“O Barong é um exercício de cidadania diário, é o encontro entre pessoas, transformações, respeito e escuta. É olhar para o outro com o coração.” É dessa forma que a psicóloga e sexóloga Regiane Garcia, vice-presidente do Instituto Cultural Barong, define a Instituição. A ONG nasceu em 1996 para quebrar barreiras, ir ao encontro da população na luta contra a aids,  promover educação e saúde sexual e reprodutiva e facilitar o diálogo sobre sexualidade. O Barong tem uma van-consultório, que oferta testes rápidos de HIV, sífilis e hepatite B e C, além de distribuir preservativos, gel lubrificante e informações corretas sobre saúde sexual e prevenção. Eles também tem um time especializado em palestras. Regiane e parte da diretoria da ONG participaram na noite dessa terça-feira (27), da live: “Instituto Cultural Barong promove ações de apoio a pessoas vivendo com HIV/aids durante a pandemia”, da Agência Aids. Por mais de uma hora eles relembraram boas histórias das ações de campo, contaram como se envolveram com este trabalho e como a ONG se reinventou em tempos de covid-19 para acolher o maior número de pessoas em situação de vulnerabilidade social.

“Estou no Barong desde 2002, quando terminei a pós-graduação em sexualidade. Fazia parte de um grupo de estudos e uma moça que trabalhava na instituição foi lá contar como funcionava a ONG. Foi amor à primeira vista. Eles ficavam com um trailer estacionado na Praça Ramos de Azevedo todas as quartas-feiras. Perguntei se estavam precisando de voluntária, tive um bate-papo com a Marta [Marta McBritton, fundadora e presidente do Barong] e comecei a participar das atividades a cada 15 dias. Não sai mais”, relatou Regiane.

Outro que se apaixonou pelo Barong foi o ator Tadeu Dy Pyetro. Sua chegada a instituição foi motivada pela participação dos filhos nas ações, primeiro com a Moara e depois o Otávio. “Meus filhos entraram na ONG e por último entrou o meu carro, que puxava o trailer. Não teve jeito, também me interessei pela iniciativa. Fazíamos muitas dinâmicas e conversas com o povo na rua. O Barong veio num processo e necessidade de começar a interagir também dessa forma. Comecei a participar de algumas ações e fui ficando. Já se vão pelo menos 25 anos. Lembro da primeira ação de rua que participei, foi em uma escola de samba. A Marta disse que as ações eram tranquilas, mas cheguei bem no dia de um tiroteio, até achei que eram fogos.”

Uma das situações mais inusitadas que Tadeu viveu com o Barong foi em 1997, quando tinha acabado de fazer a novela Rei do Gado, da TV Globo. “Meu personagem era um delegado. Estava na ação do Barong e chegou um pessoal suspeito, me perguntaram se eu era delegado. Respondi imediatamente que não, que eles podiam ficar tranquilos, pegar as camisinhas e o material que precisavam. Teve também uma ação no CarnaSampa. Estava lá distribuindo preservativos e chegou um cidadão que gostava do meu trabalho. Ele me convidou para ir a sede da Associação de Delgados. Lá fui eu, pensei que eles queriam autógrafo, fotos. Fizeram um círculo em volta de mim e me entregaram um ofício para eu levar para Rede Globo porque, em uma das cenas, meu personagem levou cerveja para dentro da cadeia. Eles protestaram”, contou Tadeu.

Aproximar as pessoas da sexualidade

A assistente social Marta McBritton, fundadora do Barong, também não poderia ficar de fora da live. A jornalista Roseli Tardelli, diretora desta Agência, perguntou a ela qual é a melhor dinâmica para abordar o tema sexualidade em bate-papo nas ruas.

“Saímos de dentro de quatro paredes para falar com as pessoas o que fazemos em quatro paredes. E o que se faz neste espaço tem de ser muito legal, ser feliz, não pode invadir. Pode ser o que você quiser, desde que seja consensual, sem abuso. O nosso barato é falar com leveza da sexualidade, a fórmula que deu certo no Barong é o anonimato. Quando estamos nas ruas as pessoas podem conversar com a gente sobre desejos, fantasias, medos e dificuldades sem dizer quem elas são, onde trabalham, onde estudam, profissão. A rua dá uma liberdade muito grande quando o assunto é sexualidade.  Com anonimato e falando sobre saúde, conseguimos trabalhar com a questão do HIV. Aprendemos a falar sobre saúde sexual para depois falar de prevenção. A fórmula foi essa”, revelou Marta.

