É importante recompensar o inventor, mas também beneficiar a sociedade com mais concorrência e preços menores

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A Constituição Federal de 1988 prevê a proteção à propriedade industrial, isto é, a concessão de benefícios para os inventores de novos produtos e tecnologias. Mas, ao mesmo tempo, a Carta Magna estabelece a função social da propriedade industrial, que deve contribuir para o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Isso significa que os benefícios aos inventores não podem ser eternos.

Por isso, a legislação brasileira e os acordos internacionais de propriedade industrial estabelecem um prazo máximo para exploração exclusiva das invenções, que, normalmente, é de 20 anos. Após esse prazo, a invenção deve ser compartilhada. O objetivo é muito simples: incentivar a inovação e recompensar o inventor, mas também beneficiar a sociedade com mais concorrência e preços menores.

Isso é ainda mais importante na área da saúde, em que o monopólio sobre medicamentos e tratamentos pode afetar os direitos básicos à vida e à saúde. Com mais opções de produtos, o custo dos tratamentos é menor, o que beneficia não só os pacientes, como também o Sistema Único de Saúde (SUS) e os planos de saúde. Por isso, é preciso encontrar um equilíbrio entre o incentivo a novos medicamentos e a promoção da saúde.

Já houve casos em que a proteção excessiva à propriedade industrial afetou o acesso à saúde. Um exemplo foi com os medicamentos antirretrovirais para pacientes com HIV. Entre os anos 1990 e 2000, os preços eram elevadíssimos, o que dificultava o acesso dos pacientes, especialmente em países mais pobres. Após pressão internacional e de movimentos sociais, houve mudanças nas políticas de preços para tornar os medicamentos mais acessíveis.

Em 2009, na pandemia da gripe H1N1, o antiviral Tamiflu despontou como o tratamento mais eficaz antes do surgimento das vacinas. Mas houve dúvidas quanto à distribuição em larga escala em razão das patentes. Na época, o laboratório suíço Roche era detentor da patente e, além de aumentar sua produção para atender a demanda, concedeu licenças voluntárias para fabricantes de genéricos. No Brasil, a Fiocruz produziu milhões de unidades de um derivado do princípio ativo do Tamiflu.

Como equilibrar a balança?

Apesar disso, a propriedade industrial é importante e precisa ser protegida. Sem uma recompensa, as empresas não investiriam tempo e dinheiro em novas tecnologias, principalmente na área da saúde, em que os testes clínicos podem levar décadas.

O prazo de exclusividade de 20 anos é um benefício justo ao inventor e deve ser respeitado. Sem essa garantia, não haveria incentivo à inovação. Além disso, um sistema eficaz de proteção da propriedade industrial gera um ambiente de segurança jurídica, o que atrai investidores e parceiros comerciais.

Mas também há desafios quando se trata do acesso a medicamentos e tratamentos, pois o alto preço dos produtos afeta diretamente os pacientes. Para encontrar um equilíbrio entre proteção à inovação e promoção da saúde, há algumas medidas que podem ser adotadas pelos países.

Uma delas é a licença compulsória, que são autorizações concedidas pelos governos para exploração das invenções, mesmo sem consentimento dos detentores das patentes. Essa medida, prevista na Lei de Propriedade Industrial (LPI), geralmente é adotada em situações de calamidade pública. Há também as licenças voluntárias, que consistem em negociações entre o titular da patente e uma empresa concorrente. Neste caso, o inventor autoriza a produção do produto por terceiros em troca de compensação financeira ou outros benefícios.

Outra possibilidade é a implantação de políticas de preços justos. No Brasil, a Anvisa e a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) são responsáveis pela regulamentação dos preços dos medicamentos. A CMED tem uma fórmula de cálculo para definir os preços máximos permitidos no país.

Também é importante incentivar a produção de genéricos e similares, que são mais baratos que os produtos de referência. O Brasil aprovou em 1999 a Lei dos Genéricos (Lei 9.787/1999), que prevê, entre outros, preço no mínimo 35% menor que o produto de referência, além de conceder incentivos fiscais para os fabricantes.

Atualmente, os genéricos representam 41% dos medicamentos vendidos no país, contra 29% dos similares e 16% dos produtos de referência, segundo dados de 2022 do Ministério da Saúde. Isso comprova que os genéricos e os similares foram bem recebidos pela população e há margem para mais investimentos no setor. Para isso, é importante respeitar o prazo de vigência das patentes, que, no Brasil, é de 20 anos.

Acelerar a concessão de patentes

Para respeitar o prazo de 20 anos, também é preciso aperfeiçoar o sistema de concessão de patentes. No Brasil, o responsável por analisar os pedidos é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A frequente demora do INPI faz com que muitos inventores entrem na Justiça, em busca da extensão dos prazos.

O argumento é de que os inventores não poderiam ser prejudicados pela demora do INPI em conceder as patentes. O Supremo Tribunal Federal (STF), em maio de 2021, se debruçou sobre o tema e decidiu que a prorrogação dos prazos, mesmo com demora injustificada do INPI, é inconstitucional. Mesmo assim, ainda há detentoras de patentes, principalmente laboratórios farmacêuticos, recorrendo ao Judiciário.

Para pacificar de vez a questão, especialistas defendem uma modernização do INPI para acelerar o processo de exame de patentes e reduzir o tempo necessário para a concessão, medidas fundamentais para incentivar a inovação. Se há lentidão na análise dos pedidos, as empresas se sentirão desestimuladas a investir no Brasil.

Além disso, na área da saúde, a redução do tempo pode ser importantíssima para garantir que tratamentos e medicamentos inovadores estejam disponíveis o mais rápido possível, especialmente no caso de doenças graves como o câncer.

Em resumo, as invenções devem ser protegidas e os inventores devem ser recompensados temporariamente. Mas as novas tecnologias e produtos precisam ser compartilhados com a sociedade e, por isso, é preciso respeitar o prazo de 20 anos de exploração exclusiva. Do contrário, a propriedade industrial se distanciará cada vez mais de sua função social, prevista na Constituição de 1988.

Fonte: Jota