Audiência pública na CLDF debateu sobre políticas de Enfrentamento ao Estigma às Pessoas com HIV/Aids
No Distrito Federal, de 2019 a 2023, foram notificados 3.791 casos de infecção pelo HIV e 1.333 casos de Aids em residentes da capital federal. Nesse período, observou-se uma tendência de redução do coeficiente de detecção de Aids por 100 mil habitantes, de 10,0 no ano de 2019, para 7,0 no ano de 2023, como mostra o Informativo Epidemiológico da Secretaria de Saúde do DF (SES-DF).
Mesmo com a redução, o estigma e a discriminação com a população infectadas pelo vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) e de adoecimento pela síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) ainda são os maiores desafios. O debate foi estabelecido durante audiência pública realizada na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) nesta terça-feira (3).
Para o deputado distrital e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética da Casa, Fábio Felix (Psol), a discriminação ou preconceito executado, tem uma dimensão muito mais objetiva e concreta, diferente do estigma, que é mais subjetivo e velado. “O estigma é mais difícil de ser mensurado e medido, porque ele tem um efeito brutal nas políticas públicas que queremos construir e efeito em relação aos dados que temos hoje sobre o HIV/Aids no Brasil.”
Ele ainda estabelece que, para a questão do estigma, a educação sexual é fundamental, uma vez que é a partir da prevenção que as pessoas vão buscar os instrumentos em relação a sua sexualidade, e conhecer o atendimento em relação ao vírus.
Na ocasião, Beto Jesus, ativista da luta contra o HIV/Aids e diretor da AIDS Healthcare Foundation (AHF) – organização não governamental que atua na luta contra o HIV/Aids em todo o mundo – aponta que, algumas pessoas, por questão de estigma ou trabalho, acabam deixando o tratamento. E, ao abandonar o tratamento, abre possibilidade para novas infecções.
“Falar do direito das pessoas que vivem com HIV/Aids é muito importante porque parece que tudo já está resolvido, mas não é verdade. O estigma e a descriminalização seguem muito fortes. As pessoas, muitas vezes, têm medo de que sua sorologia seja revelada e elas ganhem um não-lugar social”, diz Beto Jesus.
No mundo, das 39,9 milhões de pessoas vivendo com HIV em todo o mundo, quase um quarto (9,3 milhões), não estão recebendo o tratamento adequado. Como consequência, uma pessoa morre por minuto por causas relacionadas à Aids, segundo relatório divulgado pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids).
Já no Brasil, nos últimos dez anos, o país registrou queda de 25,5% no coeficiente de mortalidade por Aids, que passou de 5,5 para 4,1 óbitos por 100 mil habitantes. Em 2022, o Ministério da Saúde registrou 10.994 óbitos tendo o HIV ou Aids como causa básica, 8,5% menos do que os 12.019 óbitos registrados em 2012.
Apesar da redução, cerca de 30 pessoas morreram de Aids por dia no ano passado. Do total, segundo o novo Boletim Epidemiológico sobre HIV/Aids apresentado pelo Ministério da Saúde, 61,7% dos óbitos foram entre pessoas negras (47% em pardos e 14,7% em pretos) e 35,6% entre brancos.
Para Ariadne Ribeiro, assessora do programa Unaids Brasil, da Organização das Nações Unidas (ONU), as barreiras de acesso para um tratamento adequado acontecem quando países legislam contra as pessoas portadoras do vírus. “Como, por exemplo, diversos países que criminalizam as relações de pessoas do mesmo sexo. Antes, existe um ambiente social propício ao estigma e ao preconceito que abrem espaço para leis que permite que a discriminação esteja tudo bem”, explica Ariadne.
Também presente na audiência, o estudante de medicina Lucas Pucarato informou que faz o tratamento contra o HIV há quase cinco anos. Para ele, apesar de ter um certo nível de informação e saber que a “vida não ia acabar”, ainda sim houve alguns receios sobre conseguir ter uma “vida livre, encontrar uma pessoa que eu amo e conseguir falar sobre isso abertamente”.
“O estigma é a principal barreira que afasta as pessoas do tratamento todos os dias, que retardam diagnostico. Estamos cansados de saber que o estigma em níveis diferentes afeta as pessoas de forma diferente, mas todas são afetadas”, diz Lucas.
Luta contra o preconceito
Também presente na audiência pública, Michel Platini presidente do Centro de Defesa dos Direitos Humanos e do Grupo Estruturação, grupo LGBT+ de Brasília destacou a importância de realizar campanhas para a população com deficiência, principalmente, para a população surda.
