Semana densa esta última no Brasil, do Carnaval brotando de novo, com a alegria teimosa de todos os anos, das descobertas obscenas na política, das estatísticas mais tristes ainda, desde a epidemia de dengue, ao aumento de casos da Covid-19, e ainda pior, a constatação de que há muito mais templos (578 mil) no país da desigualdade do que escolas (179 mil). E no último minuto, o futebol brasileiro perde, e não participa das Olimpíadas de Paris. Complexo e sem chance alguma para amadores mesmo, esse nosso Pindorama.

Por outro lado, a nos animar e fazer crer em nossa capacidade de cuidar de nossa gente, mais do que uma metáfora de nosso trabalho, o Brasil se torna o primeiro país a assumir uma política de governo para eliminar ou reduzir substantivamente, como problema de saúde pública, 14 doenças que acometem em particular grupos mais vulneráveis socialmente, através do programa Brasil Saudável, que reúne treze ministérios do governo federal (Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento e Assistência social, Família e Combate à Fome, Direitos humanos e Cidadania, Educação, Igualdade racial, Integração e Desenvolvimento Regional, Previdência Social, Trabalho e Emprego, Justiça, e Segurança Pública, Cidades, Mulheres, Meio Ambiente, Povos Indígenas), coordenados pela Saúde, em atuação concatenada em diferentes frentes. Nascido da criação do Comitê interministerial para a Eliminação da Tuberculose e Outras doenças determinadas socialmente (CIEDDS), esta iniciativa exige a participação de diferentes ministérios “com foco no enfrentamento à fome e à pobreza, ampliação dos direitos humanos e proteção social para populações e territórios prioritários, qualificação de trabalhadores, movimentos sociais e sociedade civil; incentivo à inovação científica e tecnológica para diagnóstico e tratamento; e ações de infraestrutura e de saneamento básico e ambiental”.

Políticas públicas intersetoriais voltadas para a equidade em saúde e redução das iniquidades, fator diretamente ligado às origens do problema, obedecem à lógica bem-vinda e historicamente demonstrada de que “mal se trata pela causa e não pela consequência”, ou em linguagem contemporânea respondem à linhas de cuidado integral de prevenção e tratamento que devem funcionar desde o nascimento até a velhice, sobretudo numa população que envelhece rapidamente como a nossa.

Certamente leitores poderão se surpreender com alguns desses nomes, como doença de Chagas, malária, tracoma, filariose, esquistossomose, oncocercose, geo-helmintíases, e hanseníase, como se eles representassem apenas citações históricas, mas o fato é que ainda acometem milhões de brasileiros, com alta morbi-mortalidade e sequelas, mas que poderão ser eliminadas com ações efetivas e intersetoriais diretamente voltadas às causas do problema. Há diferentes magnitudes em todas elas, desde doenças localizadas em uma região apenas, como tracoma e filariose, portanto estrategicamente alcançáveis em sua eliminação, até as outras, a exigir medidas de diferentes modalidades de intervenção e de prevenção através de medidas sociais de par com as médicas, propriamente. Algumas dessas enfermidades podem ser transmitidas da mãe para o filho, como sífilis, HIV, hepatite B, doença de Chagas e HTLV e para estas todos os esforços e medidas se voltam para a eliminação vertical da transmissão.

Outras doenças, como tuberculose (ainda com cerca de 80 mil casos novos e 5 mil mortes a cada ano, predominantemente urbana, com diagnóstico molecular rápido e tratamento eficaz), HIV (com diagnóstico fácil e rápido e tratamento igualmente eficaz), hanseníase (também com diagnóstico disponível e tratamento eficiente pelo SUS) e hepatites virais poderão ser reduzidas a níveis das metas operacionais da Organização Mundial da Saúde, isto é, reduzir a incidência para menos de 10 casos por 100 mil habitantes e as mortes para mesmo de 200 ao ano. Lembramos, com desalento, que somos o segundo país em incidência de hanseníase, depois da Índia. Bem-vindo Brasil Saudável, com nosso compromisso de cooperar.

Fonte: O Globo