“No nosso imaginário, receber o diagnóstico de HIV hoje é muito mais fácil do que 30 anos atrás, mas não é verdade”, conta Jenice Pizão, de 65 anos e que há 34 vive com o HIV, o Vírus da Imunodeficiência Humana. Desde que soube que havia contraído o vírus que pode levar à aids, a educadora decidiu transformar sua vida e atuar acolhendo quem passa pelo mesmo.
Neste Dezembro Vermelho, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo traz histórias de paulistas fortes, que lutam para vencer o preconceito e o estigma e por mais direitos àqueles que vivem com o HIV.
34 anos
Nascida em Campinas, Jenice Pizão, de 65 anos, é professora de história aposentada. Mãe e avó, a educadora recebeu o diagnóstico do HIV no ano de 1990.
“Foi um desespero muito grande. Eu cheguei a perguntar para o médico quantos anos de vida eu tinha”, relembra Jenice que, na época, já era mãe. O choque ao receber o diagnóstico foi intensificado pela falta de informações claras sobre o HIV e sobre a aids na época. “Há 34 anos, não existiam medicamentos, o conhecimento epidemiológico da doença era outro”, completa.
A prevalência do vírus em pessoas do sexo masculino no Brasil foi usada, de maneira equivocada, para condenar homossexuais e construir um preconceito enraizado ao grupo – fato que prejudicou o entendimento da sociedade sobre o vírus e sobre a doença.
“Havia um grupo de risco estigmatizado e quem não se identificava com ele, teoricamente, estava protegido. O que foi um grande erro na publicidade sobre a prevenção”, conta Jenice. “A homossexualidade ficou carimbada como a grande responsável pela epidemia de aids, o que não é verdade. O grande responsável pela epidemia foi quem compartilhou informações equivocadas”, afirma.
Logo durante os primeiros anos após descobrir que estava infectada pelo HIV, Jenice, que já trabalhava na área da Educação, passou a atuar no acolhimento de mais pessoas que passavam pelo mesmo que ela e a lutar por informações de qualidade sobre a aids.
Jenice nunca chegou a desenvolver qualquer patologia por conta do vírus que a levasse ao adoecimento e, em seu trabalho, reforça a diferença entre as duas condições. “A aids não é apenas uma coisa, ela é uma síndrome e um conjunto de doenças que podem ser ocasionadas pelo HIV”, explica.
Atualmente, Jenice integra o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP), que há 20 anos reúne mulheres que vivem com HIV/aids, buscando a troca de informações, a aceitação e a melhora da qualidade de vida dessas pessoas.
“Tivemos diversos avanços, como a disponibilização de medicamentos pelo SUS, mas o que não mudou foi o medo, o estigma e o preconceito. E é isso que continua fazendo as novas infecções aparecerem”, ressalta a educadora.
“Se ver com o diagnóstico do HIV é se ver morrendo. Você se acha a única pessoa do mundo. Mas é preciso entender que há uma responsabilidade de todos e que é preciso falar mais sobre. A aids não é um problema do promíscuo, ela é um problema de quem está vivo e faz sexo”, reforça.
Números
De acordo com dados do Ministério da Saúde, estima-se que um milhão de pessoas vivam com o HIV no Brasil, cerca de 650 mil do sexo masculino e 350 mil do sexo feminino.
Em 2023, o boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde mostrou que 190 mil pessoas que sabiam do diagnóstico do HIV ainda não haviam começado o tratamento necessário. O número alarmante corresponde a 19% da população já diagnosticada com o vírus.
Tratamento disponível
Atualmente, há uma gama de medicamentos e formas de prevenção que permitem às pessoas que vivem com HIV uma vida saudável, em um quadro que não evolua para a aids, e que faz com que o vírus fique indetectável e não seja transmitido para seus parceiros.
Chamados de antirretrovirais (ARV), esses medicamentos impedem a multiplicação do vírus no organismo, reduzindo o número de infecções por doenças oportunistas. O SUS (Sistema Único de Saúde) passou a ofertar gratuitamente esse tipo de medicamento em 1996 e, desde então, segue oferecendo novas drogas e tecnologias para o tratamento do HIV.
Outros métodos de prevenção e controle são a Profilaxia Pré-Exposição e a Profilaxia Pós-Exposição, conhecidas como PrEP e PEP. A primeira é um medicamento que deve ser administrado de forma programada para evitar a infecção pelo HIV caso ocorra uma exposição. Já a PEP é voltada para casos emergenciais, onde a exposição pode já ter ocorrido, e deve ser tomada em até 72 horas. O Brasil foi o primeiro país da América Latina a incorporar a técnica como política pública, em 2018.
