O Ministério Público do Rio (MPRJ) recomendou à prefeitura de Nova Iguaçu, à Fundação Saúde e à Secretaria estadual de Saúde (SES-RJ) que assegurem que pacientes refaçam — de forma gratuita e com prioridade — exames realizados pelo PCS Saleme em suas unidades de saúde. O laboratório era o responsável por exames em doadores de órgãos transplantados. Após erros nas análises, receptores foram infectados por HIV. O documento, assinado pelas promotoras Cristiane de Carvalho Pereira e Cristiana Cavalcante Benites em 18 de outubro, frisa que “os erros de diagnóstico nos exames para detecção de HIV em material de doadores de órgãos para transplantes parecem não constituir episódios isolados”.
O Globo mostrou na última terça-feira que a Secretaria estadual de Saúde estudava a criação de uma força-tarefa para refazer os testes de sorologia em pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com exames realizados pelo PCS Labs Saleme. A medida atenderia justamente o documento do MP.
Recomendações do MPRJ
Quando o escândalo veio à tona, uma moradora de Nova Iguaçu denunciou à polícia que houve um erro no exame de HIV que ela fez no PCS Lab Saleme. Na ocasião, sua filha recém-nascida teria recebido tratamento para soropositivos por 28 dias. Ao RJTV, da TV Globo, Tatiane Andrade, de 30 anos, contou ainda que sofreu estresse pós-traumático por acreditar que estava com o vírus. O caso é mencionado pela recomendação do MPRJ.
Por meio da 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Saúde da Região Metropolitana I, localizada em Nova Iguaçu, e da 5ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Saúde da Capital, sediada no Centro do Rio, o MPRJ deu prazo de 10 dias para que o município de Nova Iguaçu, a SES-RJ e a Fundação Saúde adotassem “ações concretas voltadas a assegurar que os usuários do SUS cuja esfera jurídica possa ter sido afetada por erros de diagnóstico em exames realizados em unidades públicas de saúde pelo Laboratório PCS Saleme tenham resguardo o direito ao refazimento gratuito e com prioridade, a ser agendado via regulação, das análises clínicas e patológicas com suposto erro de resultado”.
Além disso, o Ministério Público orientou que esses órgãos citados divulguem, por meio de vias oficiais de comunicação e sites institucionais, quais são os meios pelos quais os pacientes atendidos pelos SUS poderão refazer seus exames em suas respectivas redes de saúde. Caso a “a inveracidade do resultado” seja confirmada no novo exame, o município, a Fundação Saúde e a SES-RJ devem assegurar a “integral assistência à saúde em todos os níveis de atenção”.
Quais unidades foram atendidas pelo PCS Saleme?
O texto da promotora menciona a lista de contratos envolvendo o laboratório, o Estado e a prefeitura de Nova Iguaçu. Conforme O Globo noticiou em 16 de outubro, o PCS Saleme foi contratado pela Fundação Saúde, vinculada ao governo do estado, para realizar mais de 1,7 milhão de exames em 18 unidades da rede pública no período de quase dois anos.
A PCS assinou três contratos com o estado, sendo que dois, referentes a quatro UPAs — Campo Grande I e II, Bangu e Realengo — e ao Hospital Estadual Ricardo Cruz, em Nova Iguaçu, já chegaram ao fim. Eles foram firmados no ano passado e tinham duração de 180 dias, cada. O maior deles envolve a prestação de serviço em 13 unidades, como o Hospital Estadual Carlos Chagas e a Central Estadual de Transplantes. A previsão era a realização de 85 mil exames por mês, totalizando mais de um milhão no período de um ano. Neste contrato, cerca de 15 mil exames eram testes rápidos de HIV1 e HIV2, assim como testes de triagem para HIV e de pesquisa de anticorpos anti-HIV, o exame conhecido como Elisa.
O MPRJ menciona ainda os hospitais estaduais Anchieta (Caju), Carlos Chagas (Marechal Hermes), Eduardo Rabelo (Senador Vasconcelos), Santa Maria (Taquara), além dos Institutos Estaduais de Cardiologia Aloysio de Castro (Humaitá), de Dermatologia Sanitária (Tanque), de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capliglione (Centro), de Doenças do Tórax Ary Parreiras (Niterói), de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (Hemorio, no Centro do Rio), além da Central Estadual de Transplante (Rio Comprido) e o Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro, na Gamboa.
Já pelo âmbito municipal, a recomendação da promotora menciona contratos com o PCS Saleme para realizar exames das Upas de Comendador Soares, Austin e Vila de Cava, assim como para promover “análises clínicas, patológicas e citológicas à rede de saúde municipal de Nova Iguaçu” entre abril de 2020 e fevereiro de 2024, quando o contrato foi rescindido.
“Ao longo de mais de 04 anos e meio, exames laboratoriais de inúmeros usuários do SUS atendidos na rede municipal de saúde de Nova Iguaçu foram realizados pelo Laboratório PCS Saleme”, ressalta o texto.
O que dizem os entes mencionados?
Em nota, a Secretaria estadual de Saúde afirma que “avalia internamente a necessidade de ampliar a retestagem para demais pacientes”, ao afirmar que “já vem empenhando esforços para dar respostas efetivas aos casos de transplantados infectados com o vírus HIV”.
De acordo com a pasta, os “centros transplantadores em conjunto com a SES-RJ também estão realizando testes em alguns receptores de órgãos por garantia de segurança”. Já a prefeitura de Nova Iguaçu informou ao “RJ2”, da TV Globo, que já vem refazendo exames — qualquer um, não só de HIV — em pacientes que se sentem inseguros com os resultados.
O PCS Saleme, por sua vez, afirma que realizou mais de 10 milhões de exames em seus 50 anos de existência e observa que a análise preliminar do Hemorio apontou resultado negativo para HIV em todas as 286 amostras de doadores, que foram retestadas. “O laboratório considera gravíssimos os erros de testagem, decorrentes de falhas humanas, realizados em dois exames para HIV em amostras de doadores de órgãos; e reitera que segue colaborando com as investigações no âmbito penal e administrativo”, completa a nota.
Pessoas ligadas ao laboratório foram presas
Ao todo, seis pessoas ligadas ao Laboratório PCS Saleme foram denunciadas pelo Ministério Público do Rio. Todos tiveram a prisão decretada pela Justiça no último mês de outubro. A Delegacia do Consumidor (Decon) também concluiu o inquérito e indiciou os seis sócios e funcionários do laboratório. Eles respondem por lesão corporal gravíssima por enfermidade incurável, associação criminosa, falsidade ideológica e por induzir consumidor a erro. Veja quem são os presos:
Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, sócio do laboratório
Jacqueline Iris Barcellar de Assis, funcionária
Walter Vieira, sócio
Ivanilson Fernandes dos Santos, funcionário
Cleber de Oliveira Santos, funcionário
Adriana Vargas dos Anjos, coordenadora
O pedido de prisão preventiva dos seis acusados consta na denúncia do MPRJ encaminhada à Justiça. O objetivo foi o de assegurar o andamento das investigações. “O que foi apurado neste procedimento não foi um fato isolado, resultado de uma conduta negligente. Mas demonstram a indiferença com a vida e a integridade física dos pacientes transplantados e demais pacientes recebem dos denunciados, que não hesitaram em modificar protocolos de segurança motivados apenas por dinheiro”, diz trecho do documento, assinado pela promotora Elisa Ramo Pittaro Neves.
Fonte: O Globo