Saúde mental é um tema quase proibido na mesa dos homens no fim de semana. Futebol, trabalho, finanças ou política, tudo menos problemas emocionais, inseguranças e afins. Nos raros casos em que um desses assuntos, sem querer, aparece, o ideal é que não se elabore muito e se siga a angulagem padrão de “não é tão importante assim”, minimizando os impactos que o desconforto emocional pode gerar em todas as áreas da vida. Expor uma fragilidade é impensável para a maioria dos homens. Esse comportamento se reflete nos índices de procura de ajuda psicológica entre os representantes do sexo masculino. Segundo relatório da Pesquisa Nacional de Saúde 2019, 69,4% dos homens passaram por consulta no ano de 2018, enquanto esse número é de 82,3% entre as mulheres.

O psicólogo Ildebrando Moraes de Souza, graduado no Instituto de Psicologia da USP, afirma que o problema aparece não só na psicologia, mas em questões de saúde em geral. “Historicamente, a mulher tende a buscar mais ajuda profissional, a cuidar mais da saúde. Isso vale para todos os aspectos de saúde, até para os outros aspectos físicos. Para o homem, ir para o médico só é válido quando alguma coisa já está muito estragada no corpo. Antes disso não se vai ao médico. Tratamentos preventivos para saúde mental ganharam um contorno ainda mais grave de preconceito, porque precisar de ajuda psicológica muitas vezes envolve a exposição de uma vulnerabilidade, que é destoante do papel masculino na forma que a nossa sociedade se organiza. Se mostrar de alguma maneira necessitado de ajuda, muitas vezes significa se mostrar vulnerável, e isso soa mal. Então, os homens que acabam chegando ao consultório acabam sendo portadores de casos como dependência química, alcoolismo, que são os caminhos mais comuns. A procura por ajuda é muito rara e, quando existe, muitas vezes já é porque tem um quadro instalado de prejuízo grave.”

O professor destaca a questão do uso de álcool e outras substâncias entre os homens. “É comum ver comorbidades associadas aos quadros psiquiátricos. Sobretudo depressão e ansiedade, que são quadros muito comuns. O uso de álcool ou outras substâncias psicoativas acaba entrando para o público masculino de uma forma muito disfarçada, não tão evidente, como atenuantes dos problemas de saúde mental. Em quadros depressivos entre os homens, é comum que o uso de álcool acabe tendo um papel substitutivo para uma medicação ou para uma terapia, embora nós saibamos que não é o caminho correto. Já as mulheres acabam com muita frequência se utilizando de outros recursos terapêuticos, por exemplo, a psicoterapia, e medicamentos próprios para o tratamento adequado. Então, o comportamento masculino está mais uma vez atrelado a essas dificuldades em procurar ajuda especializada.”

Consequências

Essa recusa em procurar ajuda tem consequências graves. Segundo dados do Ministério da Saúde, o suicídio é quase quatro vezes mais incidente entre homens, são 9,9 mortes autoprovocadas por 100 mil habitantes; já entre as mulheres são 2,6 casos por 100 mil. A principal faixa etária atingida vai dos 15 aos 29 anos de idade. Daniel Kawakami, psiquiatra no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, explica as razões por trás do dado. “As mulheres representam a maior parte das tentativas de suicídio, no entanto, até por serem mais abertas aos medicamentos e tratamentos adequados para seus problemas, acabam encontrando maneiras de superar a situação. Outro fator é o modo com que os homens buscam a morte autoprovocada. Enforcamento, armas de fogo e meios normalmente mais letais. Além disso, a faixa do início da adolescência é justamente quando começam os transtornos psiquiátricos. Depressão, ansiedade e outras questões aparecem nessa fase, além de ser também o início da vida adulta, que traz uma série de responsabilidades e dificuldades, o que, para uma pessoa que está doente, pode levar aos pensamentos de morte autoprovocada. Além disso, é comum o uso do álcool associado aos casos de suicídios. O álcool elimina a censura e algumas barreiras mentais e pode ser o último empurrão para um depressivo que já está ali com tendências graves.”

Ambos os especialistas apontam que o tema é pouco debatido e alertam que é necessário uma maior campanha de conscientização focada no meio masculino. “O tema precisa ter mais espaço na imprensa, em órgãos públicos e afins. Os serviços de assistência social que existem nesse sentido são todos associados a quadros graves. A pessoa já está em situação grave, já passou por problemas graves e aí começa a ser tratada. É necessário tratar do tema de forma preventiva. Se possível, já no início da vida, apresentar para as crianças a necessidade de se cuidar. O que é depressão? O que fazer com esse problema? Como identificar? Precisamos fazer esse trabalho para preparar a próxima geração para essa questão e criar uma nova forma de olhar para isso”, finaliza Daniel Kawakami.

Fonte: Jornal da USP