Em homenagem ao mês dedicado às mulheres, a Agência Aids promoveu na tarde desta quarta-feira (20) um encontro entre as representantes do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP) e a deputada estadual Maria Lucia Amary (PSDB), coordenadora da Frente Parlamentar de Enfrentamento às IST/HIV/Aids, Hepatites Virais e Tuberculose, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Liderado pela jornalista Roseli Tardelli, o debate trouxe à tona os desafios específicos enfrentados pelas mulheres que vivem com HIV/aids, especialmente no interior do Estado de São Paulo. 

Ao longo do bate-papo, as ativistas Jenice Pizão, Fabiana de Oliveira e Renata Souza apresentaram propostas de ações junto à Alesp e abordaram temas como direito de acesso à informação, acesso ao tratamento, combate ao preconceito, a busca pela autonomia das mulheres vivendo com HIV/aids, dentre outros.

A trajetória

A ativista e cientista social, Fabiana de Oliveira, 54, de Catanduva (SP), relembrou que o HIV chegou em sua vida há 28 anos, quando seu corpo começou a apresentar algumas manifestações suspeitas. “Eu trabalhava com um médico e comecei a emagrecer muito, perder cabelo… ele desconfiou dos sintomas que eu estava apresentando e sugeriu que fizesse uma bateria de exames para saber o porquê que eu estava emagrecendo tanto e não conseguia conter uma diarreia que já fazia meses. Concordei em fazer os exames, e quando veio os resultados, ele me enviou para um amigo, porque disse que eu estava com uma anemia muito profunda e precisava de uma atenção maior de outro profissional. E foi aí que eu recebi o diagnóstico de HIV e fui internada pelas condições de saúde que apresentava. Naquela época, eu estava noiva e simplesmente não conseguia mais falar com a pessoa que eu estava. Ele desapareceu”. 

A história de Fabiana é apenas uma dentre tantas histórias de meninas e mulheres que enfrentam o abandono em suas relações. Ela chegou a pesar 27 kg, mas superou. Hoje, encorajada e ativista, ela inspira outras mulheres que têm o vírus. No momento, citou seu exemplo como inspiração para quem enfrenta e/ou já enfrentou situações semelhantes. 

Renata Souza, 50, ativista e assistente social, complementou dizendo que também enfrentou dificuldades de informação. “Eu fui uma adolescente que recebi pouquíssima ou nenhuma informação. Eu acredito que isso atrasou o diagnóstico, que já tem 25 anos.” Criada pela avó, sem qualquer tipo de diálogo sobre sexualidade, o HIV trouxe à tona uma carga de culpa. Nesse sentido, Renata questionou a qualidade da educação sexual na escola e em casa, especialmente para as gerações mais jovens. “Como é que os nossos adolescentes e jovens estão recebendo a informação sobre prevenção?”, questionou. “Eu vivenciei a falta de informação e tudo o que ela acarreta”, complementou reforçando o papel da testagem regular como medidas de amor, proteção e autocuidado.

Já a professora de História aposentada, Jenice Pizão, de 62 anos, nasceu e vive em Campinas, também interior de São Paulo. Jenice criticou a falta de investimento em campanhas educativas de massa que informem adequadamente a população sobre as Infecções Sexualmente Transmissíveis. A cidadã posithiva falou sobre a importância da conscientização, destacando que, apesar de importantes conquistas no Brasil, como o avanço do tratamento com antirretrovirais de ponta, a indetectabilidade viral e até mesmo a prevenção combinada, ainda há uma lacuna na garantia de acesso a todas as mulheres e uma falha significativa na comunicação da mensagem preventiva para frear o aumento no número de novos casos diagnósticos.

Em sua fala, chamou a atenção a fatores como a baixa escolaridade, que pode influenciar no acesso aos serviços de saúde. “Eu tive facilidade para acessar um serviço, algo que difere da grande maioria das mulheres. O fato de eu ser uma mulher com escolaridade possibilitou esse acesso, e o fato de ser branca também. Hoje percebemos que o vírus se concentra entre mulheres, por exemplo, com baixo nível de escolaridade ou com baixo acesso a serviços de saúde. Portanto, muitas não se sentem no direito de ter acesso a estes serviços, e a grande maioria delas são mulheres pretas ou pardas. Muitas também sentem medo de se colocar enquanto mulher vivendo, por conta do estigma e preconceito que existem.”

Jenice também destacou problemas na saúde, como a terceirização, quarteirização e descentralização, que prejudicam o atendimento nos serviços de saúde. A descentralização destes serviços, segundo ela, pode levar à falta de profissionais especialistas e à sobrecarga da atenção básica que já sofre de desestruturação. Além disso, mencionou a falta de investimento dos cofres públicos, que agrava a situação, afetando principalmente as mulheres negras e trans. “A gente vê nos municípios a descentralização dos tratamentos e dos serviços de saúde. Então, por exemplo, nas cidades que não tem um serviço especializado para me atender, vou na atenção básica. Legal, a atenção básica vai atender a todos, porém a atenção básica está tão desestruturada que não dispor de um infectologista para me avaliar. Vai ter um clínico geral que não tem o conhecimento especializado no que preciso […]. Os serviços não estão capacitados para atender as pessoas com HIV”, afirmou.

“Antigamente havia investimento específico para ser direcionado à aids e o município recebia aquele dinheiro. Hoje, o município recebe um único investimento e vai distribuir [conforme sua gestão]”, acrescentou.

