Há quatro anos, o assistente administrativo Matheus de Oliveira, de 25 anos, viu a irmã, de 9 anos, morrer em decorrência da dengue. A família atravessou o luto com tristeza, mas também com a sensação de que algo deveria ser feito. Assim, Matheus, o irmão, a mãe e o padrasto se inscreveram como voluntários nos testes de uma vacina contra dengue, coordenada pelo Instituto Butantan, realizados no Hospital das Clínicas da USP. Voluntários como eles são essenciais para o avanço de pesquisas científicas e são muito requisitados nestes tempos de novos surtos.

“Minha irmã me inspirou. Estou saudável, pratico esportes, posso ajudar outras pessoas”, explica Matheus, que acabou se tornando voluntário para a vacina contra zika, depois que o grupo para dengue foi completado.

Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em 2017 foram autorizados 187 testes de medicamentos e dois de vacinas em voluntários no Brasil. O perfil de quem participa varia. Há pessoas como os membros da família Oliveira, motivados por uma perda ou um caso grave próximos. Ou ainda como a advogada Ana Paula Rocha, de 24 anos. Ela recebeu a primeira dose de uma vacina experimental contra a zika em maio:

“Sempre admirei quem se voluntariava. Um dia, vi uma reportagem na TV sobre o projeto e resolvi ajudar. Dando certo, o benefício social será grande. Por que não participar?”

Por lei, voluntários não podem ser remunerados no Brasil, diferentemente de outros lugares no mundo. Recebem, no máximo, reembolso de transporte, hospedagem ou alimentação. Na mesma pesquisa da qual participa Ana Paula, já foram vacinadas 28 pessoas. A busca, no entanto, continua: são necessários 250 voluntários na fase atual, em que estão sendo avaliadas eficácia e segurança.

“O voluntário é o elemento principal para confirmar se uma vacina funciona”, diz Alexander Precioso, diretor da Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Instituto Butantan.

O Butantan produziu uma vacina contra dengue a partir dos quatro vírus da doença atenuados no NIH, centro público de pesquisa de saúde dos Estados Unidos:

“Estamos na fase III, em que recrutaremos 17 mil voluntários, em 16 centros de pesquisa no país, entre 2 e 59 anos. Ainda buscamos crianças de 2 a 6 anos.”

O requisito de idade varia. No caso da vacina contra zika, feita em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), são jovens de 15 a 35 anos. Os voluntários passam por uma triagem de idade e bateria de exames. Aprovados, alguns recebem as doses; outros, placebo. O objetivo é saber se quem tomou a vacina ficou protegido.

Em toda pesquisa, quem se voluntaria é monitorado por até cinco anos. Há riscos envolvidos, como náuseas, vômitos e até alergia. Os efeitos variam, e ninguém é obrigado a ficar.

“Todos assinam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Esclarecemos dúvidas, mostramos os resultados. Mas voluntário não é cobaia, pode sair se quiser”, afirma o infectologista Esper Kallás, professor de Imunologia Clínica e Alergia da Faculdade de Medicina da USP.

Nos últimos cinco anos, 1.400 voluntários passaram pelo Laboratório de Psicofarmacologia Clínica da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto. Mais de 40 estudos com canabidiol, um derivado da maconha, são feitos na instituição. Segundo José Alexandre Crippa, professor do Departamento de Neurociências, os voluntários são fundamentais nesse caso para saber se o tratamento em teste pode superar as medicações já conhecidas. Entre os que se apresentaram para as pesquisas estava Lenisa Souza, estudante de Medicina, de 25 anos:

“Pesquisas sérias são importantes. Participei de um estudo sobre os efeitos do canabidiol no sono. Pesou o fato de ser algo promissor. Eu me senti útil, fazendo minha parte.”

Quem pode ser voluntário?

Depende do perfil da pesquisa. No caso de vacinas, geralmente são pacientes saudáveis, que nunca tiveram a doença em questão. Para medicamentos, há grupos de voluntários saudáveis e infectados com a patologia em estudo. As idades exigidas variam segundo o projeto. Um grupo recebe de fato a vacina ou remédio, e outro recebe placebo. O objetivo é saber se quem tomou o produto específico ficou protegido ou teve melhoras.

A técnica de laboratório Sandra Bernardo, de 50 anos, foi atraída por motivação parecida a um estudo que testava inalação de óxido nitroso em pacientes com depressão leve e moderada.

“Podia até não dar certo para mim, mas a partir desse estudo poderiam surgir outros que beneficiassem pessoas com os mesmos problemas. E trazer alternativas”, conta a voluntária.

Os estudos envolvem pessoas saudáveis e com patologias. Há gente como Lenisa, que se voluntaria em prol da ciência, e há também quem veja como motivação a possibilidade de fazer exames regulares.

“A avaliação rigorosa de saúde em uma instituição de excelência e a possibilidade de receber um medicamento inovador também contam”, explica Crippa.

Cerca de 40% dos 187 testes autorizados para medicamentos no último ano corresponderam a pesquisas contra o câncer. Entre eles estava o que levou a uma imunoterapia para pacientes com câncer de pulmão, o Tecentriq.

“O estudo envolveu o Inca (Instituto Nacional de Câncer) e a Roche, com pacientes com câncer de pulmão avançado”, explica o oncologista Luiz Henrique Araújo. “No pior dos cenários, os voluntários recebem um tratamento de padrão mundial. Neste caso, vários pacientes conseguiram controle da doença.”

Preconceito contra HIV

A demanda por voluntários abre espaço para empresas como a Azidus, em Valinhos (SP), que gerencia estudos e recruta voluntários para estudos de bioequivalência com genéricos. Segundo a CEO Luciana Ferrara, muitas pessoas são atraídas pelo reembolso de transporte e alimentação, que pode ir de R$ 600 a R$ 1 mil, por 20 dias de testes, indo até lá várias vezes.

“Quando ligam, logo perguntam: “Quanto paga?”. Nos EUA, os voluntários são remunerados. Aqui há regras para não virar profissão. Uma delas é que o voluntário é obrigado a dar um intervalo de seis meses entre uma pesquisa e outra”, diz Luciana.

Desinformação e medo ainda são obstáculos. R.M., que prefere não se identificar, de 44 anos, enfrentou a resistência de amigos por participar de um teste de vacina anti-HIV, há quatro anos.

“Nos anos 1980, vi muita gente bacana ir embora cedo por causa de aids. Quando li na internet que buscavam voluntários para vacina, quis participar”, lembra ele. “Muita gente ficou com medo, porque ela tinha o vírus atenuado. Mas o processo é transparente, há muita informação.”

Jamais houve comprovação de que o vírus atenuado fosse capaz de infectar alguém. Valdez Madruga, infectologista e responsável pelo CRT DST/Aids, da Secretaria estadual de Saúde de São Paulo, é enfático:

“Sem voluntários, não avançamos. Mas ainda precisamos vencer a lentidão dos processos regulatórios no país para nos tornarmos mais competitivos.”

O CRT prevê mais um teste de vacina anti-HIV em 2019. USP e Butantan também testarão uma vacina para um novo vírus de gripe. O coro é o mesmo, tanto nestes, quando nos estudos de dengue e zika: procuram-se voluntários.

Fonte: O Globo