“E se ela tinha HIV?”, pergunta uma voz masculina enquanto a câmera mostra um jovem pensativo. “E se ele tinha HIV?”, emenda cena semelhante com uma mulher.
Nas campanhas de prevenção do HIV feitas na gestão de Jair Bolsonaro, incluindo a lançada na sexta, “ele” só combina com “ela”. É como se, de repente, gays não existissem.
Foi assim também em outubro, quando o Ministério da Saúde lançou uma campanha sem esse público e com foco em medo, nojo e repulsa de infecções sexualmente transmissíveis. Ou em fevereiro, quando até o Carnaval foi retirado de cena.
Em entrevista à Folha antes da posse, o escolhido por Bolsonaro para a Saúde, Luiz Henrique Mandetta, citou o que seria uma de suas prioridades: investir em campanhas para prevenir DSTs. “Mas sem ofender as famílias”, emendou.
Em 11 meses, o governo parece cumprir à risca esse papel: excluiu, nas campanhas deste ano, qualquer menção a populações-chave para controle do HIV, seja por atores, seja por mensagens —ao contrário do que fizeram todas as peças dos últimos cinco anos.
Pouco importa se a prevalência de HIV entre gays e outros homens que fazem sexo com homens seja de 18,4%, contra 0,4% na população geral. Ou que pesquisas apontem importância de campanhas direcionadas aos mais vulneráveis.
Na retórica conservadora de Bolsonaro, há silêncio mesmo quando a intenção é falar em prevenção. Não foi à toa que ele recomendou a pais rasgarem páginas de uma cartilha que ensinava adolescentes sobre o uso de camisinha. Também não foi por acaso que a Prep (profilaxia pré-exposição), pílula ofertada no SUS para prevenir o HIV em alguns grupos, já nem é mencionada.
Com Bolsonaro, a política de HIV que colocou o Brasil na vanguarda caminha para o silêncio. Em maio, o antigo departamento de aids deixou de citar a doença em seu nome.
O governo pode até alegar que o investimento não mudou. Mas a visibilidade que se dá ao tema, sim.
Fonte: Folha de S. Paulo