Na última semana, Brasília recebeu a 5ª edição da conferência HIV Leaders, organizada pela biofarmacêutica GSK/ ViiV. O evento reuniu mais de 100 médicos e farmacêuticos especializados em HIV para discutir avanços científicos, trocar experiências e enfrentar desafios relacionados à saúde pública, além de reforçar o combate ao estigma que ainda atinge pessoas que vivem com HIV e aids.

O infectologista Ricardo Diaz, professor associado da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e diretor do Laboratório de Retrovirologia da instituição, conduziu uma das apresentações mais aguardadas. Ele abordou temas como inovação, otimização do cuidado e práticas eficazes no atendimento às pessoas que vivem com HIV no Brasil, promovendo reflexões sobre as desigualdades no tratamento. O especialista destacou as mudanças estratégicas em relação ao tratamento antirretroviral tradicional, os novos medicamentos em desenvolvimento e os avanços que prometem facilitar a vida dos pacientes e melhorar a eficácia dos tratamentos.

Segundo o pesquisador, os novos medicamentos incluem opções subcutâneas, intramusculares e injetáveis de longa duração, com administrações a cada seis meses. O lenacapavir, por exemplo, é uma das novidades que se destacaram em estudos, como na PrEP para mulheres na África. Além disso, outros medicamentos e anticorpos estão sendo testados como alternativas ou complementos ao lenacapavir, com o objetivo de tornar o tratamento menos frequente e mais acessível. “Facilitaria muito a vida das pessoas que tomam os medicamentos e o funcionamento dos serviços de saúde”, afirmou o Dr. Ricardo Diaz.

Em entrevista exclusiva à Agência Aids, o especialista reforçou a importância de investir em medicamentos menos tóxicos e capazes de tratar vírus resistentes. “A pergunta é: precisa de coisa nova? E a resposta é: precisa. Queremos medicamentos com menor toxicidade e novas classes para tratar esses vírus resistentes”, explicou. Ele ressaltou que, embora os tratamentos atuais tenham aumentado significativamente a expectativa de vida das pessoas vivendo com HIV, os desafios permanecem: “Se você me perguntar o que acontece com uma pessoa tomando os medicamentos do coquetel por 30 anos, eu não sei, porque ainda não chegamos a esse tempo de uso com as drogas mais recentes.”

Questionado sobre a possibilidade de eliminar a aids como problema de saúde pública nos próximos anos, o Dr. Diaz foi enfático: “Um tratamento eficiente para o maior número de pessoas é fundamental, mas não é a única coisa que precisamos.” Ele mencionou, por exemplo, a necessidade de estratégias adicionais, como a erradicação da transmissão vertical (de mãe para filho), o desenvolvimento de vacinas protetoras e a cura para as pessoas que já vivem com o vírus.

Acesso aos novos tratamentos 

O acesso às drogas de uso prolongado ainda é um desafio no Brasil. “A maior parte dessas estratégias ainda está em estudo, sem aprovação. Os medicamentos injetáveis disponíveis, como os de aplicação bimestral, ainda não estarão acessíveis no país, principalmente devido ao alto custo, que poderia comprometer o tratamento de outros pacientes”, explicou. Contudo, o especialista afirmou que é essencial manter o foco nas novas opções para um futuro próximo.

O avanço científico tem permitido que a expectativa de vida das pessoas vivendo com HIV se iguale, ou até supere, a da população em geral. Mas, como enfatizou o Dr. Diaz, é preciso seguir inovando para oferecer tratamentos mais eficazes, seguros e acessíveis para todos.

Longo caminho para acabar com a epidemia

Apesar dos avanços significativos no tratamento e na prevenção do HIV, ainda há um longo caminho a ser percorrido para acabar com a epidemia. A afirmação é da médica Harmony Garges, Chief Medical Officer da ViiV Healthcare, durante sua participação na 5ª edição do HIV Leaders.

Segundo Garges, o número de pessoas vivendo com HIV no mundo aumentou recentemente, em vez de diminuir, o que aponta para a necessidade urgente de intensificar os esforços. “O que estamos discutindo aqui nesta conferência será crucial para ajudar médicos e formuladores de políticas a encontrar estratégias eficazes para alcançar as populações mais afetadas pelo HIV, aquelas que continuam a contrair o vírus”, afirmou.

Embora os avanços nos medicamentos sejam expressivos, tanto para o tratamento quanto para a prevenção, Garges ressaltou que o maior desafio está em levar essas soluções a todos que precisam. “Temos medicamentos que funcionam, mas ainda não conseguimos alcançar todas as pessoas necessárias. Isso nos mostra que ainda há muito trabalho a ser feito para acabar com a epidemia.”  

Determinantes sociais e o impacto do estigma

Além dos aspectos clínicos, Garges destacou a importância de abordar fatores sociais que perpetuam a epidemia de HIV, como o estigma, a discriminação, o isolamento e o medo. “Não seremos capazes de acabar com o HIV até enfrentarmos esses determinantes sociais. São barreiras que afetam tanto o acesso ao tratamento quanto à prevenção, e precisam ser resolvidas de forma integrada com os avanços médicos”, afirmou.

