Em um momento bastante complexo na Câmara dos Deputados em Brasília – dia de votação da PEC do voto impresso – a diretora da Agência Aids, Roseli Tardelli, recebeu o deputado Alexandre Padilha (PT-SP) para um bate-papo. Exatamente por isso, a conversa sofreu várias interrupções para que o deputado pudesse votar à distância. Em tempo, a PEC foi rejeitada com 218 votos contra e 229 a favor, eram necessários 308 votos para seguir adiante.
Alexandre Padilha é médico formado pela Universidade de Campinas (Unicamp), especializado em Infectologia pela USP e professor universitário e Coordenou a campanha do ex-presidente Lula em 1989 e 1994. No Executivo, assumiu em 2011, a Secretaria de Relações Institucionais e foi ministro da Coordenação Política do governo Lula. Na gestão da presidenta Dilma Rousseff, foi ministro da Saúde e se destacou como o principal responsável pela implantação do Programa Mais Médicos. Na Prefeitura de São Paulo, na gestão de Fernando Haddad, exerceu o papel de secretário de Saúde do Município. No PT, Padilha exerce atualmente a função de vice-presidente Nacional. Nas eleições de 2018, foi o quarto deputado mais votado na bancada petista de São Paulo, com 87.576 votos,
Padilha iniciou comentando a votação da PEC na noite da terça-feira (10). “Bolsonaro trouxe esse tema para pauta porque ele quer questionar o sistema eleitoral. Ele quer criar um clima de tensão, de terror pré-eleitoral e eleitoral no país para questionar o resultado, mas acho que ele fica esticando esse debate para que a gente se concentre nesse debate e não tenha que discutir os problemas que o povo está sofrendo. Eu sou o coordenador da Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), do HIV/AIDS e Hepatites Virais no Congresso Nacional, e as pessoas que vivem com essas patologias estão sofrendo com cortes nas opções de serviço.
A mãe e a medicina
Questionado pela jornalista porque escolheu a medicina, Padilha contou que acredita ter sido influenciado por duas coisas. “Eu tinha a sensação que a medicina oferecia opções muito variadas de atuação profissional, desde trabalhar em um hospital, em uma unidade de saúde, em laboratórios, mexer com controle de doenças, ser pesquisador, dar aula. Tinha essa sensação que mexia com vários conhecimentos, não só da área biomédica, da área de filosofia, de humanas, exatas. E outra influência muito forte é que a minha mãe é médica e isso tem um peso enorme. De certa forma, eu acompanhei muito a atuação dela. Durante o dia, sabia que a mão estava de plantão, chegava tarde, então afeta muito a vida de um filho. Eu tenho 49 anos, minha mãe tem hoje 77 anos.”
No final dos anos 70, dona Macilea, mãe do deputado, fez parte de vários grupos de médicos que foram para a periferia de São Paulo – não existia o SUS ainda – junto com a população, na luta pela saúde. E todo final de semana ela carregava o filho porque não tinha com quem deixa-lo. Padilha cresceu na periferia da zona sul, na região do Campo Limpo. O consultório era uma salinha dentro da igreja, os padres abriam espaço, não tinha unidade de saúde. “Durante a semana a minha mãe ia para o hospital, dava plantão, então eu via ela sempre de branco ou avental, às vezes, sapato branco. “No final de semana tinha que subir morro, quando chovia, o carro não subia. E ela me dizia: agora você entende por que de fim de semana eu sou médica de bota, de calça jeans?. Eu sempre agradeço a ela o cuidado, a dedicação, de colocar em risco, às vezes, a própria vida em defesa da vida do outro.”
A vocação política
Roseli pontuou que o profissional de medicina gosta de gente, de cuidar, de estudar e absorve o ser humano. “A medicina já estaria de bom tamanho, por que a política entrou na sua vida?”, perguntou.
Padilha respondeu que a medicina é muito envolvente e, mesmo fazendo outras coisas, nunca largou a medicina. “Estou como deputado federal, mas faço questão de atender junto com os alunos, estou dando aula exatamente por conta disso, atendendo na unidade de saúde, passo a sexta-feira o dia inteiro na unidade de saúde, agora na periferia da zona norte de São Paulo, junto com os alunos da graduação. Vou também pra Campinas a cada quinze dias, na unidade de saúde de lá.”
Ele contou que a política sempre esteve dentro da casa dele e quando entrou na faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, em 1989, ano de eleições presidenciais, o interesse ficou mais forte. “Todo aquele burburinho na universidade me encantava muito. Foi o meu primeiro voto para presidente, com 18 anos, e foi também o primeiro voto para presidente da minha mãe, do meu pai, ou seja, duas gerações absolutamente diferentes que nunca tinham votado.”
Padilha relatou que tanto a mãe quanto ou pai foram jovens que resistiram à ditadura. “Meu pai foi torturado, preso, eu só pude abraçá-lo quando eu tinha oito anos de idade. Saiu da cadeia, encontrou minha mãe, eu devo ter sido fecundado na primeira noite do reencontro deles, porque ele saiu no finalzinho de outubro e eu nasci em setembro. Logo depois, outros colegas do meu pai voltaram a ser presos e torturados. Meu pai fazia parte da igreja, era metodista, é até hoje. E essa organização, a juventude metodista, resolveu tirar ele e outros do Brasil, porque corriam risco de morrer, de serem presos mais uma vez.”
