A médica infectologista dra. Érika Ferrari atua no tratamento ao HIV/aids há mais de 20 anos e atualmente atua no SUS em um ambulatório especializado na Cidade de Barueri, onde desenvolveu uma abordagem integral no cuidado dos pacientes. Em sua prática, ela não apenas trata as infecções, mas também lida com outras doenças associadas, enfrentando desafios como interações medicamentosas e o estigma do diagnóstico. Seu trabalho abrange uma visão total do paciente, oferecendo suporte social, psicológico e nutricional através de grupos de apoio, que têm se mostrado fundamentais para a qualidade de vida dos pacientes.

Nesta entrevista, a dra. Érika compartilha como a infectologia se distingue por seu olhar abrangente da saúde, muitas vezes se tornando o ponto central de cuidado para muitos pacientes. Ela enfatiza a importância de um sistema de atendimento especializado, presente em todo o Brasil, que inclui serviços como ginecologia e infectopediatria. Esses serviços permitem um acolhimento mais completo, ajudando os pacientes a lidar com o estigma e a compreender que o diagnóstico de HIV não é uma sentença, mas uma condição que pode ser gerida com o tratamento adequado. Ela ainda destaca o papel crucial desses grupos de apoio em empoderar os pacientes, proporcionando-lhes um espaço para troca de experiências e fortalecimento mútuo.

Agência Aids: O que é exatamente a quarta meta de erradicação do HIV/aids que diz respeito à qualidade de vida e o que engloba?

A Organização Mundial de Saúde criou a meta 95-95-95, em relação a 95% dos pacientes diagnosticados, 95% em tratamento e 95% com carga viral indetectável. Só que a gente sabe, no dia a dia, que o tratamento da infecção por HIV engloba muito mais do que esses três tópicos. A gente tem que priorizar a qualidade de vida desses pacientes porque devido ao avanço do tratamento antirretroviral ao longo dos anos e das enormes comodidades que a gente tem atualmente como o menor número de comprimidos que facilitou enormemente o tratamento e a adesão das pessoas que vivem com HIV, hoje em dia, as pessoas estão envelhecendo com o HIV, algo impensável há 30 anos atrás. Agora, a gente tem outros desafios que é justamente a questão da longevidade. Esta quarta meta seria justamente referente a isso, porque o que a gente tem observado na prática clínica é o aparecimento das comorbidades, das chamadas doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão, obesidade, alterações ósseas e renais em uma população muito mais jovem. O que a gente vê é o aparecimento dessas doenças mais precocemente nessa população e é esse um dos principais desafios atuais da infectologia. O tratamento do paciente com HIV vai muito além da infectologia e a gente tem que manejar essas outras patologias também. Resumindo, a quarta meta é a administração dessas doenças crônicas não transmissíveis, de modo a promover a saúde e uma melhora da qualidade de vida nessa população.

Quais são as barreiras mais comuns que as pessoas vivendo com HIV enfrentam ao buscar qualidade de vida?

Existem várias. Se eu for fazer um link com a medicina do estilo de vida, existe a questão da alimentação. A medicina do estilo de vida já é uma especialidade médica em alguns países, mas no Brasil ainda não, e consiste numa área da medicina que trabalha com mudanças de hábitos para melhorar a qualidade de vida. Eu trabalho isso nas minhas consultas e geralmente falo para o paciente melhorar a alimentação. O Brasil tem uma política ainda incipiente em relação à alimentação. Recentemente começou a lei da rotulação, que coloca uma lupinha nos rótulos dos alimentos processados e ultraprocessados, para a pessoa saber que aquele produto é rico em gordura, açúcar adicionado, etc. Mas o que acontece? Os alimentos ditos melhores, integrais, são mais caros, os que têm pouca adição de açúcar. Isso é uma barreira econômica. Então, muitas vezes, eu tenho que falar para o paciente trocar o refrigerante por fruta, porque se eu falar para ele comprar um suco integral de garrafa vai custar absurdamente caro. É mais fácil eu pedir para esse paciente ir na feira, comprar a fruta da estação, que é mais barata, e fazer um suco natural. Então, são pequenas trocas. Por exemplo, não comer fritura, tentar não comprar alimentos processados, que são alimentos prontos, aquele que você vai esquentar no micro-ondas.

A relação do paciente com a atividade física é outro ponto importante. O Brasil é o país mais sedentário da América Latina. Mais de 50% da população brasileira não pratica exercício físico. Alguns centros de atendimento especializados têm um educador físico para orientar os pacientes, mas não é uma regra. Então, a gente estimula a caminhada, optar por usar escadas ao invés de elevador, etc.

A gente orienta também a questão do sono, pois o uso das telas de celulares atrapalham muito a qualidade do sono e se sabe que as pessoas que vivem com HIV têm muitos problemas relacionados ao sono. Existe também a questão do controle dos tóxicos, como o álcool e o tabaco: o consumo do álcool aumentou muito durante a pandemia e no pós-pandemia e o tabaco é um dos principais fatores de risco que nessa população em relação a doenças cardiovasculares. Existe também o manejo do estresse , que basicamente significa o tempo que a pessoa tem para cuidar, o tal do autocuidado.

Como a saúde mental e o apoio psicológico são integrados nos cuidados de pessoas com HIV?

A saúde mental e o apoio psicológico são integrados nos cuidados de pessoas com HIV e pela minha experiência, onde atuou, vejo que os grupos de acolhimento ajudam muito. Quando os pacientes veem que tem uma outra pessoa na mesma condição enfrentando o mesmo problema, eles se sentem mais seguros, porque esse compartilhamento de informações e de angústias e de sucesso entre eles é uma coisa que a gente tem visto com muito bons olhos e um resultado muito bom.

Marina Vergueiro (marina@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista:

Dra Érika Ferrari

Instagram: @dra_erika_ferrari