O número de casos de infecções por HIV teve queda no Brasil entre 2019 e 2021 após vários anos de alta —até junho de 2022, foram 16.703 notificações e, no ano passado, 40.880. Esses dados fazem parte do Boletim Epidemiológico de HIV/Aids 2022, divulgado no começo de dezembro pelo Ministério da Saúde.
O recuo no período citado foi de 11,1%, com maior percentual nas regiões Sul (15,4%) e Sudeste (15,3%). Separando por estados, o decréscimo ocorreu em 21, variando de 29% no Rio Grande do Norte a 3,4% no Amazonas. Houve alta em apenas cinco localidades: Acre (34,5%), Pará (15,5%), Maranhão (7%), Sergipe (6,2%) e Tocantins (5,7%).
“Essa tendência de queda nos casos de HIV foi puxada em grande parte pela região Sudeste, em especial por São Paulo, que nos últimos anos registrou diminuição de quase 40%”, afirma Rico Vasconcelos, infectologista, colunista de VivaBem e clínico geral que trabalha com pesquisas clínicas no campo de prevenção de HIV e outras ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) na FM-USP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
O médico destaca que, até pouco tempo, o Brasil estava muito empenhado em fazer o diagnóstico de indivíduos que vivem com vírus e tratá-los para que não morressem, porém, não dava a devida atenção às estratégias de prevenção.
“Estamos há 41 anos tentando acabar com epidemia de HIV/Aids, mas sem sucesso. Conseguimos no máximo fazer que com que menos pessoas morram. Isso é ótimo, claro, mas pela primeira vez também estamos fazendo algo certo na redução de casos, que é a prevenção combinada, conceito moderno que sai do discurso monótono de ‘use camisinha’ e começa e entregar diferentes estratégias, como PEP (profilaxia pró-exposição), PrEP (profilaxia pré-exposição), testagem, acolhimento e tratamento, com a divulgação de que quem tem o vírus e trata deixa de transmitir”, aponta ele.
Na série histórica, que compreende o período de 2007 a junho de 2022, 305.197 (70,2%) casos de HIV foram notificados em homens e 129.473 (29,8%) em mulheres. O boletim informa que a proporção entre os sexos sofreu alteração ao longo do tempo: em 2007 era de 14 homens para cada dez mulheres e, a partir de 2020, passou a ser de 28 homens para cada dez mulheres.
Aumento de casos de HIV e Aids entre os jovens
Apesar dos bons resultados nas taxas do vírus em geral, o boletim traz um dado altamente preocupante: o de que aumentaram no Brasil os casos de infecção por HIV em jovens com idade entre 15 e 24 anos. O documento mostra que, entre 2007 e junho de 2022, foram 102.869 casos (23,7%) nessa população, sendo 25,2% em pessoas do sexo masculino e 19,9% nas do sexo feminino.
Só em 2022, foram contabilizadas 9.516 infecções pelo vírus em pessoas com idade entre 15 e 39 anos, sendo 813 (4,9%) na faixa de 15 a 19; 2.916 (17,5%) na de 20 a 24; 3.251 (19,5%) na de 25 a 29 e 2.536 (15,2%) na de 30 a 34 anos. No ano passado, foram 24.144 —2.080 (5,1%) de 15 a 19; 7.475 (18,3%) de 20 a 24; 8.469 (20,7%) na de 25 a 29 e 6.180 (15,1%) na de 30 a 34 anos.
Em se tratando da taxa de detecção de Aids, ou seja, quando já há a manifestação da doença, a maior concentração também se dá entre pessoas de menos idade. No período de 1980 a junho de 2022, atingiu principalmente os indivíduos com idade entre 25 e 39 anos, sendo 51,7% dos casos no sexo masculino e 47,4% no feminino.
Entre 2011 e 2021, um total de 52.513 jovens com HIV, de 15 a 24 anos, de ambos os sexos, evoluíram para Aids. Em 2021, a razão de sexos (expressa pela relação entre o número de casos em homens e mulheres) entre jovens de 15 e 24 anos foi de 36 homens para cada 10 mulheres.
No mesmo ano, em quase todas as faixas etárias, com exceção dos 5 aos 9 e dos 10 aos 14 anos, as taxas de detecção do sexo masculino foram superiores às do feminino. Para os grupos de 20 a 24 e de 25 a 29 anos, atingiram valores 3,8 e 3,9 vezes maiores do que as taxas das mulheres, respectivamente.
“Quando pensamos na nação como um todo, ter maior incidência de uma doença que pode matar se não for diagnosticada e tratada justamente na população mais jovem, pode representar uma catástrofe tão quando quanto uma guerra”, afirma Vasconcelos, acrescentando que o boletim também revela que a epidemia nesta população se concentra mais em homens que fazem sexo com homens, ou seja, gays e bissexuais.
“Isso é reflexo do avanço do conservadorismo no Brasil e da quase legitimidade do fim das políticas de acolhimento e inclusão de populações LGBTQIA+”, disse Rico Vasconcelos
José Valdez Ramalho Madruga, infectologista e coordenador do Comitê de HIV/Aids da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), pontua que todos esses indicadores só reforçam a necessidade de não apenas focar os esforços para a vinculação nos serviços e adesão à terapia antirretroviral, mas também de se investir na prevenção.