O Barong nasceu da coletividade

Outra curiosidade de Roseli é de onde veio o nome Barong. “O nome é uma junção de bar (buteco) com ONG. Mas não sabemos quem colocou. Estávamos em um bar, tínhamos bebido muito e começamos a falar sobre a necessidade de conversar sobre sexualidade como se fala em uma mesa de bar. Aí disseram o nome. Hoje, a gente brinca entre nós que pode ter sido até o garçom quem disse”, brincou Marta, acrescendo que a discussão sobre a importância da leveza no nome de uma instituição era um diferencial para a adesão das pessoas ao trabalho. “Eu, Marcelo Peixoto, Will e outras pessoas éramos da Apta (Associação de Prevenção e Tratamento para Aids) e a discussão começou justamente porque acreditávamos que ninguém ia para uma ONG com esse nome. A Apta desenvolvia um bom trabalho, mas o próprio nome afastava as pessoas. Depois de uns dias sentei com a Telma Cavalheira, estruturamos o projeto com a ajudar de várias pessoas e levamos para a DKT do Brasil. Eles gostaram da iniciativa, disseram que iam investir, nos deram um cheque e começamos a trabalhar. Foi assim que o Barong saiu do papel, nasceu da coletividade. A criação coletiva é a nossa marca.”

A instituição chegou na vida do ativista Welton Gabriel há cinco anos. “Eu só tenho a agradecer. Foi amor à primeira vista. Estava finalizando um projeto de testagem e acabei conhecendo a Marta e a Fernanda. Hoje, estamos com o Projeto Balaio, que nasceu para acolher pessoas em situação de vulnerabilidade social na pandemia. Sou grato a Marta e ao Barong pela oportunidade de ter crescido profissionalmente e pela confiança no meu trabalho. Quando descobri minha sorologia recebi apoio. O acolhimento é fundamental para as pessoas que estão se descobrindo soropositivas”, afirmou Welton.

Uma das contratações mais recentes da ONG é a Herica Almeida, filha da ativista e colaboradora do Barong, Silva Almeida. “Cheguei ao Barong em 2017 e desde então tenho aprendido muito. Convivo com HIV há mais de 25 anos, mas essa área é totalmente nova em minha vida. Entrei no Barong fazendo só as ações de rua, hoje estou envolvida em diversos projetos”, comemorou.

Parceria de longa data

A jornalista Roseli Tardelli aproveitou para relembrar os longos anos de parceria da Agência Aids e Instituto Barong. “Uma linda aventura do Barong com a Agência Aids foi na Flip, em Paraty. Foi a primeira vez que uma autora brasileira falando sobre aids foi convidada para lançar o livro na Flip. Lá fui eu lançar “O Valor da Vida- 10 anos da Agência Aids”, da editora Senac. Quando recebi o convite logo inclui o Barong e lá fomos nós. Colocamos na porta do Casa do Senac o inflável de camisinha e o estande. Fizemos ainda um bate-papo muito legal.”

Uma das responsáveis pela área administrativa da ONG é a Fernanda Peres, que está no Barong desde 2012. “Cheguei para trabalhar com a prestação de contas de um projeto pontual e fui ficando.”

Afetividade

Regiane disse que se em uma coisa que não falta do Barong é afetividade e este é justamente um dos motivos pelo qual o povo vai ficando. “Apesar do trabalho, da identificação de cada um com o seu talento e competência, existe um laço afetivo que acaba segurando a gente.  Precisamos ter conhecimento técnico, nos capacitar, estudar, mas a gente precisa se gostar. A gente se enrosca porque tem afetividade. Quando olhamos para a carinha de cada um, você vê o laço afetivo, mesmo a Margarete dando bronca nas pessoas. O olhar, a escuta e o respeito que a gente tem para com as pessoas que atendemos e conversamos, esse olhar de atenção, coração aberto para ouvir sem julgar, é essa troca de afeto. Eu sou afetado e eu afeto. A Marta tem um papel importante, a perseverança dessa mulher com relação a instituição. Do jeito que ela acredita, ela condensa nós a acreditarmos também”, observou Regiane;

Tadeu acrescentou que além do afeto, carinho e vontade de ajudar, o Barong completa uma questão de cidadania de cada um. “As pessoas usam seus conhecimentos e doam parte da alma no processo. Para que a gente existisse foi preciso o convencimento da alma. Acho que a alma de todo mundo está aí também como cidadão e como afeto social. A possibilidade não só de interagir no grupo do Barong, mas com a própria sociedade.”