Para Garges, o fim da epidemia exige uma abordagem multissetorial. “Ainda há muito a ser feito em termos de políticas públicas, engajamento social e estratégias de saúde pública. Precisamos olhar para o HIV como um problema que vai além da medicina, envolvendo todos esses fatores em conjunto.”

O presidente da GSK, Patrick Eckert, participou do evento e trouxe reflexões sobre os avanços no combate ao HIV e os desafios que ainda persistem. Apesar de 40 anos de lutas e conquistas no tratamento, Eckert ressaltou que os números continuam preocupantes, principalmente entre jovens, e enfatizou a necessidade de estratégias mais eficazes para alcançar populações-chave.

“Por mais que estejamos avançando, nosso país continua registrando um crescimento no nível de infecção por HIV, principalmente entre jovens. Como pai, penso muito sobre como garantir que nossos filhos tenham acesso à educação, informação e, caso necessário, aos tratamentos sem medo ou estigma. Precisamos levar os serviços até essas pessoas e entender o que ainda falta para oferecer a melhor prevenção e tratamento”, disse.

Eckert destacou que, embora existam medicamentos eficazes e novas estratégias, como a PrEP injetável, os números mostram que a adesão ainda é limitada. Ele mencionou que, enquanto a PrEP injetável tem taxas de adesão próximas a 100% entre os usuários, apenas 2% da população que poderia se beneficiar dessa ferramenta a utiliza.

“Temos todas as soluções e ferramentas para lidar com o HIV, mas ainda não conseguimos garantir que elas cheguem às mãos de todas as pessoas que precisam. Há um caminho que precisamos percorrer, especialmente para educar e engajar as populações mais afetadas”, afirmou.

Abordagem multissetorial

A edição de 2024 do HIV Leaders trouxe uma novidade: a inclusão de lideranças comunitárias em suas discussões. Tradicionalmente focado em médicos, farmacêuticos e enfermeiros, o evento ampliou seu escopo para integrar reflexões que contemplam o contexto social do enfrentamento ao HIV.  Entre os participantes estiveram João Geraldo Neto, do Instituto Multiverso, Marta McBritton, do Instituto Cultural Barong, e Vando de Oliveira, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV (RNP+), núcleo Ceará. Cada um apresentou iniciativas que vêm transformando a realidade em suas comunidades.

O Instituto Multiverso, por exemplo, tem investido em programas de redução de danos voltados para pessoas que praticam sexo químico, enquanto o Instituto Cultural Barong trabalha para ampliar o acesso de populações-chave e pessoas em situação de vulnerabilidade aos insumos de prevenção e ao tratamento para o HIV. Já a RNP+ Ceará tem colaborado com a Prefeitura de Fortaleza para descentralizar o atendimento às pessoas vivendo com HIV, integrando os serviços à atenção básica de saúde.

“Em 2013, quando o governo mencionou a possibilidade de transferir o atendimento de pessoas vivendo com HIV para as UBSs, eu fui contra. Hoje, com o aumento dos casos, ficou evidente que essas pessoas precisarão ser atendidas nesses serviços, mas isso não pode ser feito de qualquer maneira. Estamos visitando as unidades de saúde para explicar como gostaríamos de ser atendidos. Por exemplo, se uma pessoa trans for chamada pelo nome de batismo, ela nunca mais retornará ao serviço”, explicou Vando.

Já João Geraldo compartilhou experiências no acolhimento de pessoas que utilizam drogas em contextos de sexo. “Os médicos precisam compreender as substâncias que estão sendo usadas e seus efeitos. Nosso projeto busca facilitar o acesso a insumos de prevenção durante as festas de sexo, divulgar a prevenção combinada e distribuir gel lubrificante”, contou. O Multiverso tem apostado em inteligência artificial para ampliar a acesso da população em informações corretas sobre HIV/aids.

Do Instituto Barong, Marta McBritton destacou a falta de interesse de gestores em firmar parcerias que ampliem o acesso à PrEP fora das unidades de saúde e em horários alternativos. “O Barong tem buscado parcerias com diversos municípios na Baixada Santista, mas temos recebido muitas negativas. Ainda assim, estamos determinados a encontrar uma alternativa para levar as profilaxias a quem mais precisa”, afirmou.

“Não faz sentido falar em líderes no enfrentamento do HIV sem incluir os líderes comunitários. O evento busca soluções integradas para os desafios no Brasil, promovendo uma troca de experiências que vai além do campo médico”, destacou o infectologista Rodrigo Zilli, diretor médico de HIV da GSK.

Ele também destacou o avanço do conceito “indetectável = intransmissível”, que comprova que pessoas em tratamento eficaz não transmitem o vírus. “Precisamos usar essas conquistas para eliminar o preconceito e criar uma sociedade mais acolhedora para todos, vivendo ou não com HIV.”

Com o Dia Mundial de Luta contra a Aids se aproximando, o evento reforçou que, apesar dos avanços, ainda há um longo caminho para acabar com a epidemia. Inovações científicas, políticas públicas eficazes e mobilização social precisam caminhar juntas para enfrentar os desafios de forma ampla e integrada.

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

* A Agência de Notícias da Aids cobriu o evento a convite da GSK.