Delegada responsável pelo caso pede autorização ao STF para que o presidente seja ouvido pela fala na live

A Polícia Federal pediu ao ministro Alexandre de Moraes autorização para tomar o depoimento do presidente Jair Bolsonaro no inquérito que investiga a fala dele em que relaciona a vacina contra a Covid-19 à Aids. O pedido foi apresentado no relatório parcial da investigação entregue ao STF nesta quarta-feira (17).

A delegada Lorena Lima, que conduz a investigação, afirma que, com base em relatórios e depoimentos de testemunhas, identificou-se “a ocorrência de manipulações e distorções dos conteúdos das publicações que serviram de base para os temas propagados pelo Presidente da República”.

Um destes depoimentos foi o do tenente coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens do gabinete da presidência da República.

Na live, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que “Relatórios oficiais do Governo do Reino Unido sugerem que os totalmente vacinados […] estão desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida muito mais rápido do que o previsto”.

Estas informações, segundo Mauro Cid, teriam sido retiradas de publicações de um suposto artigo científico publicado pela revista “The Lancet” e reproduzido por veículos como Forbes, Agência Aids e revista Exame.

A PF, no entanto, verificou que nenhuma nas publicações traz o conteúdo dito por Bolsonaro. “Em nenhum momento, (as publicações) mencionam a existência de que essas informações teriam sido provenientes de relatórios oficiais do governo do Reino Unido, ou, ainda, que mencionados relatórios haviam sugerido que os totalmente vacinados estariam desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida muito mais rapidamente que o previsto”.

A PF explica que os veículos trouxeram o relato de que um grupo de pesquisadores, dentre os quais destaca-se a figura de Lawrence Corey, especialista do Centro de Pesquisas do Câncer Fred Hutchinson, nos Estados Unidos, alertam para o fato de que algumas das vacinas contra a Covid-19 atualmente em desenvolvimento poderiam aumentar o risco de contrair o HIV.

“Em nenhum momento foi mencionado que os totalmente vacinados estariam desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida muito mais rápido do que o previsto”, escreve a delegada Lorena Lima.

A PF também investigou a afirmação de Bolsonaro de que “a maioria das vítimas da gripe espanhola não morreu de gripe de espanhola […] mas de pneumonia bacteriana causada pelo uso de máscara”.

Em depoimento, o tenente coronel informou que a informação estava lastreada em um suposto artigo do médico Anthony Fauci, o que também não é verdade.

Segundo a delegada, o artigo em questão sequer usa o termo “mask” (máscara, em inglês) e tem conclusão diferente da que foi relatada por Bolsonaro na live.

A delegada viu, ainda, semelhança entre o inquérito em questão e o que investiga os atos antidemocráticos de 7 de setembro. Em ambos os casos, segundo ela, as investigações apontam para a necessidade de um “influenciador em posição de autoridade” que dissemine as notícias falas e desinformações para que o discurso seja validado.

A PF conclui ainda que as falas de Bolsonaro promoveram um “verdadeiro desestímulo” ao não uso da máscara e à não vacinação da população, ambas medidas recomendadas pela OMS.

Por isso, a delegada Lorena Lima inclui mais um crime contra o presidente Jair Bolsonaro, o de contravenção referente à paz pública. “Esse ‘encorajamento’ ao descumprimento de medida sanitária compulsória, encontra-se subsumido à conduta descrita no art. 286 do Código Penal, o qual descreve o tipo penal de incitação ao crime”, justifica a delegada.

Por fim, a PF pede a autorização do ministro Alexandre de Moraes, relator da investigação, para formalizar os indiciamentos no caso.

Apesar disso, a delegada sugere que a investigação aguarde uma decisão do Supremo em relação ao julgamento de um recurso apresentado pela Procuradoria-Geral da República no inquérito contra a decisão do próprio Moraes em iniciar a apuração.

Segundo Nascimento, ainda é preciso aguardar ofícios dirigidos ao Google e a autoridades estrangeiras, além de colher o depoimento do próprio presidente Bolsonaro no caso (seja por escrito ou presencialmente). Nesse caso, a delegada pede a autorização para realizar a oitiva.

Entenda o caso

O presidente disse, em live no dia 21 de outubro de 2021, que a população do Reino Unido estaria “desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida [aids]” após a imunização completa contra o novo coronavírus. A afirmação é falsa, e não há qualquer relatório oficial que faça essa associação.

Na ocasião, ele leu um trecho de uma notícia da revista Exame que foi publicada em outubro de 2020 com o título “Algumas vacinas contra a covid-19 podem aumentar o risco de HIV?”. A matéria afirma que pesquisadores estavam preocupados que algumas vacinas que usam um adenovcovidírus específico no combate ao vírus SARS-CoV-2 podiam aumentar o risco de que pacientes sejam infectados com HIV. No entanto, a revista diz que, até aquele momento, “não se comprovou que alguma vacina contra a covid-19 reduza a imunidade a ponto de facilitar a infecção em caso de exposição ao vírus.”

Na mesma transmissão ao vivo, Bolsonaro afirmou, citando um suposto estudo atribuído ao imunologista Anthony Fauci, que “a maioria das vítimas da gripe espanhola não morreu de gripe espanhola, mas de pneumonia bacteriana causada pelo uso de máscara”. Na época, as máscaras eram obrigatórias em locais públicos.

A PF diz que, ao espalhar informações falsas, o presidente “encorajou” a população a descumprir medidas sanitárias preventivas contra o novo coronavírus e gerou alarde “anunciando perigo inexistente”. O relatório afirma ainda que Bolsonaro agiu de “forma direta, voluntária e consciente”.

 

Redação da Agência Aids com informações