Ativistas do Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra Aids) se reuniram na tarde dessa quarta-feira (30) para discutir formas de fortalecer parcerias e realizar atividades intersetoriais nas comunidades onde cada organização integrante do movimento atua. Dentre os desafios apontados, o coordenador do Mopaids, Américo Nunes, ressalta que ainda que “a gente ouve muito que os serviços não tem recursos, mas essa também é uma realidade do próprio movimento social. As pessoas que estão inseridas nas ONGs também estão sobrecarregadas com atividades administrativas e acabam perdendo oportunidades de trabalhar com foco no advocacy, por exemplo, ou trabalhar na ponta.”

O objetivo do evento é pensar como estruturar trabalhos junto às instituições da Secretaria Municipal de Assistência Social e suas conveniadas. “A gente tem perna pra tudo isso? A gente recebe para tudo isso? Porque temos voluntários, técnicos inseridos nos nossos projetos, mas são pessoas que não tem disponibilidade para ir para a rua, para fazer interlocução com outros serviços e além disso fazem trabalhos para outras instituições, então estão também sobrecarregados”, diz Américo.

Nesse sentindo, algumas experiências positivas foram apresentadas por instituições como o Casa de Assistência Filadélfia (CAF). A coordenadora Selma Munhoz explica que conseguiu um bom relacionamento com as escolas da região em que atua, “fazendo um trabalho de formiguinha e indo presencialmente em cada instituição. Hoje já temos até uma demanda maior do que a que conseguimos, atendemos cerca de mil famílias cadastradas. Por isso, percebemos que era necessário caminhar junto a outros serviços.”

Também integrantes do CAF, Liliane do Carmo e Érica Fugazza explicam que este se trata de “um trabalho em que você precisa estar focado. Preciso ir na casa das pessoas. A gente avalia a condição em que estão vivendo. Precisa ter o cuidado de pegar as informações de forma rápida. A gente tem um plano de trabalho com cada família. Monitoramos se as crianças estão indo na escola, acompanhamos aqueles que têm problemas com álcool e drogas, se a pessoa está grávida também checamos o acompanhamento médico. Então cada família a gente atende de forma individualizada. Às vezes tem reunião de prevenção no bar, é do jeito que dá.”

Desafios na assistência social

Eduardo Barbosa, do Centro de Referência e Diversidade (CRD) chamou a atenção para a crise na assistência social na cidade de São Paulo. “Cada vez mais a assistência social esta sendo desmontada. Todos os equipamentos estão reclamandoda falta de técnicos, falta de recursos repassados para as Organizações da Sociedade Civil e a precarização dos serviços.”

Ele explicou que o CRD busca realizar trabalhos transversais com a população LGBT mais vulnerável. São ao menos 1800 atendimentos realizados ao mês. “As secretarias separam saúde de assistência social. A Assistência Social está fadada a acabar no município de São Paulo, por isso atuamos com muita dificuldade. As travestis e transexuais que estão em situação de rua por exemplo, sequer têm local para guardar seus medicamentos”, disse Eduardo ao enfatizar que não há como pensar saúde e assistência social como conceitos distintos.

Para isso, o coordenador do CRD também defende a importância “de estar onde as coisas acontecem. É ir pra rua, pra cinemão, boates de sexo, saunas. É por isso que é importante trabalhar em rede. Se a travesti que estiver na rua não tiver apoio psicológico, saúde, comida, na primeira oportunidade ela vai abandonar o tratamento.” 

Assim, experiências como o Consultório na Rua do BomPar se mostrou eficaz no que diz respeito a um atendimento intersetorial. Danielly da Silva, compartilhou sua experiência quando esteve em situação de rua e explicou que hoje, trabalhando no BomPar, percebe a importância desse tipo de acompanhamento especializado.

“Temos auxiliares de enfermagem, psicólogos, médicos, assistentes sociais e diversos outros profissionais que formam uma equipe interdisciplinar. Temos a terapia comunitária, doações de roupas e comidas. Nossa intenção é inserir essas pessoas no mercado de trabalho ou levá-los pra UBS”, afirma. 

 

Integralidade na Saúde

Para Celso Monteiro, esse é um diagnostico de 2019. “Estamos lidando com questões estruturais, que estão na alma da sociedade e que não são especificas apenas da temática da aids. A gente atua em um cenário muito cruel, há muitas incertezas. Acredito que a grande pergunta é como a gente sustenta os programas e recursos que existem agora? É o desafio da intersetorialidade na prática, como a gente busca novos paradigmas para fazer com que isso aconteça todo dia, olhando para a integralidade do sujeito?” 

Do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo, Dr. Robinson Camargo ressalta que, para além do HIV, a ausência de garantia de vínculo com pacientes com hepatite C também tem afetado a saúde de muitos. “Também tem o desafio nas questões práticas. A gente tem uma vulnerabilidade social imensa, mas também concorremos com tantas outras vulnerabilidades sociais na cidade que se torna difícil na hora de realizar um trabalho consistente.” 

Os ativistas também relembraram e criticaram o silêncio. “O silêncio do Departamento quando tira aids do nome, o silêncio quando tira as redes sociais (do Departamento) do ar, o silêncio mata e parece que estamos ficando sem coragem de lutar”, afirmou Eduardo Barbosa. 

Américo Nunes afirmou também que é preciso que os ativistas participem de conferências que discutam temas que vão além da Saúde. “Vamos estar presentes nas conferências de assistências sociais, de educação, por exemplo. A gente não valoriza o trabalho do outro, não é apenas elogiar e comentar, mas é estar junto e presente nas atividades que cada um realiza. Este é um momento de união”, finaliza.

 

Jéssica Paula (jessica@agenciaaids.com.br)

 

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