Defesa das mulheres

À Maria Lucia Amary, reconhecida ao longo dos seus seis mandatos por sua atuação na defesa dos direitos das mulheres e da saúde pública, Roseli Tardelli perguntou: “Como e por que a nossa pauta chamou a sua atenção?”.

Segundo ela, isso se deve a um legado deixado pelo ex-prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), de engajamento na luta contra a aids. “Ele tinha essa pauta como prioridade e sugeriu que eu abraçasse essa causa que ele abraçou durante anos. Peguei ela de uma forma bastante preocupada e responsável. No momento que você abraça uma causa, precisa estar por dentro dos fatos, tem que estar motivada para encontrar soluções. E eu estou achando muito bom estar conversando com mulheres positivas, porque esta é uma oportunidade de vocês nos darem dados e informações que vão subsidiar o nosso trabalho.”

Maria Lucia Amary destacou que as pessoas mais idosas, devido aos medicamentos que estimulam a potência sexual, muitas vezes se descuidam da prevenção, ou até mesmo por preconceito de quem é mais relutante com o uso do preservativo. Ela ressaltou que esses preconceitos e estigmas ainda são uma realidade no meio deste público e que não pode deixar esse grupo para trás na construção das políticas e ações.

A deputada afirmou que mesmo 40 anos depois do surgimento do HIV, ainda existem dificuldades para levar a pauta para a Assembleia Legislativa do Estado. “Eu acredito que nem todos abraçam com naturalidade”. Ela citou como exemplo um projeto de lei que desde 2017 vem sendo trabalhado para que jovens e adolescentes possam ter a orientação de prevenção nas escolas. “Eu fui acusada por uma parlamentar de que eu estaria estimulando a iniciação sexual dos adolescentes.”

Nesse sentido, a parlamentar afirmou que é fundamental afastar o fundamentalismo religioso da discussão da saúde pública.

Desafios no interior

Ainda pautando os desafios das mulheres, as ativistas alertaram para Maria Lucia Amary durante o encontro que, sobretudo nas regiões interioranas, a situação é precária. A realidade nas regiões mais afastadas dos centros urbanos é de uma epidemia sem resolutividade. As ONGs que desempenharam um papel crucial nos primeiros anos da epidemia, muitas delas enfrentam dificuldades financeiras e estruturais, que ameaçam sua sustentabilidade. Segundo relatam, muitas já fecharam as portas. Aquelas que ainda estão ativas geralmente estão concentradas nas grandes metrópoles, acarretando inúmeros problemas nas áreas rurais e de menor densidade populacional.

“Presidente Prudente é rodeado por 45 municípios. Uma pessoa que vive em Rosana, por exemplo, que é na ponta do estado, para chegar em Presidente Prudente, percorre uns 200 quilômetros para ter acesso ao tratamento. São mais 200 quilômetros para voltar, isso num só dia e quem custeia o transporte é a própria pessoa. Não há transporte, ônibus circular, não tem metrô […]. Se a pessoa tem, por exemplo, um parente, ele ainda pode hospedar-se na casa do parente. Mas estar no interior e fazer o tratamento tem as complicações, e não dá para trabalhar isoladamente. Precisamos do apoio das outras políticas dentro dos municípios”, explicou Renata.

A militante continuou falando ainda do desafio de acesso às especialidades médicas. “Hoje nós temos conhecimento de pessoas de dois anos na fila aguardando para passar para um especialista. Conviver há 40 anos, 30 anos, 20 anos com HIV vai gerar para essas pessoas algumas consequências. A questão óssea, a descalcificação óssea, problemas cardiovasculares, problemas nos rins […]. Precisamos de um olhar mais integral em saúde para as mulheres HIV+.”

É como se apenas a consulta médica e o medicamento bastassem, mas não adianta uma pessoa ter os antirretrovirais em casa e não ter um copo de leite. Não adianta as pessoas terem os antirretrovirais e não terem moradia… Outro ponto importante também que a gente tem que pensar é o fato de que muitas pessoas foram desaposentadas e a desaposentadoria tirou delas também qualquer chance de dignidade. Imagine como é difícil para uma pessoa que está há 26 anos fora do mercado de trabalho ser desaposentada”, afirmou Fabiana na sequência.

A deputada Maria Lucia Amary reconheceu a necessidade de centros específicos de atenção para tratar inclusive as questões de saúde mental e a importância de orientar as pacientes sobre como lidar com os efeitos colaterais decorrentes do uso prolongado de medicamentos antirretrovirais, gerenciar a toxicidade desses medicamentos e lidar melhor com a falta de rede de apoio, com o envelhecimento precoce do corpo de mulheres HIV positivas, entre outros desafios que fazem parte do dia a dia delas.

Com as discussões que foram realizadas sobre as ações e respostas do poder legislativo, a reunião foi finalizada com a deputada ratificando seu compromisso com as mulheres vivendo com o HIV/aids dentro e fora das grandes cidades paulistas e se comprometeu em se articular através da Frente Parlamentar de Aids para promover uma audiência pública com objetivo de discutir especificamente as demandas das mulheres. A deputada estadual se comprometeu ainda a buscar o diálogo com a participação social para elaborar, implementar e manter políticas públicas de combate ao HIV, em São Paulo.

Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)

Assista a live na íntegra através da TV Agência Aids:

Dica de entrevista

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