Dezenas de repórteres, cinegrafistas e fotógrafos ocupavam cada metro quadrado do auditório na arena The Forum, antiga casa do time Los Angeles Lakers, em Inglewood, Califórnia, onde o astro do basquete Magic Johnson faria um anúncio. O evento, marcado para as 15h, fora convocado no início do dia, sem que o assunto fosse antecipado. Mas as informações circularam rapidamente, e todos no auditório já sabiam do que se tratava. Mesmo assim, os olhos dos jornalistas se arregalaram quando, numa quinta-feira há 30 anos, um dos maiores ídolos da história do esporte disse ao mundo que havia contraído o vírus da aids.
“Por causa do vírus HIV que eu contraí, vou ter que me aposentar do Lakers hoje”, disse o atleta de 32 anos, sob rajadas de flashes de câmeras fotográficas, naquele dia 7 de novembro de 1991. “Eu quero deixar claro, em primeiro lugar, que eu não tenho aids, a doença, mas o vírus HIV. Minha mulher está bem, o teste deu negativo, então não há problema com ela.”
Cercada de estigmas até hoje, a aids era alvo de muito mais preconceito. Descoberta em 1981, a doença foi chamada pela imprensa de “deficiência imunológica relacionada a gays” (Grid, na sigla em inglês) e chegou a ser conhecida como “câncer dos gays”, devido à quantidade de homens gays infectados. Pouco depois, para ficar claro que o problema não afetava só a comunidade homossexual, o Centro de Controle de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, criou o termo “síndrome da imunodeficiência adquirida” (Aids). Mesmo assim, em 1991, muitos ainda achavam que heterossexuais não podiam contrair o HIV. Esta ilusão caiu com o anúncio de Johnson, um homem recém-casado e que afirmaria, dias depois, que havia sido infectado em algum momento durante seus anos de sexo com muitas mulheres, sem camisinha.
“Eu planejo continuar vivendo por muito tempo, perturbando vocês, como sempre. Então vocês vão me ver por aí”, disse o armador do Lakers, que tinha 12 anos de carreira na NBA, com cinco temporadas conqustadas. – Vou me tornar um porta-voz da campanha sobre o HIV. Quero que as pessoas saibam que podem praticar sexo seguro. Algumas vezes, você é um pouco ingênuo, e acha que isso nunca pode acontecer com você, que só um gay pode contrair a doença. Mas pode acontecer com qualquer um. Aconteceu comigo, Magic Johnson, e vou lidar com isso. A vida vai continuar, vou ser um homem feliz.
Em 2004, a ESPN listou o anúncio de Johnson como um dos momentos mais impactantes do esporte em 25 anos. A busca por testes de HIV nos Estados Unidos mais do que dobrou no dia seguinte à revelação do jogador. No mês que se passou, a testagem em Nova York aumentou em 60%. Além disso, a situação contribuiu para derrubar tabus entre o público em geral. A noção de que uma figura tão adorada pelos americanos havia sido infectada pelo vírus “levou as pessoas a ter uma visão bem mais empática a respeito de pessoas vivendo com o HIV”, disse, em entrevista recente à agência de notícias AFP, o imunologista Anthony Fauci, que trabalha com pesquisas relacionadas à aids desde a sua descoberta e, hoje, é diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (Niaid), nos Estados Unidos.
A revelação do mítico camisa 32 dos Lakers é um marco na história da Aids na sociedade. Algo como o gesto da Princesa Diana, que, em abril de 1987, diante das câmeras, apertou a mão de um paciente na inauguração do primeiro centro de tratamanento para portadores do HIV em Londres. Até então, muita gente achava que o vírus podia ser transmitido por meio do toque. A iniciativa de Diana promoveu a conscientização, mas a percepção equivocada ainda persistia quando o ídolo do basquete abriu o jogo sobre sua contaminação, quatro anos depois. Como ele ainda atuou em várias partidas a partir daquela tarde em 1991, a opinião pública teve mais oportunidade de entender que o simples contato físico com um soropositivo não coloca ninguém em risco de contrair o vírus da aids.