Informação para transformar
A palestrante Thais Renovatto, de 41 anos, é outro exemplo de superação e de luta pela conscientização sobre HIV/aids. Autora do livro “5 anos Comigo”, de 2019, em que conta como foi receber o diagnóstico e como decidiu que isso não a impediria de continuar vivendo sua vida, Thais hoje é referência na educação sobre o HIV nas redes sociais.
Renovatto descobriu o vírus em 2014, após a morte do ex-namorado por conta de complicações da aids. “Depois disso começou a minha fase de aceitação. Sempre vi como uma doença marginalizada e achava que era algo distante”, relembra.
Thais conta que a busca por informações de qualidade foi o que a ajudou a se manter firme e não tratar o diagnóstico de maneira fatalista. “Passei a ir em busca da informação certa. Logo vi que, se antes era preciso 40 comprimidos, hoje tomando dois ou três eu já poderia ficar indetectável e ter muito menos efeitos colaterais. Fiquei mais segura”, diz.
Ao perceber o efeito que a educação sobre o HIV teve em sua vida, Thais passou a atuar na multiplicação desse conhecimento. “Comecei a falar abertamente sobre isso e, cada vez mais, passei a me sentir mais empoderada e mais pessoas queriam ouvir sobre”.
A palestrante também busca conscientizar gestantes que vivem com o HIV e a desmistificar o vírus. Mãe de dois filhos, nascidos após o diagnóstico, Thais busca mostrar como é possível ter uma vida saudável e completa ao se manter um tratamento correto – como seguir os protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde para a prevenção à transmissão vertical (de mãe para filho).
“Quando conheci meu marido eu já estava indetectável para o HIV e, com acompanhamento médico, decidimos ter filhos. Fiz todos os protocolos do Ministério da Saúde, como o xarope AZT nas primeiras semanas de vida, e eles nasceram negativos para o vírus”, conta.
Acolhimento
Criado em 1996, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) tem a função de criar soluções e atuar em parceria com os poderes públicos locais na prevenção do avanço do HIV e, hoje, é referência na divulgação de dados e pesquisas sobre o tema.
“Direcionamos grande parte dos nossos esforços em uma comunicação que fala sobre o HIV de forma natural, que pode atingir qualquer pessoa de qualquer raça, idade, status social, identidade de gênero ou orientação sexual, pois o vírus não escolhe quem vai infectar”, explica a ex-diretora do Unaids no Brasil, Claudia Velasquez.
Velasquez enfatiza a divulgação, por parte do Poder Público, dos métodos de prevenção e de campanhas contra a estigmatização.
“O HIV tem tratamento eficaz e o acesso é gratuito por meio do SUS, sistema que é pioneiro e serve de inspiração no mundo inteiro. Além disso, o tema HIV e aids deve ser discutido sempre e em todos os lugares, não com o olhar de discriminação e preconceito”, afirma.
A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, unindo-se aos esforços pelo combate ao avanço do HIV e da Aids, instituiu no Calendário Oficial do Estado a campanha “Dezembro Vermelho”, a partir da Lei 16.633/2018, para a divulgação de campanhas educativas junto à Secretaria de Saúde estadual.
“Esta conexão e integração entre o Legislativo, Executivo e os movimentos sociais e ONGs, é de extrema importância para o avanço das políticas públicas que visem prevenção, assistência, inclusão social”, ressalta a deputada Maria Lúcia Amary (PSDB), coordenadora da Frente Parlamentar de enfrentamento às IST/HIV/Aids.
A parlamentar reforça também a busca por acolhimento e respeito a essa população. “Embora tenha havido muitos avanços no tratamento dessas doenças e infecções, ainda persiste sobre as pessoas portadoras de HIV e Aids um estigma que precisa ser eliminado”, afirma.
Neste sentido, o Estado de São Paulo conta o Centro de Referência e Treinamento DST/Aids (CRT), criado em 1983, e que atua para diminuir a vulnerabilidade da população do Estado de São Paulo às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST).
O CRT conta com atendimentos para testagem de HIV; Profilaxia Pós-Exposição (PEP); saúde integral para travestis, transexuais e profissionais do sexo; e serviços em saúde mental, além da oferta de capacitação para profissionais da Saúde.
“Por se tratar de doenças crônicas, é preciso garantir que essas pessoas tenham condições de acesso ao acompanhamento necessário para toda a vida”, completa Maria Lúcia Amary.
Fonte: Alesp