Aconteceu na tarde desta terça-feira, 26, o painel “Pegando” a segunda Onda no Brasil, dentro da Conferência COVID-19 nas Américas – Repensando tudo, que teve como moderadora a Dra. Adele Benzaken, Diretora Médica do Programa Global da Aids Healthcare Foundation (AHF). Ela conversou com o Dr. Julio Croda, médico Infectologista da Fundação Oswaldo Cruz, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e da Yale Public Health School.

Dra. Adele começou a conversa informando que 99,5 milhões de pessoas já se infectaram e 2,2 milhões já morreram em decorrência da covid-19, dados divulgados em 24 de janeiro. No Brasil são 9 milhões de infectados, “nós testamos pouco”, e quase 220 mil mortos. Seu primeiro questionamento foi se estamos realmente pegando a segunda onda ou não e quis saber “por que estamos sofrendo tanto com a pandemia, o que deu errado no Brasil?”

Segunda onda

“Apesar do esforço importante de pesquisadores, da sociedade científica e alguns prefeitos e Estados, a gente teve muita dificuldade de implantar o distanciamento. Nós não tivemos lockdown como houve na Europa, nós não priorizamos diminuir internações e óbitos, como em outros países. Nós implantamos algumas medidas que reduziram a transmissão, controlaram a doença, mas em um patamar muito elevado”, argumentou Croda. Ele disse que, ao contrário da Europa, o Brasil não teve uma redução brusca no número de casos, que a situação do país se assemelha mais a dos Estados Unidos, onde houve uma redução de casos, mas em um platô mais elevado, com mais de 400 óbitos diários. “A gente nunca teve essa redução brusca associada às medidas restritivas de distanciamento social, então a gente teve a continuação da primeira onda”, observou.

Ele explicou que em algumas cidades ou estados, como Manaus, onde não houve apoio nenhum do governo federal, no sentido de implantar as medidas necessárias para o distanciamento social, houve um pico de infecções e uma queda muito brusca. “Muita gente pegou, muita gente se hospitalizou, muita gente morreu já naquele momento da primeira onda e houve uma redução importante sim. E aí em Manaus, há duas ondas bem claras.”

Em relação ao que deu errado, o médico ressaltou que não houve comunicação adequada. “Durante uma pandemia dessa magnitude que a gente só teve no século passado, deveríamos ter tido uma comunicação mais assertiva, baseada no que os organismos internacionais já tinha proposto anteriormente. Faltou essa liderança no Ministério da Saúde. Não há um indicador a ser utilizado pra propor o fechamento de atividades essenciais, para propor lockdown em algumas cidades. Como compensar isso do ponto de vista social? Aumentar o suporte social, o auxílio emergencial nessas regiões. O número de informais no Brasil é muito grande. A gente tem que lançar mão, como os países desenvolvidos lançaram, de suporte social nesses momentos mais críticos da pandemia e modelar isso à medida que a pandemia se torne menos importante para o setor econômico.”

Na opinião da Dra. Adele, faltou também maior envolvimento do sistema de atenção primária. “Não só na questão da comunicação, mas também de testagem, de isolar contactantes.”

Novas variantes do vírus

A médica, que é natural do Amazonas, salientou que a Estado – atualmente vivendo uma situação trágica – tem o maior número de infectados e óbitos por cada cem mil habitantes e tem um sistema de saúde que está colapsado. “O Amazonas tem uma população concentrada em sua maioria na cidade de Manaus, mas nós temos uma população que vive em áreas geográficas de difícil acesso, que são as populações indígenas e as populações ribeirinhas, assim como outros 61 municípios do estado que não tem um sistema de saúde com condições de lidar com uma pandemia dessa dimensão”.

Surgiu uma nova variante do vírus em Manaus e ela quis saber como surge uma nova variante, qual a virulência, se ela muda o quadro clínico do paciente e se proporciona a reinfecção.

“Eu costumo chamar essa variante de P1, até para não personificar, para não associar a nenhuma região. O Amazonas tem um número de leitos de UTI muito baixo, talvez um dos mais baixos do país, e concentrados todos em Manaus. Lá a atenção primária ainda é muito deficitária e o sistema de saúde frágil. Quanto menos leitos de terapia intensiva você tem, mais medidas restritivas você tem que impor pra conter a população, porque o seu limite fica muito perto do esgotamento do serviço de saúde. Um sistema de saúde historicamente deficitário comparado ao resto do Brasil, inequidade de acesso à saúde, associado à falta de medidas de isolamento social e a introdução de uma nova variante. Foram essas situações que levaram à tragédia na cidade de Manaus”, explicou o médico.