Os projetos

Roseli perguntou a Marta o que o Barong tem feito em tempos de covid. “Tivemos que mudar as nossas estratégias. Além da distribuição de cestas básicas, cestas de higiene e kits de saúde sexual, estamos focados em facilitar o acesso das pessoas ao tratamento antirretroviral. Já distribuímos mais de 2 mil cestas básicas, além dos outros itens, o que tem sido mais bacana é o acesso ao antirretroviral. Bem no começo da pandemia o Jean Dantas, do CRT, me ligou em uma madrugada de sábado perguntando como as pessoas teriam acesso aos antirretrovirais se não podiam sair de casa. Ele estava muito angustiado. Respondi que podíamos ir buscar os medicamentos e entregar para essas pessoas. No domingo, falamos com o Eduardo Barbosa, do CRD, e na segunda-feira já estávamos com o projeto pronto. Conversamos com o CRT, criamos os instrumentos para que fosse respeitado o sigilo das pessoas que vivem com HIV e esperamos as demandas. Nisso, a Adriana Bertini, que é uma nova baronguete, conversou com o Unaids e a Unesco e eles resolveram colaborar com o projeto. O Unaids, por coincidência, tinha acabado de realizar uma pesquisa sobre a preocupação das pessoas vivendo com HIV em relação aos antirretrovirais. Começamos facilitar o acesso aos medicamentos, divulgamos nas redes sociais e estamos fazendo isso até hoje”, relatou Marta.

Para ela, o mais bacana é a comunicação com essas pessoas, “não é simplesmente ter uma receita em mãos, ir até a farmácia, pegar o antirretroviral e colocar no correio, é conversar com as pessoas. Quando você liga, você acaba descobrindo outras vulnerabilidades, algumas é possível resolver. Por exemplo, se a pessoa precisa de uma consulta com outras especialidades a gente faz a ponte e tenta marcar. Uma das moças queria fazer terapia, ligamos para o Instituto Vida Nova, eles imediatamente fizeram uma parceria e conseguiu uma terapeuta para atende-la.”

A DKT e o Barong

O diretor geral da DKT no Brasil, Daniel Marun, também não ficou de fora do bate-papo. Já são quase 25 anos de parceria com o Barong. “Eu sou o funcionário mais antigo da DKT do Brasil. O Barong estava junto com a DKT antes de eu chegar. Quando eu entrei na DKT em 1 de dezembro de 1997 a parceria já estava acontecendo. Desde o primeiro momento, era muito visível a importância do trabalho que o Barong faz. Estava aqui ouvindo e me divertindo com as histórias, talvez a coisa que mais importante dessa ONG é a espontaneidade como se faz as coisas. A começar pelo nome, é sensacional a história do garçom. É uma alegria muito grande participar de alguma forma do trabalho que o Barong faz. Tivemos momentos sensacionais nos últimos 25 anos, estamos fazendo muitas coisas juntos, conseguimos um progresso enorme na prevenção.”

Roseli perguntou o que a DKT traz para o Barong e o que o Barong leva para a DKT.

“É um complemento de ações, a DKT é uma empresa que também é acolhedora, sempre valoriza a inclusão e a igualdade, o Barong vai no mesmo sentido, cada um na sua forma de atuação. A DKT leva planejamento familiar e o Barong está junto com a gente levando acolhimento. A gente não conseguiria fazer o que o Barong faz e eles não fariam o que nós fazemos. A gente faz junto. São 25 anos de história. Já sofremos juntos, enfrentamos crises…”

A live chegou ao fim com uma homenagem as pessoas que já se foram, mas que ajudaram a construir a história do Barong, como o Marcelo Peixoto, Lélia Abramo, Will Dantas, Ana Moara e Edilene Lima. Os baroguetes também foram desafiados a resumir o bate-papo em uma palavra. Roseli escolheu afeto, Welton disse gratidão, Regiane falou flexibilidade, Tadeu optou por solidariedade, Fernanda deixou força, Daniel escolheu amor, Margarete, continuidade e Marta finalizou com esperança.

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista

Instituto Cultural Barong

Tel.: (11) 94051-6448