O pai, seu Anivaldo, saiu do Brasil em 71, por via terrestre, até o Chile. O destino final foram os Estados Unidos. Dona Macilea mãe não quis acompanhá-lo por estar grávida e por causa do risco. “Só fui reencontrá-lo fisicamente no final de 79, já com quase oito anos de idade. Até 78, eu nem podia contar na escola para os meus amigos quem era meu pai, onde ele estava. A gente tinha uma grande preocupação com a repressão. Eu tive que entender muito o que era a ditadura, o que era democracia, a luta pela liberdade, pelos direitos, desde muito pequeno. Até os cinco anos eu não tinha casa fixa, eu precisava entender porque tinha que sair de uma hora para a outra, de um lugar para o outro. Passamos a ter uma casa fixa em 76.”
Na época da primeira eleição presidencial, em 89, ele se envolveu com a juventude do PT no Estado de São Paulo e foi líder estudantil.
A saúde do Brasil sob a administração do PT
Para Padilha, o governo federal na gestão do PT mais acertou do que errou na área da saúde. “Acho que as pessoas percebem o quanto acertou quando, logo depois do golpe que tirou a presidenta Dilma, vem o governo Temer que aprova um congelamento de 20 anos dos recursos da área da saúde, na prática impedindo a ampliação de avanços, a garantia de direitos. Com vinte anos de recursos congelados, não pode haver a incorporação de novos medicamentos, as pessoas que nascem não terão os mesmos direitos à saúde à medida que a população cresce. E depois, a gestão do Bolsonaro, que é uma gestão trágica em relação à condução da saúde, à destruição do SUS. Se havia muita gente que tinha dúvida sobre vários dos avanços construídos pelos governos Lula e Dilma na área da saúde, eu acho que as pessoas vão perdendo essas dúvidas. Nós fomos perfeitos? Lógico que não. Eu tenho muito orgulho da gestão que eu fui ministro da Saúde, de 2011 a 2014, na condição de infectologista que sou. Fiz infectologia exatamente por causa da luta contra a aids. Tenho orgulho de várias coisas que fizemos durante a minha gestão, de avanço em relação à testagem diagnóstica, de acesso a medicamento, mas a gente sabe que a gente não fez tudo ainda. No entanto, quando as pessoas comparam tanto os governos anteriores, quanto os que vêm depois dos governos Lula e Dilma em relação à saúde, as pessoas percebem o que foram aqueles avanços e sabe o quanto a gente precisa, no momento que vive hoje, retomar os governos progressistas, para que a gente possa avançar no fortalecimento do SUS.”
Roseli, então, quis saber o que Padilha acha que faltou fazer durante os três anos em que esteve à frente do Ministério da Saúde, para ajudar, apoiar para que as pessoas vivendo com HIV/aids tivessem mais dignidade, mais atendimento, mais acolhimento.
“Durante todo o processo da campanha da presidenta Dilma, eu já tinha acompanhado o movimento, as reivindicações que existiam. Assim que assumi o Ministério, eu fiz questão de ter uma reunião com fóruns e entidades, com o movimento, os membros do Conselho Nacional de Saúde, tive até um contato com a Agência Aids, fiquei à disposição de vocês, dei entrevista. Haviam várias preocupações naquela época, que eu acho que a gente conseguiu avançar, como a preocupação com a instabilidade da garantia dos tratamentos e medicamentos. Fizemos uma opção de ampliar a testagem diagnóstica no país, envolver a atenção primária em saúde. Esse era um debate intenso porque havia uma preocupação dos movimentos de como essa testagem podia acontecer na atenção primária em saúde, mas com profissionais preparados, orientados, para não expor o sigilo, para não ser inclusive esse um momento do início do reforço ao estigma. Todo o esforço de dar protagonismo para as entidades, a ideia de que cada vez mais as pessoas que vivem com HIV/aids tinham que ser protagonistas das campanhas, esse era um esforço que tinha. Alguns desafios a gente não deu conta de fazer, que são desafios importantes hoje, que dependem muito dos estados e municípios, mas é uma questão importante. Especialmente neste momento de pandemia, houve um aumento da pressão sobre os serviços especializados em HIV/aids e hepatites virais.
Acho que este é um debate importante. Agora como coordenador da Frente, tenho discutido da gente rever o financiamento disso, poder voltar a fortalecer o financiamento para os centros de referência. Há um acúmulo de pacientes. Depois como secretário municipal de saúde de São Paulo, eu fazia um diagnóstico permanente, eu via a realidade de vários centros de referência espalhados aqui na cidade de São Paulo, um grande volume de pacientes, a complexidade dos casos. Acho que tem um desafio enorme que se agrava durante a pandemia. A pandemia provocou interrupção do acompanhamento de vários casos. A gente fortaleceu os centros de referência e dá conta de vários problemas de saúde que estão represados com as pessoas que vivem com HIV/aids, de outros problemas: cardíacos, diabetes, saúde mental. Então, tem um grande desafio que nós temos neste momento que é fortalecer esses centros de referência, além de retomar o núcleo de políticas, as campanhas, o enfrentamento do estigma que é gravíssimo, o crescimento de casos no público mais jovem, aquilo que a gente considera, às vezes, como uma epidemia concentrada em algumas populações vulneráveis.”
Lamentavelmente, a entrevista não foi concluída porque o deputado teve que se ausentar para a votação no Congresso Nacional. Em uma nova oportunidade, Alexandre Padilha voltará a falar com a Agência Aids sobre temas que não foram abordados: a regionalização das campanhas de aids, as críticas que recebeu relacionadas ao Programa Mais Médicos e a pandemia da Covid-19.
Redação Agência de Notícias da Aids
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E-mail: dep.alexandrepadilha@camara.leg.br