Ele explica que, mesmo após 40 anos da epidemia, ainda há 10 mil brasileiros que morreram vítimas da Aids e 33 mil brasileiros infectados com uma doença “prevenível” e “tratável”. “A gente se depara com outros dados de que 40% das pessoas que descobrem o diagnóstico, abandonam o tratamento. Por isso, a necessidade de realizar campanhas é imediata”, lembra Platini.
“O estigma e a descriminação são desoladores. É inimaginável pensar que uma pessoa sofre discriminação por uma questão de saúde. O HIV, assim com a diabete e outras comorbidades, não podem carregar estigmas e preconceitos, já que isso faz com que as pessoas abandonem tratamento e se isolem. Isso mata as pessoas diariamente.”
Neste dia primeiro de dezembro, foi marcado o Dia Mundial de Luta Contra a Aids, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida pelo vírus HIV. A data foi instituída pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1988.
Para o presidente do Fórum de Ongs, Redes e Movimentos de Luta contra Aids (Foa DF), Rosildo Inácio da Silva, até hoje, as pessoas discriminam pessoas que vivem com HIV, sendo que é “apenas falta de informação”. “Aqui na capital federal, nosso serviço é precário, porque ainda falta muitos profissionais. Por exemplo, consultas com infectologistas, é após seis meses da procura da unidade básica.”
“Muitas campanhas são lançadas apenas no primeiro de dezembro. Mas, o HIV/Aids é o ano todo que as pessoas contraem o vírus. Não é apenas um dia, mas todos os dias.”
A promotora de Justiça do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação do Ministério Público do DFT, Adalgiza Medeiros – “É importante falar que um dos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, número 3, é eliminar a epidemia de Aids. Mas reforça que, somente vamos conseguir isso, com eliminação de violação de direitos humanos que permeiam a epidemia.”
Uso da PrEP e PEP
Em 2023, o Ministério da Saúde já havia anunciado o cumprimento da meta de pessoas com carga viral controlada (95%). Agora, novos dados mostram que ano passado o Brasil subiu seis pontos percentuais na meta de diagnóstico das pessoas vivendo com HIV, passando de 90% em 2022 para 96% em 2023. Com isso, é possível afirmar que o Brasil cumpre duas das três metas globais da ONU com dois anos de antecedência.
Segundo o Ministério, o aumento foi registrado devido à expansão da oferta da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), uma vez que para iniciar a profilaxia, é necessário fazer o teste. Com isso, mais pessoas com infecção pelo HIV foram detectadas e incluídas imediatamente em terapia antirretroviral. O desafio agora é revincular as pessoas que interromperam o tratamento ou foram abandonadas, muitas delas no último governo, bem como disponibilizar o tratamento para todas as pessoas recém diagnosticadas para terem melhor qualidade de vida.
Durante a audiência, o representante do Departamento HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, José Alonso, destacou que, no DF, há uma extensão da PrEP. “Hoje, trabalhamos com a ideia de ter uma proporção de pessoas em PrEP em relação ao quantitativo de pessoas detectadas com HIV em determinada localidade. Queremos atingir a proporção de que a cada pessoa vivendo com HIV, é preciso ter três pessoas em PrEP. Aqui, no DF, em 2023, a proporção era de 2,8, agora em 2024, essa proporção é de 4”, relatou o representante.
Já em um cenário nacional, o desafio é outro. “Hoje, 95% das pessoas infectadas sabem do diagnóstico. No entanto, a quantidade de pessoas se mantendo em terapia antirretroviral (Tarv), é de 87%. Esse é nosso grande desafio”, disse Alonso.
Ainda no DF, a gerente de Vigilância de Infecções Sexualmente Transmissíveis (Gevist) da Secretaria de Saúde do DF (SES-DF), Beatriz Maciel Luz, conta que vem sendo trabalhado a ampliação da atenção primaria, como elaboração de documentos e maior capacitação dos profissionais de saúde. Porém, ela explica que não tem PrEP e PEP em todas as 175 unidades de saúde da capital, uma vez que é “um procedimento caro”.
“A saúde sozinha não vai dar conta. Temos uma enorme responsabilidade com oferta a acesso de diagnóstico, prevenção e tratamento. Mas a saúde sem educação, serviço social cultura e justiça, e, principalmente, parceria de controle social, não daremos conta.”
Em 2023, foram 85 óbitos pela Aids no Distrito Federal. Segundo a representante, a Secretaria tenta, agora, observar qual a falha da próxima rede levando as pessoas a morrem por uma “doença que já não deveria levá-las a óbito”, afirmou Beatriz.
Fonte: Brasil de Fato