Dr. Croda esclareceu que só existem três variantes com impacto epidemiológico importante no mundo: a da África do Sul, a do Reino Unido e a de Manaus. Em comum, elas têm duas alterações importantes que, in vitro, foram associadas a maior transmissibilidade, que é uma mutação no aminoácido 501 e no 484. “Essa característica surgiu independentemente nessas regiões, de forma aleatória. Essa mutação específica está associada a maior transmissibilidade. Como a transmissão se transforma de forma exponencial, é muito mais grave uma variante ser mais transmissível do que letal, o impacto no sistema de saúde é muito maior. Atualmente, os dados mostram que essa variante se tornou predominante no Reino Unido, 50 a 80% dos casos são dessa nova variante. Da mesma forma aconteceu na África do Sul e em Manaus. O Brasil ainda sabe muito pouco dessa nova variante e ela pode ter um impacto importante no resto do país”.

Quanto à reinfecção, o infectologista frisou que em dezembro de 2020 e janeiro deste ano, aumentou o número de casos comparado aos outros meses. “Estamos vendo também um acometimento em uma faixa etária mais jovem. São características que acho que o Ministério da Saúde deveria ficar mais atento. Isso pode fazer com que a gente retome um aumento de casos onde a doença está sob controle.”

Vacinação

Dra. Adele chamou a atenção para o fato de que “quanto maior a cobertura vacinal, menos mutações teremos”.

“Também quanto menos também controle da circulação do vírus, das medidas de distanciamento, quanto mais infecções, maior a chance dele mutar”, complementou o Dr. Julio Croda. “Então a vacina e vírus circulando livremente, favorece que apareça uma variante mutante e ela se torne predominante. Isso acontece em todas as doenças virais.”

O médico ainda comentou que o Brasil, um país líder em imunização, teve um planejamento inadequado em relação às vacinas. “Nós não deveríamos abrir mão de nenhum tipo de vacina, em qualquer quantitativo de vacina. Nós somos craques em vacinar, temos 38 mil salas de vacina, temos capilaridade e a gente faz o maior programa público de vacinação do mundo que é o da influenza, que a gente administra para 80 milhões de brasileiros todo ano. A gente chega na população indígena, nas comunidades mais distantes, por conta do SUS, por conta de ter a atenção primária forte. A gente sabe como vacinar mas a gente precisa de produto. A gente optou por dois investimentos nos nossos laboratórios públicos, tem que ser feito isso mesmo, mas a gente não sabia qual vacina seria realmente eficaz. A gente abriu mão de um contrato com Pfizer, talvez não tenhamos a vacina deles, e a gente poderia ter hoje um quantitativo expressivo se lá no meio do ano passado a gente tivesse feito um memorando de entendimento. Não tem justificativa para isso”.

Ele criticou o fato de não existir também uma negociação clara em andamento com a Janssen, que criou uma vacina de dose única. “Nesse momento o que é preciso é o maior número de vacinas de qualquer laboratório que tenha capacidade de entregar para o Brasil”.

Tratamento precoce

“Não existe tratamento precoce, não existe antiviral efetivo pra covid. Então, hidroxicloroquina, ivermectina, Anitta, nada disso funciona. Não é ser cético, é só olharmos a história. Para doença viral crônica, a gente tem antiviral desenvolvido. Por exemplo, para influenza, a gente tem Tamiflu. Agora, pegue outros vírus. Adenovírus não tem antiviral, o vírus da dengue mata tantos brasileiros, chicungunha não tem antiviral, zika vírus não tem. É muito ifícil criar um antivírus para doença aguda, então não seria neste momento que a história, que a biologia iriam mudar.”

 

Dra. Adele encerrou a conversa dirigindo a palavra aos profissionais de saúde do Brasil. “cansados pela rotina desgastante, sofrendo pressões físicas inimagináveis, burnout, e que, apesar de tudo, honram a medicina, fazendo esse atendimento dos infectados. Queria deixar aqui as minhas saudades, em particular para aqueles que se foram, meus colegas de Manaus, que se foram durante essa verdadeira guerra, que lutaram pela sobrevivência das pessoas que estavam atendendo. Nossa emoção, nosso agradecimento especial aos médicos e todos os profissionais de saúde de Manaus, enfermeiros, amigas também que se foram nas últimas semanas em Manaus.”

 

A conferência O COVID-19 nas Américas é patrocinada pelo Instituto de Saúde  Pública Global da AHF, pelo Instituto de Estudos Avançados das Américas (ambos na Universidade de Miami) e pela Associação Internacional de Provedores de Cuidados em HIV/aids (IAPAC).

 

Maurício Barreira

 

Dica de Entrevista

 

Dra. Adele Benzaken

E-mail: Adele.Benzaken@ahf.org

 

Dr. Julio Croda

Ascom Instituto Oswaldo Cruz (IOC)

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