Embora a vacina contra HPV seja mais associada ao câncer do colo do útero, esse vírus também causa outros tipos de câncer

Ao longo de dois anos, vimos a Covid-19 surgir, com impacto global, resultando em uma corrida pelo desenvolvimento de vacinas capazes de conter seu avanço. Com alguns percalços no caminho, apesar daqueles que se recusam a receber a imunização, uma alta taxa de cobertura com três doses foi alcançada. Paralelamente, outras doenças infecciosas e crônicas não deixaram de existir e muitas estão sendo negativamente impactadas pela redução da procura pelas doses.

Na contramão do histórico êxito das campanhas nacionais de vacinação, vemos a paralisia infantil (poliomielite), erradicada no mundo desde 1994 (o único caso no Brasil foi registrado em 1989), voltar a nos causar preocupação. Isso porque, na última década, a cobertura vacinal apresentou uma queda vertiginosa (96,55% em 2012 para 67,71% em 2021), segundo levantamento da Sociedade Brasileira de Imunizações . Outro triste exemplo é a vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola), que registra números de cobertura insuficientes desde 2017.

Nesta mesma direção, caminha a imunização contra o papilomavírus humano (HPV). De 2013 a 2020, o patamar mínimo de 80%, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) foi atingido apenas pela primeira dose para meninas de 9 a 14 anos, tendo alcançado 83,4% de cobertura. A segunda dose para meninas chegou a 55,6%, ao passo que entre meninos de 11 a 14 anos os índices foram de 57,9% para a primeira dose e de 36,4% para a segunda dose. Portanto, menos de quatro entre dez meninos tomam as duas doses de vacina contra HPV, mesmo com gratuidade no Sistema Único de Saúde (SUS).

Embora a vacina contra HPV seja mais associada com proteção contra câncer do colo do útero, esse vírus também é causa para outros tipos de câncer. O Centro de Controle de Doenças dos EUA aponta que 63% dos casos de câncer de pênis são atribuíveis ao HPV, assim como também é alta a relação do vírus com o desenvolvimento de câncer de vagina (75%), vulva (69%), ânus (91%) e orofaringe (70%). Outro dado alarmante é que entre os cânceres causados pelo HPV, 92% são atribuíveis aos tipos de HPV que estão incluídos na vacina contra o HPV e poderiam ser evitados se, de fato, tivéssemos uma cobertura vacinal adequada, como ocorre no Canadá, Reino Unido e Austrália.

Apenas com a imunização contra HPV também dos meninos é que seremos capazes de quebrar toda a cadeia de transmissão e aí seremos mais efetivos, inclusive, na erradicação do câncer de colo do útero. Isso mesmo, ao vacinar nossos meninos, estamos também protegendo as meninas que serão mulheres menos propensas a ter o mais comum dos cânceres ginecológicos.

É nosso papel como pai, mãe ou responsável pela criação de nossas crianças não negligenciar a imunização, respeitando o calendário do programa nacional de vacinação. Somado a isso, exigir que nossos governantes, em todas as esferas, trabalhem arduamente a difusão de informação de qualidade sobre a importância da adesão às campanhas de imunização. Lembro que a vacina quadrivalente (que protege contra os HPV do tipo 6, 11, 16 e 18) é indicada para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos, pessoas que vivem com HIV e pessoas transplantadas na faixa etária de 9 a 26 anos.

A infecção pelo HPV não apresenta sintomas na maioria das pessoas. As primeiras manifestações surgem entre 2 a 8 meses do contato, mas pode demorar até 20 anos para aparecer algum sinal da infecção. Na maioria das vezes, a infecção tem resolução espontânea pelo próprio organismo em um período de 24 meses. Portanto, o fato de não haver sintomas, não significa que tudo esteja bem. O uso de preservativo durante a relação sexual, fundamental para prevenir doenças sexualmente transmissíveis, não impede totalmente o risco de infecção por HPV, pois o vírus pode estar presente em áreas não protegidas pela camisinha como vulva, região pubiana e perineal ou na bolsa escrotal.

Fonte: O Globo