Na noite desta segunda-feira (26), um perfil no X entitulado Igor (@Kwieser00) que se autodenomina Red Pill postou uma série de tweets em que dizia ter feito um “experimento social” no aplicativo de relacionamento Tinder com um perfil falso em que compartilhava fotos de um homem bonito de alto poder aquisitivo (que chamou de macho alfa) cuja descrição afirmava viver com aids e que faria sexo somente com camisinha. Em seguida, contou que diversas mulheres cis deram match e diziam não se importar com o fato dele ter a doença.

O autor do pretenso experimento afirma em diversas publicações que queria provar como mulheres são interesseiras e não se importam em correr o risco de se infectar por HIV, desde que o parceiro tenha dinheiro. Imediatamente, dezenas de pessoas saíram em defesa das mulheres cis e das pessoas vivendo com HIV, explicando que o uso da caminha impede a transmissão de diversas infecções sexualmente transmissíveis, inclusive o HIV, que viver com HIV é diferente de ter desenvolvido a aids e que pessoas em tratamento têm a carga viral indetectável e portante não transmitem o vírus. Mas o red pill insistiu em continuar atacando as pessoas vivendo com HIV, chamando-as de aidéticas, termo que caiu em desuso devido ao alto grau de discriminação. Além disso, afirmou que não faz sexo com outros homens e por isso supostamente estaria livre de se infectar pelo HIV.

O médico infectologista Mateus Ettori Cardoso do Instituto de Infectologia Emílio Ribas (crédito: reprodução)

Para esclarecer algumas dúvidas, convidamos o médico infectologista Mateus Ettori Cardoso do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.”Com certeza os homens heterossexuais podem se infectar com o HIV. Só não pega HIV ou qualquer outra IST quem não tem nenhum tipo de relação sexual ou deixa de usar os vários métodos da prevenção combinada”. Ele ainda explica que o termo i=i quer dizer que indetectável é igual a intransmissível e que foi atualizado em 2023 para i=zero baseado em 4 grandes estudos (Partner 1 e 2 , Opposite attract e HPTN052) em que foi evidenciado que o HIV não é transmitido pela via sexual quando as pessoas estão em tratamento antirretroviral com a carga viral indetectável.

A Prevenção Combinada é uma estratégia cujo objetivo é ampliar as formas de intervenção para atender às necessidades de cada pessoa ou ainda das possibilidades de inserir o método preventivo na sua vida. Essas medidas visam evitar novas infecções sexualmente transmitidas, conhecidas como IST. A prevenção combinada inclui o uso de preservativo interno e externo, gel lubrificante, a profilaxia pós-exposição (PEP), a profilaxia pré-exposição (PrEP); redução de danos; testagem regular para o HIV; testagem das ISTs e hepatites virais; imunização para as hepatites A e B; tratamento de pessoas vivendo com HIV/aids e prevenção da transmissão vertical.

Sorofobia é crime

O tweet mal informado e destilando discriminação foi republicado mais de 2 mil vezes e teve 17 mil likes na internet, mostrando a extensão do estigma e preconceito enfrentado por mulheres cis e pessoas vivendo com HIV. Entretanto, muitas pessoas comentaram que tal comportamento se enquadra como sorofobia. Patrícia Rios, advogada do Movimento de Mulheres de São Gonçalo,  esclarece que sorofobia é o preconceito e discriminação contra pessoas com HIV/aids.”Esta conduta está tipificada como crime descrito na Lei 12.984/2014, que foi um marco na luta pelos direitos das pessoas vivendo com HIV. Qualquer pessoa que se sinta vítima desta conduta pode e deve procurar a Delegacia de Polícia mais próxima do ocorrido e realizar um Registro de Ocorrência com base na Lei nº 12.984/2014, objetivando criminalizar o ocorrido”.

Além disso, informa que “qualquer publicação na internet que contenha discriminação, ofensa ou ataque a honra de uma pessoa pode ser utilizada como prova em procedimento criminal e é passível de criminalização”. Segundo ela, a Lei que conhecemos como o “Marco Civil da Internet” traz em seus fundamentos a proteção à liberdade de expressão definindo seus limites pautados pelos direitos como o de proteção à honra, imagem e vida privada. “Portanto, havendo violação a estes direitos fundamentais, busque a Delegacia de Polícia mais próxima ou a Delegacia de crimes virtuais”, complementa.

Afinal, o que é Red Pill?

A psicóloga clínica e hospitalar do hfmusp Carina Pirró (crédito: arquivo pessoal)

Segundo a psicóloga Carina Pirró do HFMUSP, os “movimentos Red Pill” são comunidades compostas principalmente por homens que promovem uma visão de mundo centrada na ideia de que eles são frequentemente vítimas de discriminação e injustiças em áreas como relacionamentos, sexo, família e sociedade em geral. “O termo Red Pill é uma referência ao filme “Matrix”, onde tomar a ‘pílula vermelha’ representa uma escolha de ver o mundo como ele realmente é, mesmo que seja desagradável ou desconfortável”.

“No entanto, é importante observar que os movimentos Red Pill também têm sido criticados por promoverem ideologias misóginas, sexistas e antifeministas. Algumas de suas ideias e práticas são consideradas problemáticas e controversas, e vale o alerta de observar os riscos da adoção de uma mentalidade extremista ou de se envolver em comportamentos prejudiciais em nome dessas comunidades”, explica a psicóloga.

Marina Vergueiro (marina@agenciaaids.com.br)

 

Dicas de entrevista:

Mateus Ettori Cardoso – Mateus.cardoso@crt.saude.sp.gov.br

Patrícia Rios – patriciadiezrios05@gmail.com

Carina Pirró – https://www.instagram.com/terapia_no_insta/