Em 99% dos casos, vírus está ligado ao câncer de colo de útero, o terceiro mais incidente entre as brasileiras. Imunização e exame preventivo são armas poderosas para combater a doença

Vacina está disponível no sistema público e privado

A secretária Ângela Mota Fagundes, de 36 anos, já tinha ouvido falar sobre câncer de colo de útero. A doença, no entanto, parecia uma possibilidade tão remota que, no corre-corre diário, ela nem sequer abriu o laudo do exame preventivo.

Um ano e meio se passou, até que ela começou a trabalhar com uma ginecologista e pediu para a médica olhar o resultado do teste. Fagundes tomou um susto ao descobrir a existência de uma lesão suspeita no útero.

“A médica explicou que, provavelmente, a doença tinha evoluído e eu teria que fazer uma cirurgia. Foi exatamente o que aconteceu. Quando eu repeti o exame, a lesão tinha aumentado de baixo para de alto grau”, relembra ela, um ano e meio após a operação.

O que é o câncer de colo de útero?

Em 99% dos casos, o câncer de colo de útero está ligado ao papilomavírus humano, conhecido como HPV, na abreviação do nome em inglês. Fagundes sabia disso. Porém acreditava que, por não ter vida sexual ativa na época em que fez o Papanicolau, estava imune ao vírus e, consequentemente, ao tumor.

“Só mais tarde a médica me explicou que o HPV não é um sinal de promiscuidade. Existem muitas mulheres casadas, que só tiveram um parceiro na vida, e carregam o vírus no corpo. Tem gente que passa a vida inteira com HPV e ele não se manifesta. A pessoa não precisa operar, nem fazer nada, só ficar monitorando”, diz ela.

No seu caso, porém, o micro-organismo causou mutações que levaram à lesão no colo do útero. Se ela não tivesse sido operada a tempo, a ferida poderia vir a se transformar em uma neoplasia.

Como é a vacina contra o HPV

O câncer de colo de útero é o terceiro tumor mais incidente entre as brasileiras, sem contar os de pele não melanoma. Para cada ano do triênio 2023-2025, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) prevê 17.010 casos novos, com 6.606 mortes.

A melhor estratégia de combate à doença é a realização periódica do exame preventivo associada à vacina que combate o HPV com até 90% de proteção.

Há 10 anos, o imunizante está disponível de graça no Programa Nacional de Imunizações (PNI) atualmente para meninas e meninos de 9 a 14 anos. Além disso, também podem receber a picadinha sem pagar nada homens e mulheres de até 45 anos imunossuprimidos — como os que fazem tratamento para câncer e HIV — e as vítimas de violência sexual.

O cenário seria maravilhoso, se não houvesse um detalhe: a adesão da população à campanha é baixa.

Segundo o Ministério da Saúde, em 2023, 75,8% das jovens do público-alvo receberam a primeira dose do imunizante, e somente 57,4%, a segunda. Entre os meninos, os números são ainda piores: 52,2% tomaram a primeira dose, e 36,5%, a segunda. Para eliminar os tumores associados ao HPV, é necessário atingir 90% de cobertura vacinal.

Desafio de saúde pública

“A vacina é capaz de eliminar o câncer de colo de útero, mas, para isso acontecer, ela precisa chegar ao braço das pessoas”, diz a infectologista Raquel Stucchi, professora da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

O HPV é uma das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) mais comuns que existem, presente em cerca de 80% da população. Se você iniciou a vida sexual e não tomou a vacina, provavelmente já se infectou com algum dos mais de 150 tipos desse vírus.

Não existe um remédio específico para o HPV, que, além do câncer de colo de útero, está relacionado a tumores na vagina, vulva, ânus, pênis e orofaringe.

Para a maioria das pessoas, o próprio sistema imunológico se encarrega de despachar o agente invasor, sem nenhuma consequência. Uma parcela, porém, vai desenvolver verrugas genitais ou lesões que podem se tornar cancerosas.

Camisinha não previne totalmente o contágio do HPV

A vacina aplicada no PNI protege contra quatro sorotipos de HPV associados a tumores e verrugas. A estratégia de saúde pública é especialmente importante uma vez que o uso do preservativo não é suficiente para evitar totalmente a transmissão do HPV.

O contágio do vírus ocorre por meio do contato oral-genital, genital-genital ou manual-genital. O micro-organismo pode ser transmitido mesmo na ausência de penetração vaginal ou anal.

“A camisinha é importante para prevenir ISTs. O problema, no caso do HPV, é que ela serve de proteção parcial. Se houver HPV na base do pênis, por exemplo, o preservativo não previne a contaminação do vírus”, explica a oncologista Márcia Datz Abadi, diretora médica da MSD Brasil, fabricante de vacinas contra o vírus disponíveis tanto no sistema público quanto no privado.

Ignorância como obstáculo para a vacina

A baixa adesão à campanha de imunização se deve, entre outros motivos, aos tabus que rondam o HPV. Por se tratar de uma IST, alguns pais fantasiam que vacinar seus filhos seria um incentivo ao início da atividade sexual. “É algo descabido, mas esse discurso ainda se propaga e encontra terreno fértil em algumas populações”, lamenta Stucchi.

Outro argumento falacioso — que soa como música para os ouvidos de simpatizantes do movimento anti-vax — diz respeito aos supostos efeitos colaterais da vacina. Quando o imunizante começou a ser aplicado no Brasil, houve relatos de adolescentes que chegaram a desmaiar ao levar a picada no braço.

As investigações médicas revelaram que, na realidade, tratava-se de reações psicogênicas, um fenômeno já conhecido pela ciência, relacionado à ansiedade e ao medo da agulha, mais comum em meninas adolescentes do que em qualquer outro recorte social.

O temor é exagerado. Os únicos efeitos adversos cientificamente comprovados do imunizante são inchaço, dor, vermelhidão e coceira no local da aplicação.

É uma pena que tantos jovens percam essa janela de oportunidade. Além de ser ideal que uma pessoa receba a proteção antes de iniciar a vida sexual e entrar em contato com o vírus, a resposta imunológica de crianças e adolescentes é melhor do que a dos adultos.

O efeito é tão bom e duradouro que a vacina nesse público pode ser aplicada em somente duas doses, sem a necessidade de reforço. Acima de 15 anos são necessárias três.

Vale a pela tomar a vacina do HPV depois de adulta?

Para quem já passou da faixa etária da campanha — possivelmente, o seu caso — o imunizante está disponível nas clínicas privadas, em uma versão que protege contra nove cepas do vírus.

Cada dose custa, em média, mil reais. Mas, se você puder, vale a pena desembolsar 3 mil reais mesmo que já tenha iniciado a vida sexual e estiver infectada pelo HPV — sabendo disso ou não?

“Vale. Você pode ter tido contato com alguns tipos e não com outros. A proteção sem dúvida vai diminuir a chance de infecções. Além disso, a própria pessoa infectada reduz a reincidência de lesões que se tornam cancerosas”, garante Abadi.

Stucchi concorda: “Existe uma proteção cruzada. Os anticorpos produzidos pela vacina podem pegar até mesmo outros tipos de HPV”.

Depois da cirurgia, Fagundes tomou as três doses do imunizante. “Se eu puder dar um conselho, é: tome a vacina e faça o exame preventivo”, diz.