“Naquela época, eu pensava que se você contraísse HIV, você morreria. Então, quando soube do resultado do meu teste, fiquei devastado. Tive que aprender muita coisa para seguir em frente”, disse o veterano das quadras em entrevista à emissora americana CBS, na semana passada. “A coisa mais difícil que tive que fazer foi contar para minha mulher, porque eu a amava muito e odiava magoá-la. Eu enfrentei os melhores jogadores do mundo, em várias finais, então sei o que é pressão. Mas não existia pressão como a que senti antes de contar para ela. A reação de Cooky foi inacreditável. Apesar de tudo, ela só pensou na minha saúde.”
O armador ainda atuou em diferentes partidas. Ele integrou, por exemplo, a equipe americana dos Jogos Olímpicos de 1992, em Barcelona, que ficou conhecida como o “dreamteam” (time dos sonhos) e conquistou a medalha de ouro. Mas diferentes colegas da NBA tornaram públicas as suas críticas ao risco que aquilo representaria caso o atleta se ferisse em quadra. Em seguida, o astro nascido no estado do Michigan foi treinador do Lakers, mas não o elenco não teve bom desempenho sob sua babtuta. Em 1996, o jogador retornou à equipe de Los Angeles, atuando nas 32 partidas finais da temporada regular e ajudando o Lakers a chegar aos playoffs. Numa entrevista em 2011, Johnson chegou a dizer que “se eu soubesse na época tudo o que sei hoje, não teria me aposentado”.
De início, o atleta se esquivou das perguntas sobre como havia sido infectado. Na coletiva do The Forum, ele deixou essa questão para o médico responder. Dias depois, porém, a revista “Sports Illustrated” publicou um artigo do próprio jogador, no qual ele conta: “Tenho certeza de que fui infectado por fazer sexo com uma mulher que tem o vírus. O problema é que não posso especificar quando, o lugar ou a mulher. É uma questão de números”, escreveu Magic Johnson. “Enquanto viajava pelas cidades da NBA, nunca foi difícil encontrar companhia feminina. Confesso que quando cheguei a Los Angeles, em 1979, fiz o que pude para acomodar o máximo de mulheres, a maioria delas por sexo inseguro”.
Na entrevista recente à CBS, Johnson contou que o HIV não chegou a provocar a doença com suas terríveis consequências para o sistema imunológico do paciente. Ele toma remédios para controlar o vírus desde 1991. No começo de seu tratamento, eram necessárias três doses de medicamentos por dia. Em 1996, porém, com a revolução nas terapias anti-Aids, a vida ficou mais fácil. “Eram três doses por dia, hoje tomo apenas uma dose por dia, então está ótimo”, disse o veterano, que publicou um post no Twitter sobre o aniversário do anúncio no The Forum.
“Deus realmente me abençoou. Hoje são 30 anos vivendo com HIV então a mensagem ressou em mim de forma tremenda. Eu agradeço a Deus por me manter, me dando forças e me guiando por 62 anos, mas especialmente nesses últimos 30”.
O ex-armador dos Lakers cumpriu sua promessa de se tornar um porta-voz do sexo seguro e das pessoas portadoras do HIV. Fez campanhas educativas e deu diversas entrevistas aos longo dos anos. Ainda em 1991, ele criou a Magic Johnson Foundation, que promove iniciativas para auxiliar pessoas em suas lutas individuais contra a Aids. Ele também se tornou um grande empresário, dono da Magic Johnson Enterprises, com a qual conduz diversos negócios e realiza ações filantrópicas.
No ano passado, em meio às dificuldades da pandemia de Covid-19, o veterano anunciou empréstimos de US$ 100 milhões para empreendedores negros e mulheres. O eterno camisa 32 do principal time de Los Angeles também foi sócio-minoritário dos Lakers de 1994 a 2010 e, em 2012, integrou o grupo que adquiriu o time de beisebol Los Angeles Dodgers. Até hoje, Johnson atua como comentarista esportivo.
Fonte: O Globo