Em decisão histórica no Estado de São Paulo, a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a autorização para o levantamento de R$ 20.000,00 por um dos herdeiros em um processo de inventário. O valor será destinado ao tratamento de saúde de P. R. G., que vive com HIV há 40 anos e necessita de acompanhamento médico contínuo.

A decisão foi tomada em um agravo de instrumento interposto pela inventariante, que questionava a liberação antecipada dos valores e a manutenção do depósito dos aluguéis em uma conta judicial. A inventariante alegou que a medida poderia acarretar risco de iliquidez ao espólio, que já enfrenta acúmulo de dívidas devido ao depósito dos aluguéis em juízo.

Entretanto, o Tribunal não acatou o pedido, considerando que a situação de saúde de P. R. G. justifica a liberação dos valores. Além disso, os demais herdeiros expressaram concordância com a decisão, o que também influenciou a manutenção da sentença.

O desembargador Vitor Frederico Kümpel, relator do caso, destacou que o adiantamento de quinhão hereditário é uma medida excepcional no processo de inventário e partilha, sendo admissível em situações onde há justa causa comprovada e ausência de prejuízo aos demais herdeiros e à Fazenda Pública.

A decisão reafirma a jurisprudência que prioriza o bem-estar dos herdeiros em situações de saúde delicada, assegurando que os recursos necessários sejam utilizados de forma a garantir o tratamento adequado.

Contexto do caso

O processo de inventário em questão envolve a partilha de bens entre os herdeiros. A disputa teve início após a morte de W. G., com divergências sobre a administração e distribuição do espólio.

A questão que chegou ao Tribunal girava em torno do pedido de P. R. G. para o levantamento de parte da herança para cobrir despesas médicas. A decisão inicial, proferida pela juíza da 5ª Vara da Família e Sucessões de São Paulo, foi contestada pela inventariante, mas acabou sendo mantida pela 4ª Câmara de Direito Privado.

“Eu acredito que a jurisprudência que se cria, a exemplo das conquistas passadas, vão beneficiar também pessoas vivendo com outras patologias. O problema é que talvez só em 30 dias eu consiga acessar o dinheiro. Por enquanto, com o agravo da inventariante, o tempo de manifestação das partes e de julgamento, já foram 60 dias. Agora, deve demorar mais 30. Isso, se a inventariante não for a uma instância superior contestar o TJSP. O que era pra ajudar na minha qualidade de vida está virando uma verdadeira tortura e pode causar danos ainda maiores à minha saúde, principalmente a saúde mental”, disse P. R. G., em entrevista à Agência Aids.

Repercussão

Essa decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo reforça o entendimento de que, em processos de inventário, a saúde dos herdeiros pode justificar medidas excepcionais, como o adiantamento de valores. A postura do Tribunal deve influenciar decisões futuras em casos semelhantes, onde o bem-estar dos envolvidos esteja em jogo.

A advogada Fernanda Nigro, representante de P. R. G., considera “que a decisão de primeiro grau que concedeu a antecipação da herança e a manutenção da decisão em 2ª Instância aponta para que os Juízes e Desembargadores, mesmo que de maneira tímida, estão mais sensíveis as especificidades da população vivendo com HIV/Aids e seus agravos. Antecipar a herança é uma excepcionalidade e, portanto, ao menos neste caso, o reconhecimento da questão da saúde e vulnerabilidades da PVHA pelo Tribunal foi determinante para a concessão do direito de P. R. G.”

Redação da Agência de Notícias da Aids

* Os nomes dos envolvidos no caso foram ocultados a pedido do entrevistado. O processo segue em segredo de justiça.