DRU permite que o governo "desvincule" 20% das receitas da Orçamento. Isso significa que o governo pode gastar, da forma como bem entender, 20% das receitas que deveriam ser investidas na saúde. Também por causa disso, a simples implemetação da CSS não seria suficiente.

O economista calcula que a CSS conseguiria arrecadar cerca de R$ 19 bilhões. "Com a retirada dos recursos da DRU (20%), restariam líquidos R$ 15,2 bilhões", explica. Além disso, o projeto também retirou os recursos do Fundeb, da Educação, da base de cálculo do imposto, o que reduziria a arrecadação em R$ 7 bilhões. "A nova contribuição social aportaria apenas R$ 8,2 bilhões para a saúde universal. Esse montante estaria completamente distante da necessidade de garantir, pelo menos, um caminho para a universalidade da saúde."

Para Áquilas Mendes, a solução seria aprovar o projeto do senador Tião Viana. Diferente da proposta aprovada nesta semana, o projeto definia que 10% da Receita Corrente Bruta (RCB) – as receitas do governo sem considerar as operações de crédito – fossem aplicados na saúde. "Tal projeto, se aprovado, colocaria para a saúde pública, em 2011, o correspondente a R$ 32,5 bilhões. Não resta dúvida de que essa seria a medida mais próxima de garantir um `caminho` para a resolução do financiamento da saúde universal", diz.
As principais propostas para financiar a saúde

Contribuição Social da Saúde: A CSS seria um imposto similiar à CPMF, com alíquota de 0,1% nas transações financeiras e com dedução no Imposto de Renda. Segundo estimativas, o imposto arrecadaria R$ 19 bilhões, mas parte do total seria "desvinculado" e não iria para a saúde. A proposta foi rejeitada no Congresso.

Imposto sobre grandes fortunas: Uma das propostas na Câmara é criar um imposto sobre grandes fortunas para financiar a saúde. Seria criado um Imposto sobre Grandes Movimentações Financeiras, aos moldes da CPMF, e impostos sobre o consumo de itens de luxo, como jatos e iates. Outra possibilidade é criar impostos com mecanismos para que a contribuição das pessoas das classes baixa e média possam ser restituídas.

Ressarcimento: Operadoras de plano de saúde teriam que ressarcir o sistema público sempre que um cidadão que tenha plano precise usar o SUS. Muitos tipos de tratamentos, como terapia renal, tratamento domiciliar de câncer e transplantes, não são cobertos por hospitais privados, e os planos de saúde acabam encaminhando os pacientes para o SUS. Quando isso acontecesse, a proposta definiria um valor que os planos de saúde teriam que pagar ao Estado.

PLS 121/2007: Projeto de lei de autoria do ex-senador Tião Viana (PT-AC), obrigaria o governo a investir 10% de suas receitas brutas na saúde, o que deveria gerar por volta de R$ 32,5 bilhões. O projeto acabou sendo modificado na Câmara e o novo texto retirou essa cota mínima.

Fonte: Época