“Uma boa notícia é que, recentemente, o PCDT (Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas) para PrEP ampliou a faixa para acima de 15 anos. Antes, era só para maior de 18. Essa é uma boa estratégia para tentar atingir esse público, que não se preocupa muito com o uso de camisinha. O que também é preciso fazer é um trabalho mais forte de educação sexual. Muitos adultos acham que falar sobre sexo com crianças e adolescentes pode estimular a sexualidade antes da hora, contudo, é fundamental não perder tempo e não deixar para falar apenas depois que o ato sexual já aconteceu.”
Mortes por aids em queda
O Brasil tem registrado, anualmente, uma média de 36,4 mil novos casos de Aids nos últimos cinco anos. Pelos dados do boletim, entre 2013 e 2017, apresentou, ao ano, uma redução média de 2,8%. Nos anos seguintes, 2018 e 2019, o declínio foi menor, 1,2% e 0,8%, respectivamente.
A pandemia de covid-19 causou um importante impacto nessas notificações e contribuiu para uma queda de 20,1% nos registros, o que representa 7.689 casos a menos, quando comparados os anos de 2019 e 2020.
Entretanto, em 2021, houve um incremento de 15% (35.246 casos) em relação ao ano anterior, mas ainda assim menor que em 2019. Em 2022, até o mês de junho, foram 15.412 registros.
Em relação à taxa de detecção de HIV, a queda foi de 26,5% no Brasil, passando de 22,5 casos/100 mil habitantes em 2011 para 16,5 casos/100 mil habitantes em 2021. No mesmo período, essa redução foi mais expressiva no sexo feminino (43,6%). Em 2021, a razão de sexos, foi de 25 homens para cada dez mulheres.
Em 2021, para homens de 13 a 19 anos, 20 a 29 anos e 30 a 39 anos, a categoria de exposição predominante nos casos detectados de Aids foi novamente a de HSH, correspondendo a 64,1%, 65,1% e 43,2% dos casos nessas faixas etárias, respectivamente. Para homens com mais de 40 anos, a prática heterossexual é predominante, assim como nas mulheres em todas as idades.
Quando o assunto é morte pela doença, o documento do Ministério da Saúde exibe que, da década de 1980 até 2021, foram notificados no Brasil 371.744 óbitos por essa razão. A boa notícia é que, de 2011 a 2021, verificou-se queda de 24,6% no coeficiente de mortalidade padronizado para o país —passou de 5,6 para 4,2 óbitos por 100 mil habitantes.
“No início da pandemia de Aids, contrair o vírus era quase uma sentença de morte; rapidamente havia a evolução para a Aids. Primeiro, não tinha tratamento. Depois surgiu, mas não era altamente eficaz. Quando a eficácia melhorou, as pessoas apresentavam muitos efeitos colaterais. Hoje, vivemos um momento em que a terapia, apesar de ainda não curar, controla super o quadro. Na atualidade, HIV/Aids é considerado uma doença crônica e é controlável, como a hipertensão arterial e o diabetes”, salienta o infectologista Victor Castro Lima, professor da EBMSP (Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública) e coordenador do serviço de Infecção Hospitalar da Rede Mater Dei de Saúde de Salvador, na Bahia.
Vasconcelos complementa que a queda no número de mortes também se deve às políticas adotadas pelo Ministério da Saúde, incluindo testagem rápida e tratamento disponível pelo SUS (Sistema Único de Saúde). “Precisamos apenas conseguir reproduzir o que aconteceu no Sudeste, que é a região com os menores índices, no resto do país, bem como incorporar novas abordagens para fazer o cenário melhorar mais.”
Sobem as notificações em gestantes
Outro dado importante apresentado pelo Boletim Epidemiológico HIV/Aids 2022 é o de alta no número de diagnósticos de HIV em mulheres grávidas.
“Temos observado nos últimos anos uma tendência de elevação nessa população, o que é sempre uma preocupação. Mas isso pode ser reflexo do aumento do acesso aos testes diagnósticos durante a gestação e o parto, e esse diagnóstico é fundamental para se iniciar o tratamento o mais precocemente possível e, assim, diminuir o risco de transmissão para o filho”, pondera Lima.
Pelo documento do Ministério da Saúde, no período de 2000 até junho de 2022, foram notificadas 149.591 gestantes parturientes/puérperas com infecção pelo HIV. Entre 2011 e 2019, a taxa de detecção deste grupo subiu 30,8%, passando de 2,3 para 3 casos a cada mil nascidos vivos, seguida de certa estabilidade nos anos consecutivos. Em relação à faixa etária, mais da metade dos casos encontram-se entre 20 e 29 anos de idade, o que novamente mostra a maior incidência entre os jovens.
“Mais um ponto bem observado nos últimos anos é a queda progressiva na taxa de detecção de Aids em menores de 5 anos. Um fato que precisa ser comemorado e que muito provavelmente tem ligação direta com o aumento dos diagnósticos nas mães”, completa o infectologista da Rede Mater Dei.
Entre 2001 e 2021, a queda neste índice foi de 66%, passando de 3,4 casos/100 mil habitantes para 1,2 casos/100 mil habitantes. Todas as regiões acompanharam o movimento no período avaliado. A Sul foi a que teve a maior diminuição (83,8%), seguida da Centro-Oeste (79,7%), da do Sudeste (74,2%), da Norte (51,9%) e da Nordeste (39,8%).